Laudo pericial apontou que o menino Henry Borel morreu após 23 agressões físicas graves. Vereador carioca e a mãe da vítima foram presos pelo assassinato
A morte do menino Henry Borel, de apenas 4 anos, espancado dentro de casa no Rio de Janeiro, levantou muitas suspeitas e acerca dos apontados pela polícia como os responsáveis pelo crime: o vereador carioca Dr. Jairinho, padrasto da criança e Monique Medeiros, mãe de Henry.
Na última quinta-feira (8), os dois foram presos. A prisão preventiva se deu pela suspeita de homicídio duplamente qualificado, com emprego de tortura e sem chance de defesa para a vítima, por atrapalhar as investigações e por ameaçar testemunhas para combinar versões.
O laudo pericial do caso do menino Henry Borel revelou a existência de 23 escoriações diferentes pelo corpo, e que a possibilidade de ter sido um acidente doméstico foi totalmente descartada.
Os peritos afirmaram que as 23 lesões encontradas em Henry “apresentavam características condizentes com aquelas produzidas mediante ação violenta (homicídio)”. Entre essas lesões, estão, por exemplo, a laceração no fígado, danos nos rins e a hemorragia na cabeça do garoto.
Nesta segunda-feira (12), a Justiça do Rio de Janeiro negou pedido de habeas corpus ao casal feito pelas defesas. Na decisão, o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, da 7ª Câmara Criminal do TJ-RJ destacou que a prisão temporária cabe quando é “imprescindível para as investigações do inquérito policial”. Para ele, o argumento da defesa de substituir a determinação por medidas cautelares só se aplica em casos de prisão preventiva.
A Polícia Civil investiga agora porque o menino demorou 39 minutos para ser socorrido pela mãe e pelo padrasto, após a sessão de tortura que terminou com a sua morte. Além disso, também há suspeitas de ameaças e omissão de provas, realizadas pelo vereador a testemunhas do caso, como a babá da criança.
A morte de Henry trouxe novamente à tona muitas suspeitas com relação ao político de Bangu desde seu envolvimento com o ex-prefeito Marcelo Crivella e as ligações de sua família com a milícia carioca.
A família de Dr. Jairinho é considerada muito influente na política carioca, principalmente na região de Bangu, na zona oeste carioca. Apesar de formado em medicina, nunca exerceu a profissão.
Seu pai, o coronel Jairo, ex-policial militar, que foi parlamentar de 2003 a 2018, é citado na CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), por conta da ligação à Liga da Justiça. Ele foi preso pela Operação Furna da Onça que investigou corrupção de deputados estaduais em 2019.
Crivella e Bolsonaro
Na gestão do bispo da Igreja Universal, Marcelo Crivella, à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro, Dr. Jairinho assumiu a liderança do governo na Câmara de Vereadores.
Durante a campanha eleitoral de 2020, quando o Dr. Jairinho era candidato à reeleição, o vereador participou de uma live com o então prefeito Marcelo Crivella. Jairinho era líder do governo na Câmara dos Vereadores.
Na conversa entre os dois, o vereador elogiou a atuação de Crivella durante a pandemia de Covid-19 e pregou a necessidade de ser “exemplo para nossos filhos”.
“Sou médico de formação, prefeito, e tive a oportunidade de ver o senhor à frente desse processo. No final de tudo, o pessoal me perguntava até se o senhor tinha diploma de Medicina. Estava dando é aula, ensinando como que as coisas aconteciam. Então passamos por momentos difíceis juntos (…). E os momentos difíceis fazem com que nos unamos. O exemplo dá o costume, né prefeito? Então a gente tem que dar o exemplo e aí isso daí vai levando para nossas gerações, para nossos filhos”, disse na ocasião.
Na live com Crivella, ele disse que Deus era o responsável pelas sucessivas eleições. “Eu estou indo pro meu quinto mandato. Vou de novo usar a frase: Teu tesouro é onde está o seu coração. Se você não coloca a semente boa, você não frutifica. Deus me abençoou me dando esses mandatos porque por onde eu passei a gente conseguiu dar a nossa palavra e fazer com que a nossa palavra valesse, né? E é por isso que Deus nos abençoou dando esses mandatos. E eu acredito que faremos o que poder para consertar aquilo que ficou pra trás, né?”
O vereador também pediu para Deus abençoar Jair Bolsonaro em uma live ancorada pelo ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, em 2020.
“Eu já falei que é um grande orgulho seu ‘comandamento’ na cidade do Rio de Janeiro, poder na Câmara dos Vereadores liderar seu governo. (…) Prefeito, nós já conversamos sobre tudo. Queria pedir que Deus abençoe nosso presidente, Jair Bolsonaro. Está do nosso lado, né?”.
“Tem gente que olha pro avião, que olha pro piloto, não vai com a cara do piloto, e pede pro avião cair. Nós não. A gente quer que nosso avião decole e chegue lá em cima”, resumiu.
A ligação com Crivella, no entanto, não impediu o Dr. Jairinho de abandonar o barco do bispo ao perceber que o naufrágio era certo. No 2º turno da eleição do ano passado, ele participou de um evento de apoio a Paes no Ginásio Jairo Souza Santos, batizado com o nome do pai, onde pediu que votassem no adversário de Crivella.
De Batan à Muzema
Doutor Jairinho também foi acusado de envolvimento com milícias do Rio de Janeiro em 2008, quando uma equipe de reportagem do jornal “O Dia” foi torturada por milicianos na Favela do Batan, na Zona Oeste carioca. Naquela ocasião, o coronel Jairo foi apontado como um dos políticos envolvidos com os criminosos.
No texto “Minha Dor Não Sai no Jornal”, escrito para a revista “Piauí” em 2011, o fotógrafo Nilton Claudino — um dos dois jornalistas agredidos por sete horas — relata como duas figuras públicas estiveram presentes na sessão de tortura:
“A repórter reconheceu a voz de um vereador, filho de um deputado estadual. E ele a reconheceu. Recomeçou a porradaria. Esse político me batia muito. Perguntava o que eu tinha ido fazer na Zona Oeste. Questionava se eu não amava meus filhos”.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro chegou a investigar o deputado Coronel Jairo seguindo a denúncia de que um de seus assessores, de nome “Betão”, havia abordado a equipe de reportagem antes da apuração jornalística começar. O inquérito policial, contudo, não foi o suficiente para indicia-lo.
Dr. Jairinho foi citado cinco vezes como líder de milícia em um estudo conduzido pelo sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), com moradores de áreas dominadas por esses grupos criminosos na própria zona oeste do Rio de Janeiro.
Foram entrevistas realizadas entre outubro de 2007 e março de 2008 com moradores de territórios controlados pelas milícias, ou pessoas que conheciam bem esses locais.
Caso Dr. Jairinho permaneça afastado de seu mandato por mais de 120 dias, ou seja cassado pela Câmara dos Vereadores, o vereador será substituído pelo suplente, Marcelo Diniz, presidente da Associação de Moradores da Muzema, comunidade na zona oeste do Rio controlada por uma milícia.
Em abril de 2019, dois prédios desabaram na comunidade, matando mais de 20 pessoas. Os prédios eram construídos em áreas irregulares e comercializados pela milícia que atua na região.
Diniz foi chamado a depor na Polícia Civil para prestar esclarecimentos sobre a atuação da associação da Muzema. Durante a campanha eleitoral do ano passado, ele foi intimado novamente a depor pela Polícia Civil, por suspeita de ligação com a milícia. A corporação investigava de que forma grupos criminosos estavam influenciando o pleito, em determinadas regiões, apenas candidatos apoiados pelo tráfico ou pela milícia podem fazer atos de campanha.