A CPI vai ter muito trabalho a partir da próxima terça-feira (27), quando os trabalhos de investigação serão efetivamente instituídos no Senado. No que depender da comunidade médica e científica, o governo e Bolsonaro não terão sossego, pois promoveram as bases para a tragédia sanitária que ora vive o País
Prevista para ser instalada na próxima terça-feira (27) pela manhã, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que vai iniciar as investigações em torno das ações e omissões do governo federal, sob Bolsonaro, pretende ouvir médicos e cientistas mais relevantes do país sobre a pandemia e seus efeitos diante dos erros cometidos pelo Poder Executivo.
Devem ser convocados nomes como Natália Pasternak, Átila Iamarino, Margareth Dalcolmo e Miguel Nicolelis e estes poderão reforçar os alertas dados pelo segmento científico brasileiro ao longo da pandemia sobre a necessidade de se usar máscara, de se impor isolamento social e, especialmente, de se investir em vacinas, e não em tratamentos sem eficácia científica comprovada.
Em entrevista recente ao canal My News, no Youtube, Nicolelis, que é médico, neurocientista e professor da Universidade Duke (Estados Unidos) listou, entre outros aspectos, as omissões do governo no combate à pandemia.
Ainda na entrevista, o médico falou sobre o avanço da pandemia no mundo e afirmou que a situação deve complicar com a nova variante detectada na Índia. Nicolelis também criticou o que chamou de “tática de sanfona”, essa sequência abre e fecha com medidas de restrição e flexibilização.
Nicolelis disse em entrevista ao blog Inconsciente Coletivo, do Estadão, em março, que o Brasil é hoje uma “ameaça global”. Sobre a CPI, afirmou que está à disposição para dar sua contribuição e cumprir seu “dever cívico”.
AS OMISSÕES DE BOLSONARO E DO GOVERNO
Segundo o médico, “a lista é enorme”, começou: “é uma lista de erros crassos, falta de gestão, falta de estratégia, que assusta o mundo todo; desde não reconhecer a gravidade imediatamente no começo da pandemia, a severidade do que viria para o Brasil, passando por não se preparar para a primeira onda”.
E continuou: “Não comprar os insumos necessários, deixando de instituir lockdown nacional (política de isolamento nacional), deixando de ter uma comissão nacional científica, que agisse desde os primeiros dias da pandemia, para coordenar ações em todo o Brasil”.
“Não permitindo que o auxílio financeiro dado à população brasileira fosse suficiente para os brasileiros poderem fazer lockdown, com apoio financeiro para ficar em casa de verdade, propagando o uso de drogas e medicamentos não eficazes, tratamento precoce que não existe, não criando uma mensagem para o País todo, não comprando vacinas suficientes, fazendo troça da morte das pessoas no Brasil, não gerindo os insumos, como a distribuição de oxigênio, e outros insumos como medicamentos básicos, que o governo não comprou”, acrescentou.
“E agora não pondo [alocando] recursos no Orçamento de 2021 verbas para o combate à pandemia. A lista não está esgotada nessa minha pequena narrativa, mas são todos os elementos que contribuíram para a maior tragédia humanitária da história do Brasil”, frisou o médico.
SEM LIDERANÇA E PLANEJAMENTO
Todos os três citados declararam que faltaram liderança e planejamento nacional para reduzir a transmissão e mortes pelo novo coronavírus. Pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Dalcolmo foi uma das pioneiras no atendimento a doentes de Covid-19 no Brasil.
Diretamente envolvida na produção de vacinas, ela responsabiliza a diplomacia brasileira pela demora na chegada dos insumos necessários à produção das vacinas. Esse atraso e a responsabilidade do então chanceler Ernesto Araújo nesse processo serão investigados pelos senadores na CPI.
“A absoluta incompetência diplomática do Brasil não permite que cada um dos senhores aqui presentes e aqueles que vocês amam estejam amanhã ou nos próximos meses recebendo a única solução que há para uma doença como a Covid-19”, disse Dalcolmo em janeiro.
Doutor em Microbiologia e dono de canal no Youtube sobre ciência com mais de 3 milhões de inscritos, Iamarino é um crítico do uso da cloroquina e demais medicamentos que compõem o chamado “kit covid”. “Tem bastante o que investigar”, afirmou, sobre a CPI.
A bióloga Natália Pasternak já afirmou que negar a realidade virou a principal, se não a única, estratégia do governo. “Bolsonaro receita remédio que não funciona e faz estoque de cloroquina, num claro desperdício de dinheiro público. Não usa máscara e reafirma que evitar aglomerações não faz diferença para impedir o contágio.”
A comunidade científica não poderá aliviar para o governo, em particular para o presidente Bolsonaro, diante da tragédia humanitária de quase 400 mil mortes por Covid, com ameaças de chegar a meio milhão e junho.
OUTROS FOCOS DE INVESTIGAÇÃO
Além do foco nas ações do Ministério da Saúde, a CPI da Covid deverá ampliar o escopo de investigação para outros atores que tiveram papel no combate à pandemia do novo coronavírus. O senador Humberto Costa (PT-PE) disse que pretende apresentar requerimentos para ouvir membros do CFM (Conselho Federal de Medicina) e de planos de saúde na comissão.
O objetivo é investigar o papel desses órgãos na propagação do chamado “tratamento precoce”. Na compreensão do senador, o CFM incentivou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada a partir do momento em que deixou o médico tomar a própria decisão. O CFM ofereceu informalmente uma das bases científicas para que o presidente Jair Bolsonaro continuasse a difundir e defender a administração de hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19.
O Conselho emitiu no ano passado parecer no qual deixa para os médicos, em concordância com os pacientes, a decisão de usar o medicamento de maneira “off label”, fora do que está prescrito em sua bula. A emissão do parecer chegou a ser citada por Bolsonaro.
Médicos e entidades científicas e médicas passaram a condenar o posicionamento do CFM, por não repreender posição que contraria o conhecimento científico.
Já alguns planos de saúde estão na mira do senador por denúncias de que houve empresas que enviaram medicamentos sem eficácia comprovada aos clientes. Costa lembrou de denúncias que saíram na imprensa a respeito de planos de saúde propagando “kits Covid-19”.
M. V.