No mais celebrado – pela mídia – casório do ano, aquele príncipe inglês, Harry, cujo único ato capaz de registro até então era ter ido a uma festa a fantasia vestido de oficial nazista, voltou a ser notícia ao desposar uma plebeia, a atriz norte-americana Mergham Markle, numa cerimônia com toda a pompa, ostentação, vazio e afetação de modernidade em meio às naftalinas que mantêm a realeza em pleno século 21.
O ponto alto, mesmo, da coisa, foi a quantidade de bobagens ditas sobre a cerimônia, do comprimento do véu da noiva aos minutos de trajeto da real carruagem até a igreja. Ah, Sir Elton John estava lá, ele sempre está. Na foto oficial, a rainha Elizabeth II e seu marido; o príncipe Charles e sua mulher Camila; a mãe de Meghan, Doria Ragland; o príncipe Williams e sua mulher, e ainda a princesa Charlotte no colo e ao lado o príncipe George. Mais íntima, a recepção à noite no Palácio de Windsor foi para 600 convidados.
Deu negritude na branquitude da monarquia – a mãe da noiva é afroamericana – e a modernidade foi tanta que o príncipe Harry saiu dali para a lua de mel dirigindo um Jaguar azul conversível, personalizado, com volante no lado contrário ao de todos os demais ingleses. Na Capela de Saint George, teve coro gospel cantando “Stand by Me”, sermão de um pastor norte-americano e o arcebispo da Igreja Anglicana – aquela que foi inventada para que o rei inglês pudesse casar e descasar sem pedir ao Papa –, Justin Welby, abençoou os noivos.
Se falaram de Martin Luther King no sermão? Pode apostar. Antes que pergunte, sim, nessas tempos de ‘política identitária’, a nova Duqueza de Sussex declarou-se orgulhosa de “ser mulher e ser feminista”. Digno de menção, de acordo com El País, na recepção em Frogmore House, “Harry usou um traje negro com gravata borboleta enquanto a noiva apostou em um vestido longo branco com gola alta e sem mangas, de Stella McCartney [a filha de Sir Paul McCartney e estilista], e sapatos Aquazzura combinando com o detalhe de que as solas estavam pintadas de azul”.
O menu também foi inesquecível: “com sete entradas (incluindo aspargos ingleses grelhados com presunto da Cúmbria, croquetes de confit de cordeiro de Windsor e tartare de tomate e manjericão), três pratos principais em tigela (fricassé de frango com alho porró e cogumelos, risoto de hortelã e ervilha com óleo de trufas e batatas fritas crocantes com parmesão e carne de porco de Windsor assada durante dez horas, com compota de maçãs), três opções de sobremesa (maccarons de champagne e pistache, tarteletes de creme brûlée de laranja e tarteletes crocantes de ruibardo) e o bolo de limão e flor de sabugueiro coberto de creme de manteiga e flores naturais”. Cansei.
A festa entrou pela madrugada – os súditos estão pagando. Há 1 milhão de crianças inglesas vivendo na pobreza agora do que em 2010. A decadência do império inglês parece não ter fim. A renda real está abaixo do patamar pré crise, o NHS está exangue, a City londrina segue inchando enquanto a desindustrialização deflagrada por Thatcher não para. Nos próximos cinco anos, a previsão é que o PIB vai se arrastar na faixa dos 1,5%. A questão da relação com os imigrantes segue não resolvida, como o escândalo de Windrush – a tentativa de expulsão dos imigrantes negros que vieram do Caribe há décadas – mostrou. Ninguém sabe como fica o dia seguinte do Brexit, cuja vitória quem garantiu foram as áreas industriais sucateadas desde a Dama de Ferro.
VAMPIRO
Na linha de sucessão ao trono, Harry é o sexto. Em primeiro vem Charles, o príncipe de Gales (filho da rainha), seguido do príncipe William e seus filhos George, Charlotte e o recém nascido Louis. William e Harry são filhos de Charles e da princesa Dayane. Há um autor que costuma comparar os romances dos que vêm das altas rodas com alguém da classe subalterna, ao mito do vampiro, que precisa do sangue humano para manter sua vida pós-morte. A realeza britânica, como os mais atentos já poderão ter notado, é um cadáver insepulto. Mais dia, menos dia, vai achar sua lápide. M.B.