Com a crise da incorporadora chinesa privada Evergrande, a segunda maior do país, causando tremores nas bolsas globais e ganhando manchetes, para o professor em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour, ao governo chinês “o que menos preocupa é o efeito econômico. É o momento de regular para conter a especulação imobiliária”.
Em entrevista ao jornal Valor, Jabbour enfatizou que o objetivo estratégico do governo chinês “é apertar o cerco sobre o setor imobiliário, aumentando a regulação, assim como fizeram com as big techs. E a crise da Evergrande é a oportunidade para isso”. Ele é um dos maiores especialistas acadêmicos em China do Brasil e autor do livro “China Socialismo em Desenvolvimento: Sete décadas depois”, entre outros.
Para o pesquisador, o governo chinês tem plena capacidade de percepção do tamanho do problema do endividamento da empresa. “A maior parte da dívida é em moeda local (renminbi). Nenhum país corre o risco de quebrar por causa disso”, observa Jabbour, sem descartar que o calote da Evergrande possa provocar uma “quebradeira” de outras empresas.
“Ninguém vai ficar sem casa”, salientou o professor da UERJ, que acredita que haverá algum tipo de intervenção do governo chinês para evitar um risco social. Ele destacou que o governo tem avançado em medidas para diminuir o custo das chamadas “três grandes montanhas” (moradia, educação e saúde), diminuindo o poder dos monopólios.
“Então a Evergrande não vai sair dessa sem cumprir com as obrigações. Não vão fazer como em 2008 quando socorreram os bancos [nos EUA]”, sublinhou Jabbour. “Não existe nada ‘grande demais para falir’ (“too big to fail”) na China”, acrescentou. “As empresas podem ser grandes, mas não podem ter poder de monopólio”, emenda. “E é a chance do setor imobiliário ser altamente regulado”, conclui.
Com sede em Shenzhen, no sul da China, a incorporadora imobiliária Evergrande está sobrecarregada com quase Rmb2 trilhões de passivos totais ou mais de US $ 300 bilhões. O preço das ações da controladora, 3333 HK, caiu 76% em relação ao início do ano. A empresa, que se especializou na ‘segunda residência para investimento’ tem cerca de 800 projetos inacabados e cerca de 1,2 milhão de pessoas esperando o retorno do seu investimento.
A Evergrande também é dona de um clube de futebol, de um parque de diversões, de uma empresa de mídia e de uma fábrica de veículos elétricos, entre outros empreendimentos paralelos.
Recentemente, o presidente Xi Jinping havia convocado a agir contra a especulação no setor imobiliário, apontando que “casa é para morar, não para especular”. Segundo o economista britânico Michael Roberts, em Shenzhen, o preço médio dos apartamentos subiu tanto que alguns estão achando mais barato morar em Hong Kong, um dos mercados imobiliários mais caros do mundo.
Desde 2015, também segundo Roberts, os preços dos imóveis residenciais subiram mais de 50% nas maiores cidades da China. Na última década, a oferta média de terrenos residenciais para novos residentes nas dez principais cidades é de apenas 23 metros quadrados – pouco mais do que o tamanho de um quarto de hotel típico – ou menos de 60% do espaço residencial médio per capita na China.