O modus operandi da quadrilha era ter o pagamento adiantado sem a garantia da entrega do total contratado. Bolsonaro intercedeu diretamente em favor da assinatura do contrato
O argumento da diretora-executiva da Precisa, Emanuela Medrades, à Polícia Federal para justificar o tempo recorde transcorrido entre a entrega e a aprovação do contrato da empresa com o Ministério da Saúde foi o de que a empresa teria aceitado todas as condições apresentadas pelo ministério.
“O contrato que o ministério na época nos passou como minuta… Nós não discutimos em momento algum nenhuma alteração, exclusão ou ajuste. A gente acatou 100% do contrato que [a pasta] nos apresentou”, afirmou ela à Polícia em 12 de julho. Ela só não explicou que, depois, os invoices (documentos de importação) eram completamente diferentes do que estava no contrato. A principal diferença, inclusive, era o pagamento adiantado de US$ 45 milhões em um paraíso fiscal, o que garantiria a distribuição das propinas.
Este, aliás, parece ser o modus operandi da Precisa em seus golpes. Ainda quando se chamava Global, mas era do mesmo dono da Precisa, o senhor Francisco Maximiano, a empresa assinou um contrato de R$ 20 milhões para a venda de medicações de alto custo ao governo. Recebeu antecipadamente o valor total do contrato e, até hoje, não entregou os medicamentos. A compra foi contratada em 2017, quando era ministro da Saúde o hoje líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
O contrato da Precisa com o Ministério da Saúde para a compra da vacina Covaxin, da empresa indiana Bharat Biotech, era no valor total de R$ 1,6 bilhão. O invoice, que foi denunciado pelo servidor Luis Ricardo Miranda – que informou ao presidente sobre a falcatrua – mandava que o Ministério da Saúde fizesse um pagamento adiantado no valor de US$ 45 milhões para uma terceira empresa com sede em Singapura, ou seja, num paraíso fiscal.
Como Bolsonaro não tomou providências em relação às denúncias feitas por ele, Miranda denunciou ao Ministério Público Federal e à CPI, impedindo assim que o roubo fosse consumado.
A diretora da Precisa insistiu na versão mentirosa de que a primeira invoice foi enviada pela empresa para o Ministério da Saúde no dia 22 de março. Tanto o servidor Luis Ricardo Miranda quanto o consultor da OPAS (Organização Panamericana de Saúde), William Amorim Santana, ouvidos na CPI, disseram que receberam a invoice no dia 18 de março.
Por que isso é importante? É importante porque essa versão da executiva foi criada para desmentir que Luis Ricardo tivesse entregue o documento a Bolsonaro no dia 20 de março, quando ele e seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), estiveram no Alvorada para alertar o governo.
A versão de Emanuela Medrades não se sustenta pois Bolsonaro não desmentiu até agora que tenha recebido a denúncia dos irmãos Miranda. Tanto recebeu que Eduardo Pazuello, em seu depoimento à Polícia Federal, disse, ao tentar defender o chefe, que Bolsonaro pediu a ele para averiguar as irregularidades.
Luis Ricardo Miranda estava sendo pressionado a autorizar a importação da Covaxin com o invoice determinando o pagamento antecipado dos US$ 45 milhões no paraíso fiscal.
Foi essa invoice, cuja existência foi negada por Emanuela Medrades, que Miranda entregou a Bolsonaro como prova das irregularidades. Bolsonaro, ao ver documento, disse, ao que tudo indica, enganosamente, aos irmãos Miranda que a coisa era séria, embora não tenha tomado nenhuma providência como prometera.
Segundo o deputado Luis Miranda, Bolsonaro chegou a dizer que sabia do que se tratava e creditou o malfeito ao seu líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros. “Isso é coisa do fdp do Barros”, disse ele, segundo Miranda.
Mesmo a questão do superfaturamento na compra da vacina, a mais cara de todas, foi negado pela executiva. Mas, parece mais uma de suas mentiras.
Uma ata do Ministério da Saúde resume uma reunião de 20 de novembro de 2020 com o ex-secretário-executivo Elcio Franco, e representantes da Precisa, entre eles a própria Emanuela. O documento indica que o preço seria de US$ 10 dólares com possibilidade de redução de valores. Ao final, o contrato foi assinado por US$ 15 a dose da vacina.