A prisão de Maxwell Simões Correia, parceiro de Ronnie Lessa – o vizinho de Bolsonaro, membro do “Escritório do Crime”, que assassinou a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes – revela um pouco mais das entranhas do esquema das “milícias” no Rio.
Exatamente por isso, revela, também, o caldo de cultura, o meio, em que a família Bolsonaro & sequazes se cevaram – e se conservam.
Correia, conhecido pelo apelido de “Suel”, foi preso em casa – um quase palacete de três andares, piscina, etc., etc., no Recreio dos Bandeirantes, avaliado em, no mínimo, R$ 1 milhão e 900 mil.
Na garagem dessa casa, disse uma das promotoras do Ministério Público do Rio de Janeiro, Correia tinha uma lancha.
Em frente à casa, estava um de seus carros, um BMW X6, no valor de R$ 170 mil.
A mobília da casa era, também, suntuosa.
Entretanto, Correia é sargento do Corpo de Bombeiros, com um salário bruto de R$ 6 mil. Com os descontos, Correia recebe, líquido, um pouco menos que R$ 4,8 mil.
Parece óbvia a constatação do delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP): “Ele [Correia] não tem renda compatível para os bens que tem”.
Ou seja, Maxwell Simões Correia tem renda ilegal, aufere recursos ilícitos, recursos de origem criminosa. A outra hipótese é a de que seja mágico.
Porém, o espantoso é a nenhuma preocupação demonstrada em esconder esses sinais ostensivos de riqueza ilegal. Quando a polícia civil do Rio bateu em sua casa, na manhã de quarta-feira, Correia dormia a sono solto – e não se pode dizer que era o sono dos justos, mas o daqueles que parecem seguros de sua impunidade.
A questão correlata é: ninguém, antes da atual operação, notou algo errado no modo como vivia o sargento?
Correia, informa nota do Corpo de Bombeiros, está na corporação há 22 anos, servindo, no momento, no Grupamento de Busca e Salvamento, na Barra da Tijuca. Segundo a mesma nota, o Corpo de Bombeiros do Rio espera informações sobre o processo do Ministério Público do Rio, para abrir investigação interna sobre Correia.
O INCIDENTE
Entretanto, a ligação de Maxwell Simões Correia com Ronnie Lessa era pública.
Assim como seus pontos de contato, ambos morando em propriedades muito acima do que permitiria sua renda oficial – no caso de Lessa, no mesmo condomínio que Jair Bolsonaro, aliás, na mesma rua.
No dia 28 de abril de 2018 – um mês e meio depois do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes -, Ronnie Lessa e Maxwell Correia foram os alvos de um atentado, depois registrado como assalto.
Os dois entravam no restaurante Varandas, no Quebra-Mar da Barra da Tijuca, quando um certo Alessandro Carvalho Neves, de 24 anos, um assaltante conhecido em São Paulo, mas sem nenhum registro policial no Rio, atirou em Lessa, que levou uma bala no pescoço, e em Maxwell, que foi atingido no braço por outra bala.
Porém, o atacante levou uma bala nas costas, disparada pela arma do sargento do Corpo de Bombeiros que foi preso na quarta-feira.
Mesmo assim, Alessandro fugiu. Foi preso, horas depois, quando deu entrada no Hospital Miguel Couto, na zona sul do Rio.
A história contada por Ronnie Lessa e Maxwell Correia foi que o objetivo de Alessandro Carvalho Neves era roubar o relógio de ouro que Ronnie Lessa trazia no pulso.
Para isso, o assaltante paulista percorreu a Barra da Tijuca em uma moto Honda Titan, estacionou perto do restaurante em que Lessa iria almoçar, e, quando este chegou, atacou-o – e para matar, como escreveu, em sua sentença, o juiz que o condenou por esse crime: “Inegável que o réu efetuou o disparo de arma de fogo contra as vítimas Ronnie e Maxwell com a nítida intenção de matar, posto que as alvejou em área vital” (juiz Roberto Brandão, 31ª Vara Criminal do Rio).
Esse quase assassino de Ronnie Lessa e Maxwell Correia morava em Taboão da Serra, São Paulo. Tinha uma folha corrida alentada, apesar da pouca idade, mas toda ela em São Paulo.
De repente, apareceu pilotando uma moto no Rio, e, entre tantos alvos naquela cidade, escolheu um membro do Escritório do Crime, ex-sargento do Bope, vizinho de Bolsonaro, assassino de Marielle Franco, com um parceiro, sargento do Corpo de Bombeiros, que agiu como guarda-costas.
Como diz aquele cômico, só falta ser coincidência…
Porém, o mais esquisito vem em seguida:
“A cena do crime não foi periciada. Não se sabe onde estão o revólver e a moto que Alessandro usou no assalto. O MP-RJ e a defesa pediram perícia no único projétil encontrado no local, mas o material nunca chegou ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli, como atestam e-mails enviados por peritos que constam no processo” (v. a reportagem de Flávio Costa, Assalto a Lessa: as lacunas de uma possível tentativa de queima de arquivo, UOL, 11/12/2019).
A questão é óbvia: se não foi um assalto, a quem interessava eliminar o assassino de Marielle Franco e Anderson Gomes, um mês e meio após o crime?
A PRISÃO
Maxwell Simões Corrêa foi preso na quarta-feira (10/06) por obstrução da Justiça – ou seja, por ter participado do sumiço das armas de Ronnie Lessa que foram atiradas no mar.
Não se sabe se, entre essas armas, estava aquela que foi usada para assassinar a vereadora Marielle e seu motorista.
Mas é evidente que Ronnie Lessa, Maxwell Correia e sua quadrilha não se livraram dessas armas porque elas eram perfeitamente legais.
“A participação dele”, disse o delegado Daniel Rosa, responsável pela operação Submersus II, que prendeu Correia, “foi ele ter cedido, ter sido o possuidor, o proprietário do automóvel em que foi feito o transbordo dessas armas. Eles retiraram as armas da casa de Ronnie Lessa, passaram para esse automóvel, que ficou localizado dentro de um mercado aqui da Barra da Tijuca, e horas após eles fizeram o transporte dessas caixas, com ao menos seis fuzis, ao mar da barra da Tijuca, onde eles contrataram esse barqueiro, foram até as ilhas e lá eles dispensaram todo esse material bélico. Foi um crime muito grave, uma vez que esses fuzis, se fossem recuperados, eles seriam submetidos a confronto balístico, e certamente a gente desvendaria outros crimes ali, pelo uso daquelas armas, inclusive porque um dos fuzis estava com bandoleira, para quem não sabe, a bandoleira é aquele acessório que o atirador usa para colocar o fuzil no pescoço. Isso denota que eram fuzis que estavam para pronto emprego, seriam usados, ou teriam sido usados anteriormente”.
O carro de Maxwell usado para descartar as armas era um Dodge Journey, que ainda estava em nome da ex-proprietária: Elaine Lessa, mulher de Ronnie Lessa.
A COMEMORAÇÃO
Correia tem um álibi para o dia do assassinato de Marielle: estaria em Botafogo e somente chegou ao Bar Resenha Grill, na Barra da Tijuca, com sua esposa, às 20h30min ou 21h.
No mesmo bar estavam Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, que para lá foram logo após o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. A presença dos dois assassinos no Resenha Grill foi registrada pelas antenas que captaram seus celulares, a partir das 22h30min.
Ronnie Lessa saiu de lá por volta das 3h – seu carro foi filmado, por uma câmara de segurança, a caminho de casa.
Entretanto, Maxwell Correia e a esposa disseram à polícia que não se encontraram com Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. O que, segundo disseram policiais, é impossível, devido ao tamanho do bar.
Segundo Correia, ele e a esposa foram ao bar para assistir à partida do Flamengo com o Emelec, do Equador.
Testemunhas – segundo, também, policiais – viram Lessa, Queiroz e Correia comemorando algo no bar.
Em seu depoimento, Correia disse que levou a esposa em casa e voltou ao bar, pois não terminara uma garrafa de uísque que abrira.
A questão para a polícia é: o que estavam fazendo tantos suspeitos de assassinar – ou participar da conspiração para assassinar – Marielle, logo depois do assassinato, no mesmo bar?
(C.L.)
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