Os protestos na China são o tema do Meia Noite em Pequim extraordinário, em que o pesquisador e escritor Elias Jabbour comenta as informações desencontradas, as opiniões da mídia colonial e dos ‘pró-chineses’, começando por assinalar que são “manifestações legítimas”.
Para Jabbour, e ele faz questão de ressaltar isso, “qualquer pessoa que tenha a sua liberdade de ir e vir contestada, ela pode se rebelar, independente de outras questões”. Ainda mais, ele acrescenta, agora que o mundo inteiro está aberto enquanto a China está fechada por conta de uma política muita dura [com relação à Covid].
O pesquisador analisa que, de 1978 para cá, os chineses conseguiram um direito irrestrito de ir e vir dentro do território, houve um relaxamento do sistema hukou que limitava a migração interna, há mais de 40 mil quilômetros de trens de alta velocidade, mais de1 bilhão de passagens são vendidas em cada feriado. Ou seja, é um povo que conquistou e um governo que respondeu a muitas ansiedades em relação ao direito de ir e vir. “É uma pauta neoliberal? Pequeno burguesa? Aí é outra discussão, mas o fato é esse”.
Em 2020 – observa o pesquisador – era outra situação, uma situação de emergência, uma situação limite, em que o governo agiu muito rapidamente e demonstrou sua capacidade, demonstrou que a China tem a engenharia social mais avançada do mundo. O fato que a China venceu a pandemia rapidamente é uma prova da superioridade do socialismo sobre o capitalismo, ele acrescenta.
Agora, existem questões em aberto, destaca Jabbour, que cita a informação trazida por Felipe Durante de que os chineses só tomaram duas doses da vacina, essas duas doses já cobriram 88% da população, e isso é um problema, os idosos não estão todos vacinados.
Isso é algo que o governo vai ter que responder, aliás o presidente Xi Jinping já está com a pauta na mesa dele de acelerar a vacinação dos mais velhos. Sobre a política de Covid Zero tem uma matéria da revista Nature, que é uma das maiores revistas científicas do mundo, que afirma que, se o governo chinês relaxar essa política, haveria a morte de 1,55 milhão de chineses.
Como lembra Jabbour, nós vemos o Brasil, por exemplo, as pessoas com duas, até três doses, e pessoas continuam morrendo no Brasil. A vacina garante a imunidade, a chance de a pessoa morrer é muito menor, mas ainda tem quem morra. Continua se morrendo por Covid no Brasil, nos EUA.
Na China, que tem cerca de 600 milhões de pessoas nas cidades, morreriam de acordo com a Nature 1,55 milhão de pessoas.
Já nos hospitais, seria alcançado um pico 15 vezes maior do que os leitos chineses são capazes de aguentar, ou seja, uma tragédia. “Eu sempre falo pros meus alunos, principalmente da Economia, que o nosso desafio é sair do campo do professor, do aluno, e entrar na pele de quem toma decisões”.
Ao que tudo indica, aponta Jabbour, o governo chinês vai iniciar uma política de relaxamento, com medidas sanitárias, liberando pouco a pouco a circulação de pessoas e quadruplicando os cuidados. Até porque ninguém aguenta mais viver trancado num mundo que está aberto. Mas tem que ser de uma forma planificada, porque, ele acrescenta, os números que a Nature traz são impressionantes, “coisa que eu não sabia particularmente”.
Quanto à tentativa de encaixar o debate ditadura x democracia sobre o enfrentamento da pandemia, é sempre bom lembrar que na China morreram 5 mil pessoas de Covid, enquanto nos EUA morreram 1 milhão de pessoas. Sem falar nas 40 mil pessoas que morrem todos os anos nos EUA por armas de fogo, mais 20 mil por overdose de fentanyl.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.