No artigo que publicamos, de Osama Al Sharif, divulgado originalmente no jornal em língua árabe, Aswaq Al Awsat, no dia 18, sob o título, “O comportamento imprudente de Netanyahu está levando as relações com a Jordânia à beira do abismo”, o autor denuncia que o governo israelense proibiu o príncipe herdeiro da Jordânia – país com quem Israel firmou acordo de paz em 1994 – de visitar a Esplanada das Mesquitas situada na Jerusalém Árabe, ocupada por Israel e onde estão alguns dos sítios mais sagrados do Islã. Sharif relata e avalia as consequências da intolerância do primeiro-ministro israelense, que também agiu movido por cálculos eleitoreiros, ou seja, para agradar os eleitores da direita israelense
OSAMA AL SHARIF*
O confronto ocorrido na semana passada entre Jordânia e Israel devido à obstrução de uma visita previamente acordada pelo príncipe herdeiro Hussein à Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém Oriental para participar de um evento sagrado islâmico, e a retaliação de Amã ao impedir a visita do primeiro-ministro israelense Ministro Benjamin Netanyahu aos Emirados Árabes Unidos [a Jordânia proibiu que o avião que levaria Netanyahu atravessasse o espaço aéreo do país que fica entre Israel e os Emirados], levando as relações entre os dois países à beira do precipício.
Israel alegou que o cancelamento da visita do Príncipe Hussein foi devido a disputas sobre questões de segurança relacionadas à proteção do herdeiro do trono da Jordânia. No entanto, a Jordânia respondeu imediatamente, por meio do ministro das Relações Exteriores, Ayman Safadi, apontando o dedo para Israel por violar os protocolos de acesso ao Haram al-Sharif [Esplanada das Mesquitas] e orientando impor complicações para impedir a entrada do príncipe Hussein na mesquita em Jerusalém.
Em resposta, as autoridades jordanianas se recusaram a conceder permissão a Netanyahu para ir a Amã para embarcar em um avião particular que o levaria em uma visita histórica a Abu Dhabi [com quem recentemente Israel estabeleceu relações]. Quando a autorização foi finalmente concedida, era tarde demais para Netanyahu não cancelar sua viagem. Na verdade, as tensões entre Amã e Tel Aviv, especialmente em relação ao Haram al-Sharif, estão se formando há anos. Mas os eventos recentes representam um novo declínio nas relações entre os dois países que compartilham um tratado de paz de 25 anos. Netanyahu havia se retirado de acordos e entendimentos com o rei Abdullah muitas vezes, o que levou o monarca jordaniano a se recusar a se encontrar com o primeiro-ministro israelense ou receber ligações dele anos atrás.
Desta vez, porém, o índice de raiva jordaniana atingiu um novo nível. Foi a primeira visita de um membro da família real jordaniana a Jerusalém Oriental desde que os dois países assinaram o tratado de paz em 1994. A Jordânia queria afirmar seu direito, sob o tratado de paz, de obter acesso total aos locais sagrados islâmicos na Jerusalém Leste em sua qualidade de curador. É exatamente por isso que Netanyahu queria, na véspera das eleições do Quarto Knesset, onde seu futuro político está em jogo, abortar a visita. Isso não teve nada a ver com disputas sobre segurança, foi uma manobra política destinada a apaziguar os eleitores ultra-ortodoxos.
A resposta jordaniana foi igualmente equilibrada. Se Netanyahu quiser fazer uma viagem de avião triunfante aos Emirados para celebrar a troca de relações diplomáticas entre os dois países às custas de Amã, ele será firmemente rejeitado. A Jordânia ficou furiosa, de acordo com Safadi, quando Netanyahu renegou um acordo e obstruiu uma visita religiosa e criou condições que tornavam a visita impossível, e então esperava que ele fosse à Jordânia e viajasse de lá. A resposta jordaniana teve como objetivo enviar uma mensagem clara a Netanyahu e ao acampamento de seus seguidores extremistas: a tutela da Jordânia sobre o Nobre Santuário é uma linha vermelha e não será contestada. O estratagema israelense não apenas viola o tratado de paz de 1994, mas também viola o acordo de 2014 intermediado pelo então secretário de Estado norte-americano John Kerry entre a Jordânia e Israel “para reafirmar o compromisso com o status quo no complexo Haram al-Sharif / Monte do Templo [área próxima as mesquitas onde fica o Muro das Lamentações]”.
Este acordo reconhece mais uma vez a custódia da Jordânia no complexo. Essa tutela também é reconhecida pela Autoridade Palestina e tem sido reafirmada repetidamente pela Liga Árabe, países islâmicos e comunidade internacional. No entanto, Israel, especialmente sob Netanyahu, violou tais acordos e entendimentos inúmeras vezes na última década. Permitiu que extremistas judeus, incluindo oficiais israelenses, entrassem no complexo e fizessem orações. Entre os grupos que foram autorizados a entrar estavam aqueles que se comprometeram a demolir a mesquita de Al-Aqsa para construir uma sinagoga em seu lugar.
Na última década, houve várias provocações por parte do governo de Netanyahu em relação ao Monte do Templo. Cada vez que isso acontecia, a Jordânia protestava. Ao longo dos anos, Netanyahu ignorou esses protestos e, nas palavras de seus oponentes políticos e altos funcionários de segurança israelenses, prejudicou gravemente as relações com a Jordânia, que eles vêm como um parceiro estratégico. Vários incidentes, incluindo o assassinato de dois jordanianos por um diplomata israelense na embaixada israelense em Amã em 2017, aumentaram a desconfiança do rei Abdullah em Netanyahu, que lhe prometeu julgar o diplomata em Israel e não o fez.
Uma fonte confiável me disse que o governo dos Estados Unidos apoiou a visita do príncipe Hussein a Jerusalém. O resultado desta crise se refletirá não apenas nas relações jordaniano-israelenses, mas também na posição da Casa Branca sobre o assunto quando o rei Abdullah visitará Washington em um futuro próximo. A reversão de acordos de Netanyahu com um parceiro de paz por mais de 25 anos deve ter eco entre os novos amigos de Israel na região. Netanyahu é um oportunista que busca apenas seus próprios interesses, nem mesmo os interesses de Israel e seus parceiros na região. Ele não é confiável e, embora seu destino político permaneça desconhecido, sua saída do palco seria positiva para a região como um todo.
*Osama Al Sharif é jornalista e comentarista político deede Amã, Jordânia. Você pode segui-lo no Twitter: @OsamaAlSharif
Texto publicado em https://www.asswak-alarab.com
O artigo foi traduzido do árabe para o português pelo Dr. Assad Frangieh