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“Os americanos anunciaram que ‘levaríamos você para a América conosco’. Se fosse anunciado agora em qualquer país do mundo, as pessoas não iriam?”, questionou o porta-voz Mohamad Naeem.
Segue dramática a situação no aeroporto de Cabul, uma semana após a queda da capital afegã para os talibãs sem disparar um tiro e fuga do presidente Ghani.
São mais de 20 mil pessoas dentro e ao redor da instalação segundo a CNN, que tentam embarcar em voos de evacuação e com o saldo de mortos pisoteados ou atingidos por tiros passando de 20, após os sete de sábado.
A CNN admitiu que “um dos motivos do caos” foi a decisão do Departamento de Estado, encaminhada pela embaixada em Cabul, “de emitir vistos eletrônicos” para requerentes de Visto Especial de Imigrantes – destinados aos colaboracionistas selecionados -, mas que foi feito “sem nome ou número de documentos”. O que acarretou que fossem copiados, por toda a parte, como captura de tela e “enviados por afegãos a milhares de outros afegãos que não tinham acesso ao aeroporto”, segundo uma fonte explicou à CNN.
O Talibã responsabilizou no domingo os norte-americanos pela evacuação caótica, assinalando que “o Afeganistão inteiro está seguro, mas o aeroporto, que é administrado pelos americanos, virou uma anarquia”. O porta-voz Amir Khan Motaqui acrescentou que os EUA “não deveriam passar por essa vergonha” e não deveriam estar passando ao povo afegão essa “mentalidade de que [o Talibã] é uma espécie de inimigo”.
Falando a um canal de televisão estatal iraniano na noite de sábado, outro dirigente do Talibã, Mohammad Naeem, “também culpou os americanos pelas mortes no aeroporto”, registrou a CNN.
“Os americanos anunciaram que ‘levaríamos você para a América conosco’, e as pessoas se reuniram no aeroporto de Cabul”, disse Naeem. “Se fosse anunciado agora em qualquer país do mundo, as pessoas não iriam?”.
CAOS NO AEROPORTO
Parece que os EUA estão mostrando, na evacuação de tropas, funcionários e colaboracionistas, a mesma eficácia e show de gestão que revelaram no enfrentamento da pandemia. “As condições pioraram ao longo do domingo, com os portões de entrada do aeroporto em sua maior parte fechados e casos de famílias sendo divididas e enviadas para diferentes países no caos”, destacou a CNN, que ouviu uma “fonte próxima”.
“Não sei o que eles estavam fazendo, mas ainda há funcionários locais lutando nos portões e nem mesmo conseguindo entrar”, disse essa fonte, referindo-se a afegãos empregados pelos EUA. Famílias estavam sendo separadas na hora do embarque. “Há casos em que a mãe, o pai e os filhos acabaram em países diferentes”, disse a fonte.
Isso “não foi intencional e não foi realmente culpa das autoridades americanas, mas elas optaram por entrar separadamente ou se separaram no caminho”, acrescentou a CNN.
Em meio à deterioração da situação, dois oficiais de defesa dos EUA descreveram à CNN o esforço militar para estabelecer “rotas alternativas” para as pessoas chegarem ao aeroporto de Cabul e seus portões de acesso, com um dizendo que essas novas rotas estarão disponíveis para americanos, cidadãos de terceiros países e afegãos qualificados. Há o temor de que a multidão se torne alvo de extremistas do Estado Islâmico.
Pelo menos 38 mil pessoas, incluindo afegãos e estrangeiros, foram evacuadas do Afeganistão desde que o Talibã iniciou seu avanço em Cabul, segundo dados analisados pela CNN no sábado. O presidente Biden asseverou na sexta-feira que os EUA estão realizando “um dos maiores e mais difíceis evacuações aéreas da história”, admitindo que a situação continua “perigosa” apesar da presença de milhares de soldados americanos no aeroporto de Cabul.
Na Base Aérea dos Estados Unidos de Ramstein, no sudoeste da Alemanha, voos de evacuados chegavam aproximadamente a cada 90 minutos durante o fim de semana. O exército dos EUA esperava evacuar de 5.000 a 9.000 pessoas por dia, mas até agora não atingiu essa meta.
“GOVERNO INCLUSIVO”
O Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse na sexta-feira que o futuro do Afeganistão deve ser decidido pelo povo afegão e que todas as partes devem respeitar sua escolha, acrescentando que é necessário que a comunidade internacional ajude a que seja alcançado ali um governo inclusivo. A declaração foi feita durante conversa por telefone com o ministro das Relações Exteriores da Itália, Luigi Di Maio.
Wang disse que o consenso da comunidade internacional é construir um sistema político “aberto e inclusivo” no Afeganistão, buscar políticas internas e externas moderadas e constantes e cortar completamente os laços com todas as organizações terroristas.
O chefe da diplomacia chinesa alertou que a imposição de sanções e a criação de dificuldades econômicas não resolverão os problemas que o Afeganistão tem pela frente e, ao contrário, podem sair pela culatra.
Ele convocou a valorizar os recentes sinais positivos dados pelo Talibã afegão, encorajar o grupo a mudar e se ajustar a uma força política moderna, que beneficiará o povo afegão, bem como a estabilidade regional, e assim, também reduzirá a possibilidade de fluxo de refugiados e migrantes, o que é crucial para a Europa, incluindo a Itália.
Wang disse que uma nova página foi aberta na história do Afeganistão, e a história acabará por tirar uma conclusão justa sobre o que aconteceu no passado, acrescentando que a imposição forçada de certos valores a outras nações e civilizações é difícil de alcançar, como antes comprovado no passado e assim permanecerá no futuro.
“Ouvir palavras e ver as ações”, disse Wang, expressando esperança de que a situação no Afeganistão continue na direção certa.
Por sua vez, o embaixador da Rússia no Afeganistão, Dmitry Zhirnov, disse à Reuters que a situação de segurança em Cabul estava melhor do que antes do Talibã assumir o controle e acrescentou que o clima na capital “pode ser descrito como de esperança cautelosa”.
“Houve um mau regime que desapareceu e as pessoas estão esperançosas. Eles dizem que não pode ser pior, por isso deve ser melhor. Mas este é um outro teste para o Talibã passar. Depois que eles restaurarem a ordem, eles devem começar a melhorar a situação socioeconômica”, apontou.
Para a Rússia, que já declarou não estar com pressa sobre a formalização do reconhecimento do novo governo em Cabul, o essencial é a preservação do Estado afegão, evitando o desmanche visto em outros países que sofreram ocupação, a constituição de um governo inclusivo e que se evite que o país se torne uma plataforma de extremistas que ameacem as nações vizinhas. Rússia, China, Irã e Paquistão, ao contrário dos países ocidentais, vêm mantendo suas embaixadas em funcionamento no Afeganistão.