Para o deputado Luis Miranda (DEM-DF), a diretora da Precisa “tentou ocultar os rastros dos crimes cometidos pela empresa e pelo chefe dela” no depoimento à CPI
A diretora da Precisa Medicamentos, empresa atravessadora da compra da Covaxin, Emanuela Medrades, prestou depoimento à CPI da Pandemia, na quarta-feira (14), e disse que todos os que falam que receberam o invoice com irregularidades no dia 18 de março estão mentindo.
Contradisse-se flagrantemente. Ela mesma já tinha falado que enviou os invoices, que são uma espécie de recibo internacional, no dia 18 para o Ministério da Saúde, como provou o relator Renan Calheiros (MDB-AL) ao exibir uma declaração de Emanuela do dia 23 de março.
À CPI, porém, Emanuela falou que os invoices só foram enviados no dia 22. A nova versão apresentada por Medrades, que visa blindar Jair Bolsonaro, não convenceu os membros da CPI.
Se os invoices só tivessem sido enviados no dia 22 de março, seria impossível que Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério, e o irmão Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, tivessem mostrado, na reunião do dia 20 de março, para Jair Bolsonaro as provas de que havia um esquema de corrupção na compra da Covaxin.
A verdade, sustentada por diversas provas colhidas pela CPI e por outros depoimentos, é que os irmãos Miranda mostraram a falcatrua para Bolsonaro e ele não encaminhou a denúncia para a Polícia Federal, incorrendo, assim, pelo menos, no crime de prevaricação.
Além de Luis Ricardo Miranda, o consultor do Ministério da Saúde, William Santana, também confirmou que recebeu o invoice no dia 18 de março.
Em uma entrevista coletiva, o ex-secretário executivo do Ministério, Élcio Franco, repetiu que foi no dia 18 e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, falou que o documento chegou no dia 19.
Emanuela falou no Senado Federal no dia 23 de março e admitiu, na ocasião, que “na quinta-feira passada, nós encaminhamos o pedido, enviamos as invoices”. A “quinta-feira passada” era exatamente o dia 18 de março.
Agora, a diretora da Precisa falou que Élcio Franco e Onyx Lorenzoni “se equivocaram, provavelmente. Eles se equivocaram e não tem nada… Eu sei que enviei dia 22, mas se eles têm desencontros…”.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) disse que Emanuela “tenta confundir as informações em uma manobra para impedir as provas do crime de prevaricação do presidente Bolsonaro”.
O senador vai apresentar um requerimento para que a plataforma Dropbox apresente os detalhes da movimentação da pasta dos arquivos, para confirmar quando o primeiro invoice foi enviado.
Os invoices enviados para o Ministério da Saúde pediam pagamento adiantado, duplicavam o pagamento do frete, previam a entrega de 3,7 milhões de doses a menos do que as contratadas e diziam que os pagamentos deviam acontecer para uma terceira empresa, não citada no contrato e sediada em um paraíso fiscal.
A Precisa Medicamentos já tem um histórico de golpe no Ministério da Saúde. Em 2018, o Ministério contratou com a empresa-irmã da Precisa, a Global Saúde, R$ 20 milhões em preservativos que nunca foram entregues. Na época, o ministro da Saúde era Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Emanuela Medrades não mostrou os contratos fechados entre a Precisa e a Bharat Biotech para a representação no Brasil e não informou quanto ganharia a Precisa caso a compra tivesse sido concretizada, alegando que as informações são confidenciais. O contrato foi suspenso pelo Ministério da Saúde depois que o escândalo veio a público.
Mas Emanuela sustentou na CPI que “não existem ilegalidades, não existem irregularidades”. “Faço questão de falar tudo”, disse, pontuando que iria colaborar.
Então, questionou o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), se está tudo legal, “por que o Ministério da Saúde suspendeu o contrato da Covaxin?”. Emanuela ficou atônita sem uma resposta. Balbuciou algo.
Foi questionada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Simone Tebet (MDB-MS) e suas respostas eram as mesmas, não saiam do roteiro.
Em certo momento, a senadora Simone Tebet se irritou com a constante consulta da depoente aos seus advogados.
“Presidente, coloca logo os advogados para responder, porque não tem uma resposta que ela dá que não tenha uma petição de orelha”, reclamou Tebet.
No plenário da CPI, um Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), que só aparece na comissão quando um depoimento é grave, estava nervoso, tenso, lançou uma provocação contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL) para desviar o assunto e sair pela tangente; sobre uma suposta investigação contra o relator da CPI, que negou a acusação e desprezou a fala do filho de Bolsonaro em seu direito de resposta. “Me erre”, disse Calheiros.
Emanuela Medrades minimizou as suspeitas sobre o modelo de negociação da vacina indiana e disse que a empresa tentou reduzir o preço das doses. A Precisa intermediou a compra de 20 milhões de doses entre o Ministério da Saúde e o laboratório Barath com contrato no valor de R$ 1,6 bilhão.
PREÇO SUBIU 50% DEPOIS DO CONTATO COM O MS
A diretora-executiva da Precisa também disse que o Ministério da Saúde mentiu ou se equivocou ao informar, em um documento interno, que a empresa tinha oferecido doses da Covaxin por US$ 10 com possibilidade de preços menores, em novembro de 2020.
O valor final da contratação, em fevereiro de 2021, foi de US$ 15 por dose.
No depoimento, Emanuela começou alegando que ninguém sequer falou do preço US$ 10 na reunião. Porém, depois de algumas perguntas ela disse que pode ter falado que sua expectativa era de que conseguisse por US$ 10.
Questionada por Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, Emanuela falou que o governo Bolsonaro tinha pedido para que o preço fosse reduzido, mas que ela não tem nenhum registro disso.
LUIS MIRANDA
O deputado Luis Miranda em entrevista para a coluna do Chico Alves, do UOL, ironizou o depoimento confuso de Emanuela Medrades.
“No dia 23, com a memória fresquinha, ela afirma que a invoice foi entregue na quinta-feira, dia 18. Aí, agora, por interesse, obviamente, tentando ocultar os crimes da empresa, ela muda a narrativa”.
“Porque ela teria mentido naquela época e não agora? Ela tentou ocultar os rastros dos crimes cometidos pela empresa e pelo chefe dela”, explica o deputado, irmão de Luis Ricardo, servidor do Ministério da Saúde que denunciou o esquema e recusou-se a assinar os documentos que consumariam a corrupção.
“É muito visível que agora ela mentiu. A verdade é: a invoice sempre esteve à disposição do Ministério da Saúde em data anterior ao nosso encontro com o presidente, eu tenho certeza, eu vi”.
A diretora da Precisa sugeriu à CPI que seja feita uma acareação entre ela e os irmãos Miranda. “Estarei sempre à disposição”, respondeu o parlamentar. “A verdade sempre esteve conosco e não tememos os mentirosos”.