Bolsonaro declarou que os índios são responsáveis pelas queimadas na região. “É o próprio índio ou caboclo que toca fogo”, disse ele
Em meio ao maior desmatamento da Amazônia desde 2008, divulgado na segunda-feira (30) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), especialistas e entidades da área denunciam o descaso do governo Bolsonaro e a falsificação promovida pelo presidente, que insiste em apontar indígenas, caboclos e até fogueiras de São João como os responsáveis pelas queimadas na região.
Segundo os dados do Inpe, em relação ao ano passado, a alta no desmatamento é de 9,5% e, conforme levantamento do Observatório do Clima, comparando-se a média dos dez anos anteriores à posse de Bolsonaro, o desmatamento cresceu 70%.
A taxa de desmatamento em 2020, até o momento, é de 11.088 km², contra a média de 6.500 km² por ano, apurada entre 2009 e 2018.
“É o próprio índio ou caboclo que toca fogo”, disse o presidente, no domingo (29), quando responsabilizou também o hábito de fazendeiros de acenderem fogueiras de São João por levarem os satélites a identificarem focos de calor na região.
“Os indígenas não têm nenhum interesse em atear fogo na mata, nos seus territórios, porque eles sabem que o fogo, além de destruir a mata, destrói toda a biodiversidade, destrói os animais, destrói a sua sobrevivência, destrói a sua cultura. Eles não têm interesse nenhum. E isso já foi comprovado pela Polícia Federal, pelo Ibama, pelo ICMBio”, afirmou o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, em entrevista à Sputnik Brasil.
Segundo ele, os próprios órgãos do governo já constataram que os incêndios são provocados principalmente por agropecuaristas, madeireiros, garimpeiros e outros grupos que exploram a floresta amazônica.
Para ele, quando “o presidente fala esse tipo de mentira, ele está querendo tirar o verdadeiro foco do problema, que é a sua irresponsabilidade no trato da questão ambiental e no trato com a vida e o bem-estar de toda a população brasileira”.
“O presidente da República quer o contrário, ele quer botar fogo. E ele utiliza, muitas vezes, os artifícios para tirar de foco os verdadeiros problemas que o seu governo tem causado”, afirma Antonio Eduardo, citando a flexibilização das normas de exportação de madeira e a falta de aplicação de multas por crimes ambientais implementadas pelo governo.
Também em entrevista à Sputnik, a antropóloga Elaine Moreira, professora do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília e coordenadora do Observatório de Direitos e Políticas Indigenistas da instituição, fala sobre o uso do fogo para manejo pelas comunidades indígenas.
Ela explica que isso é feito de uma maneira muito consciente e responsável pelas comunidades indígenas.
“É toda uma tecnologia comprovadamente reconhecida por bibliografia científica da importância dela, inclusive do manejo florestal. De certa forma, a floresta, hoje, está em pé por essa tecnologia também do uso do fogo”, afirma.
A antropóloga afirma também que querer responsabilizar as tradicionais fogueiras de festas juninas por confundir os dados de monitoramento, feitos com tecnologias tão sofisticadas, não tem cabimento.
“Vamos deixar de lado as nossas tradições de festas juninas, pois não são elas as responsáveis pelos danos que nós vimos e na proporção que vimos sobretudo neste ano”.