O Congresso do Peru aprovou nesta segunda-feira por “permanente incapacidade moral” a destituição do presidente Martín Vizcarra, no final de seu segundo julgamento de impeachment em menos de dois meses.
Com 105 votos a favor, 19 contra e 4 abstenções, Vizcarra foi enquadrado por um parlamento majoritariamente de direita, sob a acusação de “receber propinas” quando era governador em 2014.
Apesar da aplastrante maioria no Congresso, pesquisas recentes apontam que 75% dos peruanos defendem a continuidade do governo. Já o Congresso tem 59% de desaprovação, conforme indica levantamento da agência France Press.
A vacância da Presidência da República dá lugar ao presidente do Congresso, Manuel Merino, empresário do setor agrícola, membro do partido Ação Popular, de centro-direita, aliado do fujimorismo, ou seja, um dos herdeiros do ditador Fujimori. Merino assumiu nesta terça-feira e exercerá o cargo até o fim do mandato atual, em 28 de julho de 2021, tornando-se o terceiro presidente em quatro anos.
Sua posse deu lugar a uma onda de protestos, com a Praça San Martin, em frente ao parlamento, em Lima, completamente tomada por manifestantes que condenando a medida que denunciam como “armação” e exigindo respeito. Também houve protestos em Cuzco, Arequipa e Trujillo em defesa da democracia.
“Estou indignada com o que ocorreu no parlamento, é uma mostra de imoralidade e da sem-vergonhice”, afirmou a líder do Movimento Novo Peru, Verónika Mendoza, que dedicou na semana passada sua candidatura à presidência em abril de 2021 ao herói inca Túpac Amaru. “Vimos parlamentares encher a boca para falar de democracia, de moral e de princípios quando são eles os principais investigados por temas de corrupção. O único que lhes importa é a imunidade para escapar da Justiça, é aferrar-se ao poder”, considerou a candidata.
Segundo a professora Verónika, apesar das diferenças ideológicas e programáticas com o presidente, e de que “nas últimas semanas tenham sido feitas denúncias gravíssimas de corrupção contra Vizcarra, o sentido comum e a cidadania mesma o que demandava era que se investigasse rigorosa e profundamente as denúncias”.
“Porém, estando em plena pandemia e a cinco meses das eleições, o que cabia era que Vizcarra terminasse o seu mandato. E que cabia ao Ministério Público iniciar as investigações. Mas o fato é que a este Congresso, em que mais da metade dos parlamentares está investigado por denúncias de corrupção e de outros delitos, não cabia se pronunciar contra a própria vontade da cidadania e afastar o presidente dessa forma ilegítima”, destacou a líder oposicionista.
Para Verónika Mendoza, “estamos em um cenário grave, em que a institucionalidade, as regras do jogo, não existem mais”. “Necessitamos mudanças profundas que não poderão vir desta classe política totalmente de costas à cidadania, mas será a cidadania quem terá de organizar, mobilizar e impulsionar um processo de reconstrução do Estado e de recuperação da democracia”, enfatizou.
Para o secretário-geral do Partido Comunista do Peru Pátria Roja, Manuel Guerra, o que houve torna “necessário construir uma política de frente ampla para sair da crise em que o país se vê mergulhado”.
Para Guerra, está havendo “uma disputa entre máfias comprometidas com as corruptelas de Odebrecht, os colarinhos brancos, o clube da construção, que demagogicamente levantam as bandeiras da luta contra a corrupção”, denunciam os comunistas.
MOBILIZAÇÃO
O Partido Comunista reiterou a necessidade de “manter o povo mobilizado nas ruas, levantando as bandeiras de saúde, trabalho, pão, educação e honestidade”. “A situação do país exige a mais ampla unidade incluindo a esquerda, o progressismo, os setores democráticos e patrióticos, juntamente com as diversas expressões do movimento popular”. “Só unidos poderemos fazer as verdadeiras mudanças como exigem as grandes maiorias”, concluiu o Pátria Roja.
ODEBRECHT
O esquema que envolveu o PT no Brasil e se espraiou pela América Latina, teve no Peru um dos principais focos da corrupção destapada pela operação Lava Jato.
As investigações levaram o rastro do dinheiro até as constas bancárias e malas de dinheiro de ex-presidentes peruanos.
A própria Odebrecht, como parte de um acordo judicial, reconheceu o pagamento de propina para ganhar obras públicas no Peru entre 2005 e 2014, período que compreende os governos dos ex-presidentes Alejandro Toledo, Alan García e Ollanta Humala.
Em depoimento a procuradores, o empresário Marcelo Odebrecht já tinha dito, em meados de 2017, que o grupo que leva o nome de sua família teria repassado US$ 3 milhões ao candidato à presidência do Peru, Humala, que comandou o país de 2011 a 2016. O pagamento tinha sido um pedido do ex-ministro do PT, Antônio Palocci, e liberado pelo “Setor de Operações Estruturadas”, criado dentro da empresa para a farta distribuição de propina em troca de obras no Brasil e por demais países onde atuou.
A empreiteira iniciou suas operações no Peru em 1979 e controla 27 empresas no país — 19 de origem peruana e oito filiais de empresas brasileiras. Este número foi apresentado pelo jornal “El Comercio” em fevereiro de 2017. O levantamento foi feito em parceria com a Superintendência Nacional de Alfândegas e Administração Tributária do Peru (Sunat). Estas empresas atuaram em ao menos 52 obras públicas, afirma a publicação. Todas elas estão sendo investigadas.
Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, antecessor de Vizcarra, foi o penúltimo presidente peruano a sair no meio do mandato. Ele chegou a ser secretário de obras durante o período da propinagem pela Odebrecht e renunciou quando sentiu que as denúncias levariam a seu impeachment pelo Congresso peruano.