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Medidas legislativas foram aprovadas simbolicamente pelo Congresso e contrariam pareceres técnicos das consultorias da Câmara e do Senado, Lei Eleitoral e a Constituição
São dois projetos de lei do Congresso que foram aprovados de forma simbólica, assim é impossível saber como cada parlamentar votou.
A sessão ocorreu na última terça-feira (12), enquanto as atenções estavam todas voltadas para discussão e votação, naquele dia, no plenário da Câmara dos Deputados, da chamada “PEC dos Desespero” ou “PEC Eleitoreira”.
Vai ser uma farra de distribuição de recursos públicos neste ano eleitoral. São dois projetos de lei do Congresso que os congressistas aprovaram e que tornam ainda mais oculto o orçamento secreto, autorizam o governo a distribuir de cesta básica a tratores no meio da campanha e permitem ao Executivo tirar verba já reservada a determinado município para colocar em outro, de acordo com conveniências políticas.
Os projetos que vão à sanção de Jair Bolsonaro (PL) contrariam pareceres técnicos das consultorias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Lei Eleitoral e da Constituição Federal.
Num dos projetos, o PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) 18/22, a maioria liberou para o governo R$ 1,2 bilhão. O outro é o PLN 17/22, que alterou a Lei 14.194, de 20 de agosto de 2021, sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2022.
CONSIDERADOS INCONSTITUCIONAIS
Os congressistas mandaram às favas relatório das consultorias da Câmara e do Senado, que considerou inconstitucional a mudança no destino final de recursos já empenhados.
Segundo o texto aprovado, o governo pode retirar o dinheiro já reservado para determinada obra e mudar o fornecedor que receberá o recurso, a localidade ou trocar o objeto da contratação sem nenhuma discussão ou planejamento.
Essas mudanças foram incluídas de última hora no relatório do projeto (PLN 17/22), em plenário, apresentado pelo deputado Carlos Henrique Gaguim (União-TO), e os parlamentares votaram sem ler. Bolsonaro ainda precisa sancionar os projetos, mas, antes da votação, o Centrão já havia combinado o apoio do Planalto às propostas.
DEPUTADOS E SENADORES COM MAIS PODERES
Na prática, agentes políticos que romperem com prefeitos de determinada cidade poderão agora punir a traição, realocando os recursos em outro município. No período eleitoral, a manobra tende a virar moeda de troca.
Determinado prefeito pode, por exemplo, perder o dinheiro já reservado para cidade que administra se candidato a deputado ou a senador considerar que ele não entregou os votos prometidos. O artifício aumenta o poder do congressista sobre o prefeito.
“PEDALADA ORÇAMENTÁRIA”
Técnicos do Congresso observam que a manobra fere princípios da Constituição, entre esses o que proíbe despesa ser alterada de ano para outro sem a aprovação de novo Orçamento.
Além disso, pagar recurso para credor diferente, ou para obra distinta da inicialmente autorizada, desconfigura o princípio do empenho na Administração Pública, que consiste em definir para onde vai o dinheiro, quem vai executar e o que de fato será entregue.
A artimanha foi chamada nos bastidores de “pedalada orçamentária” e preocupa especialistas, que veem a possibilidade de bilhões do Orçamento serem manipulados para atender a interesses políticos.
O relator Carlos Gaguim justificou a manobra sob o argumento de que vai possibilitar a retomada de 20 mil obras paradas no Brasil, que estariam suspensas por problemas contratuais, ao permitir alternar o fornecedor ou a localidade. A solução para esse impasse, porém, seria cancelar o recurso e emitir uma nova nota de empenho, segundo especialistas.
NOTA DAS CONSULTORIAS
“Não havendo amparo na Constituição e na Lei 4.320/64 para possibilitar que um credor possa ser pago à conta do orçamento anterior, quando esse não tiver sido originalmente indicado na nota de empenho e na correspondente inscrição dos restos a pagar, não se encontra justificativa para a alteração proposta”, diz a nota das consultorias, elaborada antes da aprovação e ignorada pelos parlamentares.
Congressistas mais experientes se disseram chocados com o artifício. “Trocar o credor no exercício [ano] seguinte… Gente, eu acho que eu não estou no Brasil, não”, disse o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que é economista e especialista em contas públicas.
ESCULACHO
Outra mudança aprovada no pacote do Congresso, autoriza o governo a realizar doações, incluindo cestas básicas, redes de pesca, ambulâncias, tratores e outros maquinários agrícolas em plena campanha. A medida confronta a legislação eleitoral, que proíbe essa prática.
Em abril, o Congresso já havia estendido o prazo até julho. Agora, prorrogou até o final do ano. “Nós temos de mudar o que está lá na Lei Eleitoral. A Lei Eleitoral é que está errada”, disse o deputado Hildo Rocha (MDB-MA) durante a votação.
“Ah, bom, agora o argumento é maravilhoso”, ironizou o líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN).
ORÇAMENTO FICOU MAIS SECRETO
Entres os projetos aprovados, o Centrão enxertou mais uma camada de sigilo sobre os recursos do chamado “orçamento secreto”. Até agora, não é possível identificar os beneficiados com o esquema do toma lá, dá cá.
Apenas o nome do relator-geral do Orçamento aparece associado a esse tipo de emenda. Com o projeto aprovado na terça-feira, agora nem isso.
A ocultação do nome do relator-geral ocorrerá quando as emendas forem remanejadas para outra rubrica, chamada RP-2, sob o controle direto dos ministérios. Com isso, o Congresso dribla a determinação judicial que obriga a dar transparência para o manejo do dinheiro público.
M. V.