Damares Alves colocou o instrumento de denúncias de violações dos Direitos Humanos a serviço dos anti-vacinas
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) aprovou uma moção de repúdio à orientação da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves, sobre o uso do “Disque 100” – o Disque Denúncia – para “reclamações de antivacinas que se sintam pressionados a vacinar crianças”.
Em nota técnica, o ministério chefiado por Damares Alves, determinou o uso do disque-denúncia para que pessoas contrárias à vacinação denunciem casos de supostas discriminações. A pasta se opõe ainda ao comprovante vacinal e à obrigatoriedade da vacina contra Covid-19 para crianças.
O Conselho dos Direitos da Mulher repudiou a posição “contrária do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos à adoção do passaporte da vacina nas instituições de ensino e à obrigatoriedade de imunizar crianças contra a Covid-19”.
O órgão repudia ainda “o desvio de função do Disque 100 autorizado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos como um canal à disposição dos antivacinas que julguem sofrer ‘discriminação’”.
As entidades recomendam ainda que ao invés de fazer uso do Disque Denúncia para uma ação contra a vacinação o ministério se empenhe em “atitudes concretas de medidas emergenciais de proteção social e garantia dos direitos fundamentais das mulheres e de suas filhas e filhos, em cumprimento ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Nota é uma vitória contra a política negacionista do governo, diz CMB
Em entrevista para o HP, Glaucia Morelli, presidente da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB) e integrante da CNDM, explica como foi a aprovação da moção de repúdio no Conselho, que é um órgão composto por entidades dos movimentos sociais e também de representantes do governo federal. Segundo Gláucia, o repúdio ao uso do Disque 100 “é fundamental na luta contra o negacionismo, na medida em que o governo cria vários empecilhos para a não aprovação da nota”.
“Foi muito difícil nós aprovarmos essa moção, essa nota de repúdio, no CNDM. O conselho faz parte do Ministério da Saúde e do Ministério do Direitos Humanos e apesar de nós, sociedade civil, sermos a maioria no conselho, a parte do governo, a representação do governo de todos os ministérios ficou criando vários obstáculos pra moção ser aprovada, mas nós conseguimos, com muita luta, aprovar essa exatamente do jeito que nós apresentamos. A moção foi apresentada pela CMB e foi aprovada em maioria que a gente conquistou com a luta, denunciando essa política negacionista”, disse.
Glaucia afirmou que enquanto Damares vira as costas para as necessidades da população, que quer se vacinar, que precisa que seus filhos se vacinem, que possam voltar à escola, o ministério usa verba pública para efetivar sua política negacionista.
“É incrível que na situação que nós estamos onde as crianças querem voltar pra escola, as mães precisam que as crianças voltem pra escola, pras creches, para poder fazer alguma coisa pra sobreviver e a ministra que se diz dos direitos humanos e da família coloca verba pública num disque denúncia a serviço do negacionismo virando as costas pras necessidades da saúde das crianças e das mulheres e impedindo a imunização, criando mais confusão na questão da vacinação”, diz.
“Nós da CMB sempre exigimos a carteira de vacinação para a participação em todos os benefícios conquistados coletivamente pela nossa entidade, porque era uma forma da gente conseguir verificar se as mães que nós temos filiadas estavam cuidando bem das orientações da ciência no sentido de manter a vacinação dos seus filhos em dia. Agora estamos tendo que enfrentar essa situação”, concluiu.
Damares desvia a função do Disque 100, denuncia UBM
Vanja Andréa Santos, presidente nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM) e também integrante do CNDM afirmou que a ação de Damares contempla a política negacionista e antipovo do governo federal, que faz o possível para impedir os direitos do povo brasileiro.
“Essa ação da Damares não é uma simples ação negacionista apenas, nós estamos falando de um Governo Federal que tem agido em todos os espaços, que ocupa como um verdadeiro usurpador dos direitos da população brasileira e essa é mais uma, o Disque 100 tem um papel de acolher denúncia de direitos humanos relacionadas às crianças, aos idosos, as mulheres, entretanto, Damares chega e dá nova função, com essa dimensão que é exatamente fortalecer o negacionismo no Brasil”, disse.
Vanja também falou sobre a necessidade de denunciar o descaso da ministra Damares, onde também afirmou que a moção de repúdio seguiu a diversos órgãos para barrar a política negacionista do Ministério dos Direitos Humanos.
“Nós entendemos que tínhamos que tomar uma medida necessária, uma medida adequada no sentido de fortalecer as ações que vieram a partir dessa iniciativa. A própria Procuradoria-Geral da União (PGR) deu 10 dias para ela responder sobre o porquê dessa iniciativa e justificar, de justificar uma coisa injustificável. Então o CNDM sentiu a responsabilidade de se colocar contrária, de repudiar essa ação da ministra, e a nossa ideia não é apenas dizer que nós repudiamos essa iniciativa dela mas é fortalecer as ações no sentido de reverter essa situação”, disse.
“A nota que nós fizemos de repúdio a ação da ministra vai para a PGR, vai para a Câmara Federal, vai para Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), vai para o Senado, vai pra todos os lugares onde possa existir qualquer iniciativa contrária a essa ação insana da ministra para ver se a gente consegue voltar atrás”, concluiu Vanja.
TIAGO CÉSAR
Veja a moção de repúdio na íntegra:
MOÇÃO DE REPÚDIO AO DISQUE-DENÚNCIA PARA ANTIVACINAS
O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER – CNDM órgão colegiado de natureza consultiva e deliberativa, criado pela Lei nº 7.353, de 29 de agosto de 1985 e regulamentado pelo Decreto Nº 6.412, de 25 de março de 2008, cuja finalidade é formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas à promoção dos direitos das mulheres e atuar no controle social de Políticas Públicas de igualdade de gênero, no uso de suas competências legais.
CONSIDERANDO que o Art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;
CONSIDERANDO o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992, em especial no seu Art. 12 – 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental; 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade;
CONSIDERANDO que o Art. 14, § 1º, da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”;
CONSIDERANDO as Recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em especial: nº 039, de 12 de maio de 2020, Recomenda aos Governadores Estaduais e Prefeitos Municipais o estabelecimento de medidas emergenciais de proteção social e garantia dos direitos das mulheres; nº 067, de 03 de novembro de 2020, Recomenda a adoção de medidas que visam a garantia do acesso à vacinação enquanto estratégia de enfrentamento à pandemia da Covid-19; nº 069, de 12 de novembro de 2020, Recomenda a adoção de medidas de enfrentamento à desestatização e proteção da Atenção Básica e do Sistema Único de Saúde; nº 071, de 11 de dezembro de 2020, Recomenda medidas corretivas que promovam a execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde com a celeridade requerida pela emergência sanitária causada pela pandemia do Covid-19; nº 072, de 21 de dezembro de 2020, Recomenda a distribuição obrigatória a todas as pessoas, pela rede SUS, de máscaras adequadas e reutilizáveis, para fazer frente às necessidades emergenciais da população diante da pandemia da COVID-19; nº 073, de 22 de dezembro de 2020, Recomenda ao Ministério da Saúde a ampliação do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 para toda a população brasileira.
CONSIDERANDO a Nota Técnica nº 02/2022 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) acerca da vacinação de crianças de 5 a 11 anos (disponível em < https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/documentos_publicos/notas_publicas/2019/2020/2021/2022/Nota_Tecnica_022022CNPG_-_vacinacao_de_criancas-2.pdf>);
CONSIDERANDO que o Disque Direitos Humanos (Disque 100) é uma ferramenta utilizada para recebimento de denúncias de violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua e população LGBTQIA+;
Vem, nos termos do art. 14, I, do seu Regimento Interno, no exercício das competências especificadas no art. 4.º, alíneas “e” e “g” da Lei n.º 7.353, de 29 de agosto de 1985 e nos arts. 1.º e 2.º do Decreto 6.412, de 25 de março de 2008, com as alterações promovidas pelo Decreto 8.202/2014:
MANIFESTAR repúdio a posição contrária do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos à adoção do passaporte da vacina nas instituições de ensino e à obrigatoriedade de imunizar crianças contra a Covid-19.
MANIFESTAR repúdio ao desvio de função do Disque 100 autorizado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos como um canal à disposição dos antivacinas que julguem sofrer ‘discriminação’.
RECOMENDAR à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos empenho e atitudes concretas de medidas emergenciais de proteção social e garantia dos direitos fundamentais das mulheres e de suas filhas e filhos, em cumprimento ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/1990).
RECOMENDAR ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos empenho e atitudes concretas na defesa dos direitos fundamentais das mulheres, das crianças e adolescentes e de toda a população brasileira à vida.
Brasília, 7 de fevereiro de 2022.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER