O charivari surgido, aparentemente, após a declaração de Ciro Gomes, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, de que “hoje eu estou seguro que o Lula conspirou pelo impeachment da Dilma”, merece algumas considerações.
É verdade que a base apresentada por Ciro, para fazer essa declaração, é frágil: “Eu atuei contra o impeachment e quem fez o golpe foi o Senado Federal. Quem presidiu o Senado? Renan Calheiros (do MDB). Quem liderou o MDB nessa investida? O (ex-senador) Eunício Oliveira. Com quem o Lula está hoje?”.
Acontece que é notório – e foi mais do que visível – o esforço que Lula fez para ser nomeado ministro-chefe do Gabinete Civil de Dilma, com o objetivo de negociar com o parlamento, e, assim, salvar a presidenta que havia eleito duas vezes.
O plano somente não deu certo porque o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), emitiu uma sentença proibindo Lula de assumir o Gabinete Civil de Dilma – a mesma sentença que acabou por levar Lula, sem o foro privilegiado que lhe garantiria o Ministério, à cadeia.
Assim, Ciro não tem razão no que diz sobre a atuação de Lula quanto ao impeachment de Dilma.
Mas isso não quer dizer que o comportamento atual de Lula seja exemplar.
Vamos rememorar rapidamente os fatos.
No último dia 2 de outubro, na manifestação contra Bolsonaro em São Paulo, Ciro Gomes foi vaiado por lulistas do Partido da Causa Operária (PCO), e, quando saía do ato, foi atacado por elementos que vestiam camisas da Cut e do PT.
Apesar disso, Ciro declarou que essas manifestações de hostilidade eram “irrelevantes, principalmente nessa gravíssima hora que o Brasil está pedindo da gente serenidade, equilíbrio e foco”. Apesar de ressaltar que “as minhas divergências com o PT são, a cada dia, mais profundas e insuperáveis”, Ciro propôs “uma amplíssima trégua de Natal. Quando o assunto for Bolsonaro e impeachment, a gente deve esquecer tudo e convergir para esse raríssimo consenso, que já não é fácil, é muito difícil” (v. HP 04/10/2021, Ciro minimiza agressões e defende uma “grande união contra Bolsonaro”).
Essa proposta de trégua foi recebida com arrogância por alguns próceres petistas – todos próximos a Lula.
Porém, o pior foi o próprio Lula, que, em entrevista coletiva em Brasília, no último dia 8 de outubro, praticamente endossou os ataques a Ciro na manifestação do dia 2, declarando: “O Ciro deve saber o que falou para mexer com aquelas pessoas. Ele deve ter falado algo que as pessoas não gostaram”.
Em vez de condenar as vaias – e a agressão – a Ciro, segundo Lula, o problema é que Ciro falou algo que as “pessoas” (todas, por coincidência, seus apoiadores) não gostaram.
É claro que bastaria uma condenação verdadeira – isto é, enérgica – de Lula, para que esse clima, com esses ataques, terminasse. Mas ele preferiu outro caminho, o de respaldar os ataques, apontando Ciro como responsável por eles.
Ciro não respondeu a esse endosso de Lula.
Era melhor que o tivesse feito. Pior foi a coisa estourar como aconteceu na entrevista ao Estadão, com que iniciamos este artigo (“estou seguro que o Lula conspirou pelo impeachment da Dilma“).
Lula, imediatamente, declarou a uma rádio que “não sei se Ciro teve Covid ou não, mas me disseram que quem tem Covid tem problemas de sequelas, alguns têm problema no cérebro”.
Ao que Ciro retrucou, em nota, relatando que teve Covid, mas sem sequelas, e que “trágico mesmo seria ter uma sequela moral, como a do notório Lula”.
Paremos por aqui na rememoração dos fatos.
Dentro da frente ampla democrática contra Bolsonaro e o fascismo, é admissível o debate e a divergência – desde que sejam em torno da melhor maneira de combater (e vencer) Bolsonaro e o fascismo.
Por exemplo, não é admissível o uso de fakenews para combater um fascista que se ceva em fakenews.
Não são admissíveis, também, os ataques de que Ciro foi alvo na manifestação de 2 de outubro. Em que esses ataques ajudam a luta contra Bolsonaro? Pelo contrário, eles ajudam Bolsonaro.
Também as declarações de Ciro sobre a atuação de Lula no impeachment de Dilma não contribuem para a luta contra Bolsonaro.
Lula, obviamente, é um político com bastante experiência – duas vezes presidente da República – para saber que seu próprio comportamento, nessa questão, está servindo para aumentar a divisão.
Qual é a questão?
A questão é que, hoje, o Brasil necessita de que todos estejam contra Bolsonaro, para que a Nação sobreviva.
2022, a gente deixa para depois.
Isso serve tanto para Lula quanto para Ciro.
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