Um grupo de cientistas da Fiocruz, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Médicos Sem Fronteiras, entre muitas outras organizações brasileiras e internacionais divulgaram um manifesto, nesta quarta-feira (9), pedindo para que sejam “imediatamente abertas negociações com o Instituto Butantan”, de São Paulo, responsável pela produção da CoronaVac, em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Os cientistas também pedem para que a vacinação comece “o quanto antes”.
Bolsonaro tem promovido um boicote à vacina do Instituto Butantan devido ao órgão pertencer ao estado de São Paulo, que é governado por João Doria (PSDB). Até o momento, a CoronaVac não foi autorizada pelo Ministério da Saúde para o Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19.
Os especialistas pedem que as decisões sobre a vacina sejam baseadas em evidências científicas e não “em eventuais cenários políticos de fundo”.
De acordo com a nota pública do grupo, “é mister considerar que um atraso na campanha de vacinação significa vidas perdidas e precisamos, neste momento, utilizar a ciência para a tomada de decisão que norteará o que mais importa: a preservação de vidas de milhares de brasileiros e brasileiras”, pondera o texto. “Esta é a mais importante tarefa do nosso tempo e todos os esforços devem ser envidados para a sua realização oportuna, segura e efetiva”.
O grupo foi criado para auxiliar o Ministério da Saúde na elaboração do Plano Nacional de Imunização.
O governo federal, primeiro, falou em iniciar a vacinação em março. Depois de uma reunião com governadores, o Ministério da Saúde, pressionado, voltou atrás e anunciou que começaria a imunização no fim de fevereiro.
Nesta quarta, o ministro Eduardo Pazuello disse que a aplicação poderia ser a partir de dezembro, se houver autorização para uso emergencial do imunizante da Pfizer. O Ministério da Saúde negocia a compra de 70 milhões de doses, mas para 2021.
Com celeridade, Doria anunciou a campanha de vacinação no Estado de São Paulo com início em 25 de janeiro, com a CoronaVac. O imunizante ainda precisa ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas já concluiu a terceira e última fase de testes.
Os cientistas argumentam que, para atender aos grupos prioritários, será necessário um grande volume de doses de vacinas contra a Covid-19. “Considerando-se o fluxo de disponibilização de doses acordadas até o momento pelo governo federal em relação à vacina da AstraZeneca/Oxford, o grupo técnico assessor vem a público manifestar sua preocupação em relação ao quadro atual e pedir o esforço das autoridades para incorporar em sua estratégia de imunização (…) todas as vacinas que se mostrem eficazes e seguras para proteção da população, de modo que seja possível uma cobertura adequada no menor tempo possível.”
Para os cientistas, ainda é importante levar em consideração o aumento exponencial do número de casos e mortes nas últimas semanas. “Nos causa preocupação constatar que, até o momento, a única alternativa à vacina da AstraZeneca incluída no planejamento seja aquela ofertada pela Pfizer, justamente a que apresenta o maior desafio logístico para incorporação à estratégia nacional de vacinação por conta da cadeia de frio necessária.” A vacina da Pfizer, que começou a ser aplicada no Reino Unido na terça-feira, demanda armazenagem em temperaturas inferiores a -70ºC, só alcançadas por freezers especiais.
O grupo ainda pede a ampliação dos setores considerados prioritários para receber a vacina. “Além das populações já incluídas e apresentadas na nota do governo, todas as populações consideradas mais vulneráveis à Covid-19 devem ser incluídas na prioridade de vacinação, como quilombolas e populações ribeirinhas (…), além dos privados de liberdade e pessoas com deficiência”, sustentam.
O grupo ainda lembrou que, como cientistas, cabe a eles apontarem os segmentos mais vulneráveis. “Outro ponto importante que deve ser considerado é a ampliação do escopo da quarta fase para todos os trabalhadores da educação, e também a inclusão dos demais trabalhadores essenciais”.
A nota lembra que países como Alemanha, Canadá e Reino Unido já garantiram vacinação para toda a sua população, sendo que o último já deu início à campanha de imunização. “Manifestamos preocupação ainda maior devido ao aumento dos casos e das mortes no Brasil. (…) Iniciar a vacinação o quanto antes será tarefa das mais importantes lideradas pelo Ministério da Saúde.”
Os cientistas encerram a nota lembrando que o Programa Nacional de Imunização do Brasil é referência mundial em campanhas de vacinação. E lembram: “Tal feito foi obtido graças à dedicação de seus quadros técnicos e da parceria com entidades científicas e conselhos ligados à saúde pública em nosso País, garantindo ações baseadas em evidências, alheias a eventuais cenários políticos de fundo”.
Veja a íntegra do documento:
Nota pública do Grupo Técnico do
“Eixo Epidemiológico do Plano Operacional da Vacinação contra COVID-19”
9 de dezembro de 2020
Para atender os grupos prioritários para o Plano Operacional de Vacinação contra COVID-19, será necessário grande volume de doses de vacinas e será importante garantir ampla cobertura da população brasileira. Considerando-se o fluxo de disponibilização de doses acordadas até o momento pelo governo federal em relação à vacina da AstraZeneca/Oxford, o grupo técnico assessor, reunido no dia 09/12/2020, vem a público manifestar sua preocupação em relação ao quadro atual e pedir o esforço das autoridades para incorporar em sua estratégia de imunização, através do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e da rede de serviços do Sistema Único de Saúde, todas as vacinas que se mostrarem eficazes e seguras para proteção da população contra a COVID-19, de modo que seja possível uma cobertura adequada no menor tempo possível. Sabemos que, do ponto de vista de campanha de saúde pública, essa é uma operacionalização complexa e que precisa ser discutida amplamente com todos os setores da sociedade, de modo a evitar a polarização e politização na saúde brasileira.
Consideramos que, além das populações já incluídas e apresentadas na nota do governo, todas as populações consideradas mais vulneráveis à COVID-19 devem ser incluídas na prioridade de vacinação, como quilombolas e populações ribeirinhas, por vivenciarem realidades similares àquelas das populações indígenas já incluídas no plano, além de privados de liberdade e pessoas com deficiência. Outro ponto importante e que deve ser considerado é a ampliação do escopo da quarta fase para todos os trabalhadores da educação, e também a inclusão, nos grupos de vacinação, dos demais trabalhadores essenciais.
Nossa missão como cientistas consiste em apontar os grupos da população que mais necessitam ser vacinados neste momento emergencial, sendo obrigação das autoridades providenciar as doses necessárias para que isso possa ser realizado a contento. Em um cenário de escassez, onde o mundo ainda busca alternativas para vacinação ampla e adequada e em que países como Alemanha, Canadá e Reino Unido garantiram vacinação para toda sua população, tendo este último inclusive já iniciado sua campanha, manifestamos preocupação ainda maior, devido ao aumento dos casos e das mortes no Brasil. Assim, iniciar a vacinação o quanto antes será tarefa das mais importantes lideradas pelo Ministério da Saúde.
Nos causa preocupação constatar que, até o momento, a única alternativa à vacina da AstraZeneca incluída no planejamento seja aquela ofertada pela Pfizer, justamente a que apresenta o maior desafio logístico para incorporação à estratégia nacional de vacinação por conta da cadeia de frio necessária.
Assim sendo, vimos solicitar ao governo brasileiro, através do Ministério da Saúde, o esforço para que sejam imediatamente abertas negociações com o Instituto Butantan, que já teria condições de oferta de doses de vacinas, com outras empresas que trabalham com a vacina CoronaVac e com outras vacinas candidatas em fase final de estudos de eficácia. É mister considerar que um atraso na campanha de vacinação significa vidas perdidas e precisamos neste momento utilizar a ciência para a tomada de decisão que norteará o que mais importa: a preservação de vidas de milhares de brasileiros e brasileiras. Esta é a mais importante tarefa de nosso tempo e todos os esforços devem ser envidados para a sua realização oportuna, segura e efetiva.
Por fim, reiteramos o papel fundamental dos quadros técnicos da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações (CGPNI) na articulação e coordenação dos eixos de discussão necessários para a definição de uma estratégia de vacinação nacional em sintonia com o que há de mais atual e com evidências científicas associadas às vulnerabilidades para agravamento e impacto social dos casos de COVID-19, bem como às particularidades que nosso país apresenta para uma campanha efetiva em todo o território nacional. O PNI é motivo de orgulho do SUS e da população brasileira, e é referência mundial em campanhas de vacinação há décadas. Tal feito foi obtido graças à dedicação de seus quadros técnicos e da parceria com entidades científicas e conselhos ligados à saúde pública em nosso país, garantindo ações baseadas em evidências, alheias a eventuais cenários políticos de fundo.