No Meia Noite em Pequim desta semana, da TV Grabois, o pesquisador e escritor Elias Jabbour aborda a pergunta que “paira no ar”, desde que ele estuda a grande nação asiática: “Dá para confiar nos dados estatísticos da China?”
A bem da verdade, tal indagação é um repeteco do que se costumava fazer em relação à União Soviética. Ou seja, como assinala Jabbour, aqueles que transformaram as fake news em algo em escala global, acusam a China de “mentir sobre os dados”.
Sobre isso, o pesquisador observa que sempre trabalhou com dados do ‘IBGE’ chinês, o Bureau Nacional de Estatísticas – que tem um site maravilhoso, o www.stat.cn -, do Banco Mundial e do FMI.
Após o último embate público sobre o tema, e a resposta que apresentou, Jabbour recebeu do sociólogo e amigo Silvio Almeida uma mensagem de parabéns pelo debate, em que este atribuiu a principal parte da polêmica ao “orientalismo e racismo”.
Para o pesquisador, é disso mesmo que se trata. Dados da China, sempre propícios “à dúvida”; das fontes norte-americanas e europeias, sem qualquer jaça. Apesar daquela cena de 2001 de Colin Powell mentindo abertamente no Conselho de Segurança da ONU que o Iraque teria armas de destruição em massa e que isso justificaria uma ocupação militar.
Assim, assinala Jabbour, “tenho que confiar no que a revista The Economist fala sobre a economia chinesa ou o estado da arte da tecnologia, mas não posso levar em conta o que o governo chinês diz sobre a economia ou não posso tirar minhas próprias conclusões”.
Então – destaca o pesquisador – forma-se um “consenso liberal” sobre essa questão de dados estatísticos e o que deve ser “confiado ou não”.
Mas o interessante sobre essa coisa de que dados se pode confiar é que, quando você pega um ‘estudioso ocidental’ sobre a China, como aquele Adrian Zenz, o neonazista que fez um paper acadêmico que viralizou e virou a grande referência para falar que tem genocídio étnico em Xinjiang, e o ‘dado’ que ele apresenta é o total de supostos prisioneiros dos chineses é de “100 a 2.000.000”, e aí, silêncio.
A “dispersão de dados” – isto é, uma grandeza que supostamente pode ser “100” e também pode ser “2.000.000”, passa em branco.
“Eu não consigo aprovar um paper meu, um artigo meu, em qualquer revista com uma dispersão de dados dessa”, enfatiza Jabbour. Portanto, ele aponta, há “dois pesos e duas medidas” nessa questão dos dados chineses.
Os dados são algo muito fácil de ser manipulado, seja no capitalismo ou na periferia, observa o pesquisador. Agora, quando envolvem uma realidade em rápida transformação, novos esquemas de divisão social do trabalho, por exemplo, a urbanização de 225 milhões de pessoas em 10 anos, é muito difícil superestimar.
Jabbour faz menção a uma conversa com a amiga Flávia Vinhaes, que preside o Corecon-RJ, em que esta diz que “como funciona essa coisa de dados na China você sabe”. E que quando ele argumentou sobre a convergência dos dados do Banco Mundial, FMI e agência chinesa de Estatística, foi lembrado de que são as agências dos países que alimentam o Banco e o FMI.
Uma coisa óbvia que Jabbour admite, nunca tinha se dado conta. Mas cuja consequência é a percepção de que o Banco Mundial e o FMI efetivamente não estão no patamar em que são apresentados. Até porque eles apenas remodelam alguns dados, existe um padrão, a estatística é uma ciência, eles perseguem muita divergência e corrigem inconsistências com as regras internacionais e também com as regras dos países.
Ou seja, existe uma relação de coexistência e cordialidade do Banco Mundial, FMI e agências estatísticas dos países, de forma que dificilmente um dado altamente manipulado passa pelo crivo do Board.
Revelação que, como destaca o pesquisador, fechou “uma lacuna na minha cabeça”. Então ao perguntarem se os dados da China são confiáveis ou não, das duas, uma. Ou a China manipula dados e o FMI e o Banco Mundial corroboram [seriam comunistas?], ou os dados são respeitáveis, segundo essas instituições apresentadas no Ocidente como a estratosfera da verdade.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.