O repórter-cinematográfico Marcos Andrade, da Jovem Pan, afirmou que a equipe de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) pediu sua demissão à emissora após a divulgação de um áudio em que um dos integrantes da campanha o pressiona para apagar um vídeo. Ele foi o único a flagrar os momentos mais tensos do episódio, e revelou ao jornal ‘Folha de S.Paulo’ que havia pessoas à paisana atirando após rajadas supostamente disparadas por criminosos.
A campanha do candidato bolsonarista ao governo de São Paulo nega.
Andrade, que tem experiência em coberturas difíceis e em áreas de conflito, disse que “houve comunicação da equipe [do Tarcísio] com a empresa [Jovem Pan] cobrando uma postura da empresa de desligamento”.
A organização, no entanto, ainda não teria tomado uma posição sobre o pedido, mas solicitou que profissional gravasse um vídeo para campanha do candidato.
Andrade contou que, no dia do ocorrido, foi levado até o escritório da campanha do bolsonarista. Lá um homem que foi identificado pelo site Intercept Brasil como Fabrício Cardoso de Paiva, um agente licenciado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), perguntou sobre o tiroteio e sobre o que havia sido filmado, e mandou o profissional apagar as imagens, que flagraram membros da equipe. Desconfiado, ele gravou a conversa.
“Ficou uma dúvida, e na dúvida grava. Eu não estou com a câmera na mão. Peguei meu celular e fui gravando áudio com celular na mão”, disse. “Eu achei muito estranho, eu não faria em momento algum por questão da profissão mesmo. Eu não apaguei isso” [as imagens já haviam sido enviadas à emissora]. relatou.
“A conversa foi de pé de orelha… Minha opinião [sobre o motivo da ordem] é que alguém que estava lá não devia estar. É isso”, afirmou Andrade.
O profissional agora teme pela segurança da sua família. “Estou assustado, porque você não sabe com quem está lidando. Medo não por mim, mas pela minha família”, lamentou.
INDÍCIOS DE EXECUÇÃO
De acordo com o grupo Tortura Nunca Mais há hipótese de que a morte de Felipe Silva de Lima, 27 anos, morto em Paraisópolis, enquanto o candidato Tarcísio de Freitas estava em campanha no bairro, tenha sido na verdade uma execução.
A divulgação do áudio de Andrade motivou um pedido de esclarecimento junto à Ouvidoria das Polícias de São Paulo. No documento, enviado no final desta terça-feira (25), o movimento afirma que após uma semana do episódio, pouco foi divulgado sobre o andamento das investigações.
Segundo Ariel de Castro Alves, presidente do ‘Tortura Nunca Mais’, falta transparência por parte da Polícia Civil sobre o que ocorreu no dia da visita do candidato ao local.
“A Polícia Civil já teria condições de ter esclarecido. Na verdade, parece que ocorreu uma execução, sem confronto nenhum, de um jovem que, junto com um outro, passava pelo local. Diante da execução [a polícia] teria criado um factoide de intimidação ou atentado ao candidato. Está parecendo ter sido uma grande farsa”, afirma Ariel.
O grupo ‘Tortura Nunca Mais’ argumenta que a polícia não esclareceu até agora se o rapaz morto estava armado ou não. As imagens que foram feitas por policiais de dentro de um carro e divulgadas nesta semana mostram duas pessoas numa moto, o corpo no chão e não é possível ver arma.
“O que precisa se esclarecer é se foi planejado antes pela coordenação de campanha que foram na comunidade que qualquer suspeito que aparecesse, deveriam atirar contra, para apresentarem uma versão de atentado contra o candidato, ou se foi uma execução cometida por policiais. O que temos até agora é um crime comum. O homicídio do rapaz, sem confronto e desarmado. E o crime político, da tentativa de criar uma farsa de um atentado inexistente”, diz o presidente do Tortura Nunca Mais.
FORA DE CONTEXTO
A campanha de Tarcísio de Freitas nega a hipótese e se defende dizendo que o áudio foi retirado de contexto, mas não se pronuncia sobre a morte do rapaz. Segundo a assessoria do candidato, estão tentando se aproveitar eleitoralmente da situação.
“Em nome da campanha de Tarcísio, destacamos que toda a equipe da campanha e do instituto passaram por um episódio traumático, no qual tiveram as suas vidas em risco. O uso desrespeitoso de parte da imprensa e da campanha de Fernando Haddad (PT) sobre esse episódio é algo que extrapola qualquer limite referente a posicionamentos políticos e à própria disputa eleitoral”.
Segundo a versão do bolsonarista, “o cinegrafista, bem como outros jornalistas que estavam em situação de risco, foram colocados na van da equipe de Tarcísio para garantir a sua segurança na saída do local. Nesse momento, foi pedido que não fossem feitas imagens internas do carro e nem na chegada da base de trabalho da equipe para que ninguém fosse exposto dada a gravidade do ocorrido”, afirma a equipe de comunicação do candidato.
A Ouvidoria das Polícias de São Paulo afirmou, por meio de nota, que recebeu o pedido do Tortura Nunca Mais e vai pedir a Polícia Civil as conclusões sobre o caso. “O Ouvidor das Polícias de São Paulo, requisitou à Corregedoria da Polícia Militar e ao DHPP – Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa, informações detalhadas das investigações em curso, como os laudos oficiais, relatórios com as conclusões das investigações e cópias de possíveis imagens captadas através de COPs- Câmeras Acopladas aos policiais, caso tenham sido utilizadas nessa ação e outras imagens que possam ter sido captadas no local“, afirma o comunicado.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que não descarta qualquer informação sobre o caso de Paraisópolis.
“A Corregedoria da Polícia Militar e o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil, investigam os fatos e todas as circunstâncias havidas no local para cabal esclarecimento, não desprezando qualquer informação ou dados que possam contribuir para elucidação das questões de ordem penal ou administrativa”, diz a nota da SSP.