“Não consigo respirar”: entra na fase decisiva o julgamento do policial racista que asfixiou George Floyd à luz do dia
O julgamento do policial racista Derek Chauvin, cujas imagens em que asfixia com o joelho o negro George Floyd durante quase nove minutos foram vistas por centenas de milhões de pessoas no mundo inteiro, entrou na segunda-feira (29) na sua fase decisiva.
Como enfatizou o veterano ativista dos direitos civis, reverendo Al Sharpton, “Chauvin está no banco dos réus, mas são os Estados Unidos que estão sendo julgados”.
No domingo, em Minneapolis, uma vigília, com a presença dos familiares e de líderes dos direitos civis e do movimento Black Lives Matter, pediu a condenação do policial assassino e homenageou Floyd.
Nas últimas três semanas, foi feita seleção do júri e o julgamento deverá ir até maio. À noite, haverá nova manifestação por justiça e fim da impunidade.
Ao expirar chamando por sua mãe, depois de por 20 vezes ter suplicado que “não posso respirar”, Floyd pôs em xeque o racismo entranhado na sociedade norte-americana e a impunidade de uma polícia que se espelha nas milícias caça-escravos dos séculos passados, acabando por desencadear as maiores manifestações contra o racismo em 50 anos e, possivelmente – e ao lado da pandemia – levou à derrota de Trump nas eleições, com a ida em massa dos eleitores negros às urnas em estados que decidiram o pleito.
Antes dos comentários de abertura, o advogado da família, Ben Crump, disse que “começa hoje um julgamento histórico que será um referendo sobre o quão longe os Estados Unidos avançaram em sua busca por igualdade e justiça para todos”.
“O mundo inteiro está de olho”, enfatizou Crump, antes de se ajoelhar junto aos familiares de Floyd por 8 minutos e 46 segundos, o tempo que Chauvin manteve o joelho sobre o pescoço da vítima em 25 de maio em Minneapolis.
“Oramos para que se faça justiça por George Floyd, que se responsabilize penalmente Derek Chauvin e que isto estabeleça um novo precedente nos Estados Unidos”, disse Ben Crump.
Em geral nos EUA policiais que cometem assassinatos em ação sequer vão a julgamento e, nos raros casos que vão, a norma é a absolvição. A regra é a impunidade, sob a proteção legal do excludente de ilicitude e da conivência de promotores e juízes.
As autoridades de Minneapolis pediram “calma”, e que as manifestações sejam “pacíficas”. Desde que se iniciou a seleção de jurados, vêm ocorrendo protestos diários por justiça.
Chauvin, de 45 anos, 19 deles no Departamento de Polícia de Minneapolis será julgado por homicídio de terceiro grau (lesão corporal seguida de morte) e homicídio culposo (quando não há a intenção de matar), com penas que podem ir, respectivamente, a 25 anos e 10 anos. Chauvin foi demitido e está em liberdade condicional desde outubro, após pagar fiança de US$ 1 milhão.
Seus três comparsas, Alexander Kueng, Thomas Lane e Tou Thao, irão a julgamento em agosto por “cumplicidade no homicídio”.
Segundo a mídia norte-americana, a estratégia de defesa de Chauvin, de parte do advogado Eric Nelson, será asseverar que ele apenas repetiu o procedimento usual contra um ‘suspeito’ e o treinamento que recebeu, e que a morte de Floyd não teria nada a ver com a asfixia com o joelho. Teria sido por overdose de fenatil, um opiáceo, do qual foram encontrados vestígios em seu corpo durante a autópsia.
“O que matou George Floyd foi uma overdose de força excessiva”, respondeu Ben Crump no domingo.
O veredicto é aguardado para o fim de abril, ou início de maio. Os 12 jurados precisam tomar uma decisão por unanimidade. Em caso contrário, o julgamento será considerado nulo. Este cenário, ou uma absolvição, podem provocar novos distúrbios em Minneapolis e inclusive no país inteiro.
Há algumas semanas a prefeitura de Minneapolis concordou em pagar 27 milhões de dólares por danos e prejuízos à família Floyd para encerrar o processo civil.
“Tenho um grande vazio em meu coração, que não pode ser preenchido, não pode ser preenchido com nenhuma quantidade de dinheiro. Queremos uma condenação”, exigiu na vigília de domingo Philonise, irmão de George Floyd.
As declarações de abertura da acusação e da defesa estão ocorrendo esta segunda-feira. Depois serão ouvidas as testemunhas e terão início os interrogatórios. Esta parte do julgamento deve durar de duas a quatro semanas, seguida pelos argumentos finais. Só então o júri iniciará a deliberação.
O júri levou 11 dias para ser constituído. Cerca de 300 pessoas participaram dessa seleção e foram escolhidos 15 jurados. Entre eles, nove brancos, quatro negros e duas pessoas que se declararam multirraciais. Uma pessoa deve ser dispensada e duas ficarão de suplentes.
Floyd havia sido abordado pelos quatro policiais sob a alegação de que havia usado uma nota falsa de US$ 20. Há registros de pelo menos outros seis incidentes anteriores à morte de Floyd, nos quais Chauvin imobilizava as pessoas pelo pescoço ou se ajoelhava em cima delas.
“Para muitos em nossa comunidade, esse processo é uma formalidade. O mundo assistiu ao vídeo horripilante de Derek Chauvin sufocando George Floyd, enquanto três outros oficiais ajudavam e incitavam Chauvin. Ele merece passar um tempo na prisão por assassinar um homem negro desarmado em plena luz do dia. Estamos fartos do sistema que carimbou o assassinato de civis nas mãos da polícia. A hora de justiça é agora”, assinalou Nekima Levy Armstrong, advogada de direitos civis e ativista, sobre o julgamento.