Bilionário quer “reabrir” sem infectologistas dando palpites e atrapalhando a campanha da reeleição
O presidente Donald Trump confirmou na terça-feira (5) que a força-tarefa de combate ao coronavírus da Casa Branca seria encerrada até junho, e substituída por algo “diferente” na “Fase 2” contra a pandemia. De acordo com o presidente bilionário, seria hora de se concentrar na segurança e em “reabrir o país”.
O anúncio levou um repórter a indagar do presidente se era uma boa ideia dar fim à força-tarefa quando o vírus seguia se espalhando pelo país.
“Acho que estamos olhando para a Fase 2, e estamos olhando para outras fases”, tentou justificar Trump, o recordista mundial de mortes pela Covid-19, 72 mil, e de contágios, 1,2 milhão.
“Estamos trazendo nosso país de volta”, asseverou o presidente bilionário, como se a ameaça da segunda e pior onda da pandemia não existisse, apesar dos repetidos alertas exatamente dos especialistas que ele quer dispensar.
A declaração foi feita durante sua visita – sem máscara facial – à fábrica da Honeywell, no Arizona, que foi redirecionada para produzir máscaras de proteção N95.
Embora a taxa de novas infecções e o total de mortos venha caindo em Nova Iorque, segue aumentando em grande parte do resto dos EUA e a tendência é acelerar à medida que o distanciamento social vai sendo desmantelado às carreiras.
DISPERSÃO
Como registrou o New York Times, apesar de Trump costumar passar por cima da força-tarefa, e de os critérios que esta definiu para a reabertura terem sido atropelados por vários estados, era a coisa mais próxima de que a Casa Branca dispunha para executar uma resposta centralizada à pandemia.
O vice-presidente Mike Pence deu a entender que a ideia em Washington é dispersar pelas agências já existentes o combate à pandemia daqui em diante.
Ou seja, tirar do caminho os especialistas, que alertam contra o risco de uma retomada açodada resultar em um repique da pandemia e um retorno forçado à quarentena, em um quadro econômico ainda mais frágil.
Questão exposta sem firulas pelo infectologista da Universidade Johns Hopkins, Dr. Larry Chang: a definição por reabrir a economia “é claramente uma decisão do tipo vida ou morte. Se dá errado, muita gente vai morrer. É simples assim”.
“QUANTO SOFRIMENTO”
O principal infectologista dos EUA, Dr. Anthony Fauci, tem repetidamente dito que sem a observância da política de mitigação do contágio, é quase inevitável a volta da pandemia em uma segunda onda, no outono/inverno.
Ele advertiu os governadores, para quem Trump terceirizou as responsabilidades, para não atrapalhar sua campanha de reeleição, que eles devem decidir sobre “quanto sofrimento estão dispostos a suportar”.
Há duas semanas, Trump chegara a retuitar a postagem de uma ativista republicana convocando a demitir Fauci, expressando todo seu incômodo com os alertas do infectologista.
Agora, Trump acaba de atualizar sua previsão de mortos de 60 mil para 100 mil, na hora em que empurra o país para reabrir de qualquer jeito.
“ISSO, SE TIVER MITIGAÇÃO PLENA”
Como a Dra. Deborah Birx, atual coordenadora da força-tarefa em vias de extinção, enfatizou, “nossas projeções sempre foram entre 100 mil e 240 mil vidas norte-americanas perdidas”. E isso – acrescentou – “com mitigação plena e cada um de nós aprendendo com o outro como manter o distanciamento social”.
Foi Birx quem, há pouco, sobreviveu, ao vivo, à “sugestão” de Trump para eliminar a Covid-19 (e o paciente) injetando água sanitária ou álcool isopropílico nos pulmões.
No lugar dos especialistas médicos, já está em ação uma força-tarefa paralela, encabeçada pelo genro e negocista Jared Kushner, dedicada a passar por cima de quaisquer escrúpulos quanto ao distanciamento social, agora que o pacote de resgate de Wall Street já foi aprovado em março.
DO OUTRO LADO
Kushner, na semana passada disse à Fox que “estamos do outro lado do aspecto médico disso e acredito que alcançamos todos os marcos importantes que são necessários. Então o governo federal aceitou o desafio, e esta é uma grande história de sucesso, e acho que essa é realmente a história para contar”.
Também foi Trump que insuflou os fanáticos a irem às ruas para sabotarem a quarentena e pressionarem os governadores e prefeitos que estavam atuando de uma forma séria.
Em metade dos estados, apesar de em nenhum ter sido cumprida a orientação de novos casos em queda por 14 dias para começar a sair do distanciamento social, os governadores já correram para abrir de estúdios de tatuagem a boliches.
No Mississipi, o governador chegou a anunciar na sexta-feira a suspensão do “abre geral”, em razão do número de casos ter disparado após o fim do confinamento, mas no domingo já estava dizendo que era só um ponto fora da curva.
Diante do debate na sociedade norte-americana sobre a pífia resposta de Trump diante da pandemia, a Casa Branca buscou blindar o presidente e bloqueou os epidemiologistas da força-tarefa de testemunharem perante o Congresso.
Ao fracassar em testar ou rastrear contatos para descobrir onde está o vírus e isolar e tratar todos os doentes, o governo Trump, ao ordenar que todos retornem aos escritórios, lojas e fábricas, está condenando a maioria da população a se expor a um vírus para o qual não há vacina nem tratamento.
Para minimizar sua ‘roleta ianque’, a cada hora Trump faz alarde de uma solução milagrosa para a pandemia. Depois de ter posto de lado o diagnóstico de “gripe comum”, Trump, que já prescreveu cloroquina e injeção de água sanitária no pulmão do doente, passou a asseverar que vai ter vacina “em meses”.
“VÃO MATAR A AVÓ”
A Dra. Birx se disse “devastadoramente preocupada” com o desrespeito das normas de distanciamento de parte dos manifestantes – aqueles fanáticos e desavisados aos quais Trump chamou de “gente muito boa”. O problema seriam os governadores, “que teriam ido longe demais”.
“É devastadoramente preocupante para mim, pessoalmente, porque se eles forem para casa e infectarem sua avó ou seu avô que tenha uma condição de co-morbidade e este tenha um [caso] sério ou muito sério – ou um desfecho desafortunado -, eles se sentirão culpados pelo resto da vida”, concluiu.