O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, votou contra a liberação de cultos religiosos e missas presenciais durante períodos de quarentena. Mendes, que é relator do caso, foi o único a votar antes da sessão ser interrompida para ser retomada nesta quinta-feira (8).
Para ele, “é grave” a tentativa do governo Bolsonaro de sabotar a quarentena determinada pelos Estados e municípios enquanto o governo federal não faz nada.
“É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais”, sentenciou.
“O Estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os estados e os municípios”, disse.
No começo da sessão, o advogado-geral da União, André Mendonça, defendeu a tese bolsonarista de que impedir a realização de cultos e missas viola a liberdade religiosa. Mendonça disse que os “os verdadeiros cristãos estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”.
Gilmar Mendes disse que André Mendonça parece ter chegado de uma “viagem a Marte e que estava descolado de qualquer responsabilidade institucional”.
“Parece que está havendo um certo delírio. É preciso que cada um de nós assuma sua responsabilidade. Às vezes, o poço parece que não tem fundo”.
O relator respondeu a “argumentação” de André Mendonça dizendo que a Constituição não garante “um direito fundamental à morte”.
“Ainda que qualquer vocação íntima possa levar à escolha individual de entregar a vida pela sua religião, a Constituição de 88 não parece tutelar um direito fundamental à morte”, argumentou o ministro.
“A essa sutil forma de erodir a normatividade constitucional deve-se mostrar cada vez mais atento este STF, tanto mais se o abuso do direito de ação vier sob as vestes farisaicas, tomando o nome de Deus para se sustentar o direito à morte”, continuou.
Mendes destacou que todas os setores da sociedade devem se concentrar no combate ao coronavírus e que as igrejas não podem se abster disso.
A pandemia é “uma tragédia cujo enfrentamento requer decisiva colaboração de todos os entes e cujas consequências administrativas são sentidas de modo mais intenso pelos pequenos Estados”, asseverou.
Segundo o magistrado, a tese de que as igrejas devem continuar aglomerando durante a pandemia só poderia ser defendida por aqueles que tem “uma postura negacionista, uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o país e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este tribunal durante a crise sanitária que se coloca”.
“Não há como articular as restrições impostas com o argumento de violação ao dever de laicidade. Também não comove a tentativa de atrelar excessividade à medida”, afirmou.
O ministro do STF criticou, ainda, a “agenda política negacionista, que se revela, em toda a dimensão contrária à fraternidade tão ínsita ao exercício da religiosidade”.
Na visão de Gilmar Mendes, o Brasil se tornou um “pária internacional” por conta do péssimo combate ao coronavírus feito pelo governo Bolsonaro. “Diante desse cenário, faz-se impensável invocar qualquer dever de proteção do Estado que implique a negação à proteção coletiva da saúde”.
Nada impede que os cultos religiosos possam ser realizados temporariamente de forma remota ou pela televisão como vêm sendo feitos. O que se quer é afrontar as medidas de proteção à vida e de combate ao coronavírus decretadas por governadores e prefeitos.
FUX NEGOU TESE BOLSONARISTA
O presidente do STF, Luiz Fux, também rejeitou e disse “repugnar” a argumentação de um dos advogados favoráveis aos cultos presenciais, que manipulou uma frase de Jesus no Evangelho de Lucas, abusando dela para defender as aglomerações presenciais nas igrejas: “Perdoai-os, Senhor, eles não sabem o que fazem”.
“Essa misericórdia divina é solicitada aos que se omitem diante dos males”, rebateu Fux, respondendo ao advogado Luiz Gustavo Pereira da Cunha, do PTB. “O STF, ao revés, não se omitiu, foi pronto e célere numa demanda que se iniciou há poucos dias. Essa é uma matéria que nos impõe uma escolha trágica e temos responsabilidade suficiente para enfrentá-la”, prosseguiu.
“Nossa missão de juízes constitucionais, além de guardar a Constituição, é de lutar pela vida e pela esperança, e foi com essa prontidão que a Corte se revelou, na medida em que estamos vigilantes na defesa da humanidade”, acrescentou.
O caso veio parar no plenário do STF após o ministro Gilmar Mendes conceder uma liminar, em caráter provisório, em sentido oposto à decisão de Kássio Nunes, que manteve os efeitos do decreto do governo de São Paulo que proíbe celebrações religiosas presenciais no Estado, diante do aumento expressivo dos casos e mortes pela Covid-19.
Com as decisões conflitantes entre a sua decisão e a de Nunes Marques, que liberou os cultos, caberá ao plenário do Supremo dar a palavra final sobre a liberação, ou não, dos cultos e missas durante a pandemia.
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