A hidroxicloroquina medicamento que compõem o chamado “kit Covid”, recomendado por Bolsonaro e seus apoiadores na prevenção ou tratamento de Covid-19, sem comprovação científica, na verdade são responsáveis pelo aumento da mortalidade, conforme aponta estudo publicado na revista “Nature”, nesta quinta-feira (15), chamado “Recovery”.
A pesquisa, assinada por 94 cientistas, analisou colaborativamente 28 ensaios clínicos publicados ou não, nos quais participaram 10.319 pacientes. A metanálise em questão foi recebida em 2 de outubro de 2020 e aceita no último 15 de março.
Com base nas pesquisas disponíveis, o estudo ainda concluiu que não há benefício do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. “Profissionais médicos ao redor do mundo são encorajados a informar pacientes sobre esta evidência”, aconselham os pesquisadores, que concluíram ainda haver maior risco no uso da hidroxicloroquina em promover mais tempo de hospitalização e de favorecer a progressão do paciente para ventilação mecânica invasiva e a óbito.
“Centenas de milhares de pacientes têm recebido HCQ e CQ fora de ensaios clínicos, sem evidência de seus efeitos benéficos. O interesse público é sem precedentes, com fraca adiantada evidência apoiando méritos da HCQ sendo amplamente discutida em mídias e redes sociais — apesar dos resultados não favoráveis por um largo ensaio clínico randomizado”, diz o estudo.
Os autores explicam que o objetivo da metanálise foi estimar os efeitos da hidroxicloroquina e cloroquina considerando as evidências dos ensaios clínicos randomizados disponíveis, publicados ou não.
“Nós descobrimos que tratamento com hidroxicloroquina é associado com aumento da mortalidade de pacientes com Covid-19, e não há benefício da cloroquina”, afirma a pesquisa, que não estabeleceu generalização para pacientes ambulatoriais, crianças, grávidas e pessoas com comorbidades.
A maioria dos 28 ensaios analisados na metanálise excluiu pessoas com comorbidades, que têm maior risco de algum evento adverso aos referidos medicamentos. Segundo os autores, a falta de estudos para estes grupos destaca como o raciocínio clínico é relutante em expô-los ao risco. Segundo os autores, a falta de estudos para estes grupos destaca como o raciocínio clínico é relutante em expô-los ao risco.
Entre cinco pesquisas em pacientes ambulatoriais analisadas, houve três mortes, duas ocorrendo em um ensaio de 491 pacientes relativamente jovens com poucas comorbidades e uma em um pequeno ensaio com 27 pacientes. Para pacientes ambulatoriais idosos ou com comorbidades, as evidências são esparsas.
“Nós consideramos todos os ensaios clínicos que reportaram alocação randomizada de pacientes confirmados com Covid-19 ou sob suspeita de infecção para um protocolo de tratamento contendo HCQ ou CQ, para qualquer duração ou dose, ou o mesmo protocolo de tratamento sem conter HCQ ou CQ. Em outras palavras, o grupo de controle teve que receber placebo ou nenhum tratamento além do padrão de atendimento”, diz o estudo.
“Para a hidroxicloroquina, a evidência é controlada pelo ensaio Recovery, que indicou não haver benefício na mortalidade para tratamento de pacientes com Covid-19, junto com maior risco de hospitalização mais longa e de progressão para ventilação mecânica invasiva e/ou morte. Semelhantemente, o ensaio de Who Solidarity indicou não haver benefício na mortalidade”, aponta o estudo.
“Os estudos usaram hidroxicloroquina em doses comparativamente mais altas do que todos os outros estudos, exceto ‘Remap-cap’. Não houve evidência de uma modificação de efeito por dose, e o efeito combinado de todos os ensaios com dose mais baixa não indicou um benefício de hidroxicloroquina, mas tendeu a um efeito nulo. Esta meta-análise não aborda o uso profilático nem outros resultados além da mortalidade”.
NEBULIZAÇÃO
O que foi levantado pela metanálise se evidencia no Brasil.
Dentre as vítimas da cloroquina está Jucicleia de Sousa Lira, de 33 anos, que morreu após a médica Michelle Chechter aplicar o procedimento como um suposto tratamento contra a Covid-19 em mães no Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu (IMDL).
Para convencer a enferma, a alegação da médica foi a de que o uso da cloroquina tinha o apoio do presidente Jair Bolsonaro e, assim, seria um tratamento eficaz. O falso tratamento custou a vida de Jucicleia.
No Rio Grande do Sul, um homem de 69 morreu na cidade de Alecrim, no Rio Grande do Sul, após receber nebulização com hidroxicloroquina. Lourenço Pereira estava com Covid-19 e teve o tratamento prescrito pelo médico Paulo Gilberto Dorneles.
O caso aconteceu em março. Lourenço realizou quatro sessões de nebulização com hidroxicloroquina diluída, apesar de a família do paciente não ter autorizado o uso do medicamento.
Três pacientes com Covid-19 medicados com hidroxicloroquina inalável morreram em Camaquã, no Rio Grande do Sul, entre 22 e 24 de março. O experimento também foi feito por meio da nebulização da droga diluída em soro fisiológico.
O Hospital Nossa Senhora Aparecida, onde os pacientes estavam internados, ainda não confirma que as mortes têm conexão direta com o tratamento alternativo. No entanto, os enfermos, que tinham estados clínicos graves e estáveis, morreram após o início da nebulização.