Após 22 dias de apagão e rodízio no fornecimento de energia do estado do Amapá, a retomada da eletricidade em 100% de sua capacidade foi anunciada pela Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) na última terça-feira (24).
O equipamento, que garantiu 100% do abastecimento de energia para o estado, foi ligado pela Linhas de Laranjal Transmissora de Energia (LMTE), a empresa responsável pela subestação que pegou fogo, no dia 3 novembro, e provocou o apagão disse que trabalhou em conjunto com os órgãos de governo para normalizar o sistema elétrico do Amapá antes do prazo máximo estabelecido, que era até essa quinta-feira (26).
Nas primeiras horas da manhã, a companhia de eletricidade confirmou o fim do racionamento.
“Os 13 municípios afetados pelo apagão estão com energia e, agora, com a garantia do sistema plenamente restabelecido”, afirmou Marcos Pereira, presidente da CEA.
SÉRIE DE FALHAS
Em relatório preliminar, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) encontrou uma série de falhas em usinas, na rede de distribuição e na principal subestação do Amapá, a Subestação Macapá (SE Macapá), que deram início a uma crise energética que atingiu moradores de 89% do estado há três semanas.
O documento do ONS, chamado de Relatório de Análise de Perturbação (RAP), foi formulado no dia 17 de novembro e descreve que o apagão às 20h48min do dia 3 de novembro na SE Macapá foi resultado de uma “contingência múltipla”.
“O evento em pauta foi resultado de contingência múltipla (indisponibilidade do TR-2 e perda dos outros dois transformadores em um mesmo evento), e que a carga local já é suprida conforme critério estabelecido no planejamento da expansão (n-1) para todas as subestações do país”, descreve o documento.
A estação funciona com três transformadores por onde o Amapá tem acesso ao sistema nacional de energia. O documento apota que houve um curto-circuito, seguido de explosão e de incêndio em um primeiro transformador, o que sobrecarregou um segundo equipamento. O terceiro transformador estava desligado e aguardava manutenção desde dezembro de 2019.
Segundo relatório da Polícia Federal, feito dias após o apagão descartou a ocorrência de um raio como o fator que desencadeou a pane. A empresa LMTE ainda mantém a versão para mascarar a falta de manutenção nos equipamentos da estação de energia.
DESMONTE
O especialista em energia Ildo Sauer, ex-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), afirmou ao analisar o apagão que atingiu o estado do Amapá que o episódio revelou “a ponta de um iceberg, que está latente”. Ele alertou “que a situação no Brasil todo não é muito diferente”.
“É claro que o episódio direto do Amapá tem uma responsabilidade da empresa que em 2009 ganhou a licitação”, disse Ildo Sauer, em entrevista ao HP. “Essa empresa, uma empresa espanhola, ganhou a licitação, construiu a rede e não cumpriu com suas obrigações. Foi à falência, foi substituída por um fundo de investimento, uma empresa nitidamente sem familiaridade com a tecnologia”.
“Então, a responsabilidade direta é dessa empresa, que quase um atrás, retirou de funcionamento um transformador para manutenção, ele não retornou até agora. A metodologia de confiabilidade é que tendo três transformadores, dois são suficientes para atender a carga – são mais ou menos 150 MW cada um deles, a carga é 240 MW, então dois atendem a carga simultaneamente e o terceiro fica de reserva. Esse terceiro foi para manutenção, não retornou. Houve um outro problema que provavelmente está vinculado à ausência de manutenção preventiva centrada em confiabilidade. O segundo transformador teve um incêndio e esse incêndio promoveu também a danificação do terceiro transformador. Então ficou sem nada”.
Segundo Sauer, há problema de projeto e há responsabilidade da empresa, mas “há também responsabilidade do órgão que tem que fiscalizar e garantir que as empresas cumpram suas obrigações. Esse órgão se chama Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e em paralelo também o Operador Nacional do Sistema (ONS), que é quem comanda a operação das usinas, o fluxo de carga para atender as regiões, devia estar notificado de que aquela subestação não estava com o nível de confiabilidade aceitável”.
“De maneira que a responsabilidade direta é da empresa, a de supervisão da Aneel, acima de tudo, porque sabia que este transformador estava fora e que o sistema estava vulnerável, e também do Operador Nacional do Sistema”, afirma o especialista.
“Quando eu falo que esse é a ponta do iceberg, isso tem a ver com algo mais profundo. Tem a ver com a forma de organizar, definir responsabilidades, no sistema elétrico brasileiro. A estrutura de governança. A forma de planejar, a forma de contratar, os itens que estão nos contratos, a forma de fiscalizar e a fragmentação extremamente grande”, disse Sauer.