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Vicente Selistre, vice-presidente nacional da CTB, do Núcleo Sindical ligado Partido Socialista Brasileiro, ex-Deputado Federal (PSB/RS) e vice-presidente do Sindicato dos Sapateiros de Campo Bom (RS), declarou, em entrevista ao HP, que “os alvos principais dos governos Temer/Bolsonaro para destruir a estrutura sindical eram o fim do financiamento das entidades e o esvaziamento da negociação coletiva pelos sindicatos”. Leia a seguir a entrevista.
HP – O STF decidiu mudar o entendimento e determinou, por amplíssima maioria, que a Contribuição Assistencial para o custeio das negociações coletivas será cobrada também dos não sindicalizados. Qual o significado da decisão para o movimento sindical?
VS – Foi um passo muito importante. A primeira revogação aos atentados bolsonaristas contra os direitos dos trabalhadores. O prioritário agora para salvar os sindicatos é recuperar a segurança jurídica do sistema de custeio da atividade sindical, alvo de destruição da reforma trabalhista. Aos sindicatos é que cabe a defesa dos direitos individuais e coletivos da sua classe. É dos sindicatos a obrigação de participar e firmar as convenções e acordos coletivos. Portanto, é a contribuição de todos os trabalhadores para o seu sindicato que deve ser a forma de custeio, até porque as negociações coletivas abrangem todos os membros da categoria profissional representada. São estes direitos e deveres que atendem os princípios constitucionais entalhados no Artigo 8º, em especial em seus incisos IV, e VI. A contribuição deverá ser fixada por decisão soberana da assembleia da categoria profissional, sem direito à negativa individual, como prevê o inciso 4º do artigo 8º da Constituição Federal, bem como a CLT, em seu artigo 503, alínea ‘e’.
HP – Segundo o IBGE, em dez anos, o índice de sindicalização, que era 16% em 2016, caiu para 9,2%. A que se deve essa queda?
VS – O Brasil tinha um dos maiores índices de sindicalização do mundo, graças ao sistema de unicidade sindical. Os fascistas, ao mesmo tempo que destruíam o Brasil, sufocavam financeiramente as entidades sindicais e esvaziavam as negociações coletivas, provocando rejeição e afastamento dos trabalhadores aos seus sindicatos.
HP – Além da contribuição de toda categoria, o que ainda está ameaçado na estrutura sindical brasileira?
VS – Tem questões imediatas que precisam ser enfrentadas e resolvidas. Temos que salvaguardar os sindicatos de base, para que não sejam sobrepostos ou incorporados pelas centrais e preservar a orientação do artigo 8º da Constituição sobre o poder do sindicato.
É vital para os trabalhadores assegurarmos o sistema de unicidade sindical (um único sindicato por categoria), que garante que as conquistas das convenções e acordos coletivos se estendam para toda categoria. Está na lei, no artigo 8º da Constituição, mas vive ameaçada.
Das questões mais amplas de proteção ao trabalhador, é fundamental sustentarmos a CLT, o legislado sobre o negociado. Devemos buscar a unidade na defesa da Justiça Trabalhista, do Ministério Público do Trabalho e a fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas nas empresas pelo Ministério do Trabalho.
HP – Lula instalou a comissão tripartite sobre o fortalecimento da negociação coletiva. O que você espera que tenha sido discutido?
VS – Devia estar sendo discutida a revisão da terceirização da atividade-fim das empresas. A terceirização indiscriminada está levando ao trabalho análogo à escravidão. Devia estar sendo discutido o fim do trabalho intermitente, o trabalhador só ganha o tempo que trabalha, ficando à disposição do patrão o dia inteiro. Ou que a homologação volte a ser dentro dos sindicatos, para que os direitos, na hora dura da demissão, sejam respeitados. Devia-se buscar avanços na organização no local de trabalho, eleição das comissões de fábrica, com estabilidade para os eleitos, em eleições organizadas pelo sindicato. Isso tudo nos une, como nos une também a proteção do trabalhador em plataformas e aplicativos. Estes companheiros e companheiras, com trabalho por vezes extenso e penoso, têm, indiscutivelmente, o direito à carteira de trabalho assinada, à previdência social para futura aposentadoria, para as situações de doença e de acidentes.
HP – Qual é, para você, a prioridade nacional?
VS – A prioridade do Brasil é a reindustrialização. O Estado tem que tomar a dianteira, proteger nosso setor produtivo e nossas vocações regionais, investir o que puder com financiamento sem juros ou que sejam compatíveis, fazer compras nas empresas nacionais, botar para rodar as máquinas paradas, qualificar trabalhadores com política permanente e ampla de educação profissional, fazer pesquisa. Não existe nação forte, sem uma indústria forte! Esse é o risco que corremos, o Brasil deixar de ser uma nação.
A situação se aprofundou terrivelmente entre 2016-2022. É a miséria, o desemprego e a precarização para a classe trabalhadora, o retrocesso nos direitos, a perda do poder aquisitivo do salário mínimo, que é insuficiente para sustentar um trabalhador – o que se dirá uma família (uma cesta básica para alimentar um trabalhador com qualidade custa mais de meio salário mínimo!).
Precisamos enfrentar o rentismo, os privilégios dos financistas, dos banqueiros e especuladores em geral. São parasitas que sangram o capital nacional, nossos direitos trabalhistas, nossas riquezas naturais, os setores estratégicos. Na minha opinião, o presidente Lula vai precisar jogar no chão a taxa de juros, fazer uma auditoria da dívida pública que absurdamente se apropria da metade do nosso orçamento.
HP – Foi apresentado ao presidente um projeto de mudanças na estrutura sindical, elaborado por algumas centrais. Qual sua opinião sobre essa proposta?
VS – Sobre o projeto preparado por algumas centrais, até a linguagem é um tanto estranha ao movimento sindical brasileiro. Desde o título “atualização sindical” aos termos usados, como taxa de densidade, taxa de cobertura, câmara de autorregulação, fusão, consórcio, agregação, desmembramento, desconexão, incorporação, aferição de representatividade, entre outros, precisam ser melhor discutidos. Pela complexidade e pela importância que é a representação sindical, estes temas precisam ser mais aprofundados e compreendidos, se for o caso. Colocar estas curiosidades na dianteira é, como dizem os campesinos, “colocar a carreta na frente dos bois”.
CARLOS PEREIRA