Entre as propostas estão a valorização do salário mínimo e o fim do Preço de Paridade Internacional (PPI) nos combustíveis. Eles destacam a necessidade do próximo governo “tomar medidas imediatas de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional”, visto que no governo Bolsonaro 33 milhões de brasileiros estão passando fome
Mais de mil e cem economistas assinaram o manifesto da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) em apoio à chapa Lula-Alckmin para a Presidência da República denunciando a destruição promovida pelo governo Bolsonaro.
“O Brasil está mergulhado em uma crise profunda, com múltiplas dimensões. Na economia, trata-se de uma estagnação sem precedentes em nossa história, um inegável retrocesso. Temos um processo inflacionário que impõe pesadas perdas aos mais pobres”, afirmam os economistas no manifesto intitulado Movimento dos economistas pela democracia e contra a barbárie“, lançado nesta terça-feira (14), com 1.142 assinaturas.
Entre os signatários estão o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, Luiz Gonzaga Belluzzo, Nilson Araújo de Souza, José Luis Oreiro, Dércio Garcia Munhoz, Marcio Pochmann, Otaviano Canuto, Leda Paulani, Paulo Nogueira Batista, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, Renildo Souza e Antônio Corrêa de Lacerda.
Os economistas defendem investimentos públicos, a extinção do teto de gastos, a valorização do salário mínimo, a revisão da política de preços dos combustíveis e o fortalecimento da Petrobrás. Eles destacam a necessidade do próximo governo “tomar medidas imediatas de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional”, visto que no governo Bolsonaro 33 milhões de brasileiros estão passando fome.
“Além de fragilizar a sociedade brasileira, as atitudes de Jair Bolsonaro geram instabilidade política, tornam o país um pária na comunidade internacional e afetam negativamente a economia”, denunciam. “O projeto político de Bolsonaro é de implantação de um sistema político autoritário, uma ditadura neofascista que pretende se perpetuar armando as polícias e milícias para concretizar sua aspiração de poder”, afirmam os signatários do manifesto.
“Nós, economistas que subscrevemos este manifesto, entendemos que a superação desse quadro exige uma união em defesa da democracia, dos direitos humanos e da Constituição de 1988. Um pacto em defesa da civilização e contra a barbárie, multipartidário, o mais amplo possível, como expresso na frente partidária que lançou a pré-candidatura Lula/Alckmin”.
Reproduzimos na íntegra o manifesto.
MOVIMENTO DOS ECONOMISTAS PELA DEMOCRACIA E CONTRA A BARBÁRIE
O Brasil está mergulhado em uma crise profunda, com múltiplas dimensões. Na economia, trata-se de uma estagnação sem precedentes em nossa história, um inegável retrocesso. Temos um processo inflacionário que impõe pesadas perdas aos mais pobres. O governo de Jair Bolsonaro implantou um projeto autodestrutivo, que aprofundou a regressão de nossa estrutura produtiva, privilegiou ainda mais o rentismo e os grandes interesses financeiros e nos levou às portas da barbárie, que assumiu a forma de desmantelamento do arremedo do Estado Nacional Soberano construído a duras penas. As instituições foram enfraquecidas, os pilares do Estado Democrático de Direito foram ameaçados.
O atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, em vários momentos, tentou viabilizar um golpe. Buscou intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF), acenou com a possiblidade de questionar os resultados das eleições em 2022 no intuito de negar aos brasileiros e brasileiras o direito de eleger seus representantes, ao mesmo tempo em que tenta persistentemente violar a liberdade de expressão daqueles contrários ao seu projeto. Além de fragilizar a sociedade brasileira, as atitudes de Jair Bolsonaro geram instabilidade política, tornam o país um pária na comunidade internacional e afetam negativamente a economia.
O desmonte da economia nacional é notório. Os investimentos públicos foram travados, reduzidos ao seu menor valor. Políticas públicas voltadas para educação, ciência e tecnologia, preservação ambiental e garantia dos direitos humanos foram abandonadas. Os programas de transferência de renda foram instrumentalizados para fins eleitorais e fragilizados, não alcançando toda a população que deles necessita.
A política de valorização do salário mínimo – iniciada na segunda metade dos anos 90, e ampliada a partir de 2003 – não só foi abandonada como, pela primeira vez, em 25 anos, o presidente da República irá entregar no final do seu mandato um salário mínimo inferior, em termos reais, àquele que recebeu no momento da sua posse. No mercado de trabalho, aumenta o número dos sem carteira, dos trabalhadores autônomos sem formalização, dos empregados em jornada de trabalho parcial, daqueles com contrato por tarefa ou empreitada, além dos trabalhadores que têm trabalho e renda comandados por aplicativos, que vendem a força de trabalho ao menor preço.
A saúde foi fortemente debilitada, em um dos momentos em que mais precisamos do setor em nossa história. O governo Bolsonaro se eximiu da responsabilidade de coordenação das ações e desprezou as indicações da ciência para minorar os efeitos da pandemia de Covid-19. Como resultado, tivemos mais de 10% das mortes mundiais, sendo que representamos 2,7% da população do planeta. Os danos para o futuro do país são incomensuráveis. A tragédia da escalada do desemprego, combinada com a redução da renda média dos trabalhadores, coloca no horizonte o risco de uma pandemia de fome ao lado de uma pandemia sanitária ainda não debelada.
A política de Bolsonaro visa desregulamentar as atividades econômicas, dar autonomia para que as empresas privadas, muitas delas oligopólios, autorregulemse e se vejam livres das leis de proteção socioambiental. Objetiva ainda privatizar as empresas públicas, enfraquecer o que ainda resta de bancos públicos, vender os ativos do Estado na bacia das almas, reduzir os direitos dos trabalhadores, privatizar e/ou terceirizar a educação e a saúde em todas as etapas e condenar o país ao atraso e à subordinação aos interesses do capital externo.
A frente de expansão do capitalismo dependente brasileiro passa a girar em torno do agronegócio, em especial o complexo de grãos e carnes, estimulados pela dinâmica internacional, do extrativismo mineral com tudo que lhe é inerente: devastação ambiental (inclusive pelo uso intensivo de agrotóxicos), social e cultural, com um conflito permanente em torno da ocupação e do uso da terra. Uma economia neocolonial, baseada na produção de mercadorias para o mercado internacional, e uma base produtiva que se reprimariza e se desindustrializa.
Na área externa, a política do governo é de renúncia à soberania nacional, abertura indiscriminada ao capital estrangeiro e às importações, adesão a padrões de política da OCDE que não nos servem, e que podem contribuir para destruir o que resta da indústria nacional, esvaziar acordos regionais como o Mercosul e para um comportamento irresponsável em relação ao papel do país no enfrentamento às mudanças climáticas.
O projeto político de Bolsonaro é de implantação de um sistema político autoritário, uma ditadura neofascista que pretende se perpetuar armando as polícias e milícias para concretizar sua aspiração de poder.
Nós, economistas que subscrevemos este manifesto, entendemos que a superação desse quadro exige uma união em defesa da democracia, dos direitos humanos e da Constituição de 1988. Um pacto em defesa da civilização e contra a barbárie, multipartidário, o mais amplo possível, como expresso na frente partidária que lançou a pré-candidatura Lula/Alckmin.
Defendemos que um novo governo democraticamente eleito tem que se pautar por reformas que ampliem e garantam direitos sociais, ambientais e trabalhistas, que se adequem à era digital e estejam em sintonia com os princípios democráticos e com o potencial do novo e real no mundo do trabalho.
Para recuperar o crescimento e colocar o Brasil na trilha de um país mais justo, menos desigual, ambientalmente sustentável e mais próspero, esperamos do futuro governo:
• Promoção de uma Reforma Política baseada nos princípios de fortalecimento dos partidos políticos e aumento da participação popular por meio de plebiscitos, referendos e conselhos setoriais deliberativos;
• Extinção do teto de gastos e criação de uma nova regra fiscal que compatibilize a sustentabilidade de médio e longo-prazo da dívida pública, essencial para administrar a fragilidade financeira do Estado Brasileiro, com o aumento necessário dos gastos com educação, saúde, assistência social, cultura e políticas de apoio a negros, povos tradicionais, mulheres, portadores de necessidades especiais, juventude e LGBTQIA+;
• Reativação dos conselhos de políticas públicas que foram extintos na gestão Bolsonaro. Em especial, a retomada do funcionamento pleno do CONSEA e dos instrumentos nacionais de combate à fome e à miséria, das políticas de estoques reguladores e de preços mínimos, e do forte apoio à agricultura familiar;
• Promoção de uma mudança profunda na política econômica, social e ambiental cujo caráter ortodoxo, neocolonial e neofacista aprofunda as tendências à estagnação econômica e exacerba as múltiplas desigualdades – de renda e riqueza, regional, de raça/etnia e de gênero no mercado de trabalho;
• Promoção rápida de uma Reforma Tributária Ampla e Estrutural que vise atender como objetivos: (i) aumentar fortemente a progressividade da carga tributária por intermédio da taxação de lucros e dividendos distribuídos, revisão da “pejotização” e aumento dos impostos sobre a propriedade e redução da carga tributária sobre o consumo dos mais pobres; (ii) estabelecer a equidade horizontal entre os setores de atividade econômica, reduzindo a carga tributária sobre a indústria de transformação e aumentando a carga tributária sobre o agronegócio e o setor de serviços;
• Modernização, reestruturação e democratização do Estado, colocando no centro de sua agenda os objetivos de garantir a vida, o bem-viver e a sustentabilidade com visão de longo prazo;
• Desenho e implementação de programas emergenciais de obras públicas em infraestrutura e serviços públicos em parceria com estados e municípios, visando à geração de trabalho e renda e incentivo às economias locais;
• Construção de sólido programa de investimentos em infraestrutura econômica, urbana e social, com destaque para iniciativas que reduzam desigualdades sociais e regionais;
• Fortalecimento do BNDES e dos bancos públicos como financiadores de projetos para a retomada e modernização tecnológica da indústria, defasada em nível internacional devido à falta de investimentos. Esse financiamento deverá estar atrelado a metas concretas de melhoria da competitividade nos mercados internacionais e a metas de sustentabilidade social e ambiental, inclusive de redução de emissão de CO2. É preciso que as autoridades monetárias voltem a ter capacidade de, se necessário, usar suas taxas para favorecer o investimento e o esforço contracíclico, além de privilegiar setores e atividades que sejam intensivos em benefícios para toda economia. Também é importante priorizar o apoio aos pequenos negócios e às médias, pequenas e microempresas;
• Fortalecimento do serviço público nacional, respeitando e valorizando os direitos das servidoras e servidores, buscando desfazer privilégios acumulados no último período, em especial no Judiciário e nas Forças Armadas, assim como a recuperação da capacidade indutora e de planejamento do Estado Brasileiro;
• Modernização de modelos de implementação de políticas públicas, atualizando-os face aos desafios e oportunidades associados aos novos padrões técnicos da era do conhecimento e a avanços do processo de reconstrução do Estado.
• Tomada de medidas imediatas de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional;
• Retomada da política de valorização do salário mínimo;
• Revisão das Reformas Trabalhista e Previdenciária com base na negociação entre trabalhadores, empresários e governo;
• Suporte técnico e financiamento da agricultura familiar, implementação de uma reforma agrária agroecológica, estabelecimento de estoques reguladores e comercialização dos produtos visando à redução da carestia, à garantia da segurança alimentar e à melhoria da renda dos pequenos produtores rurais;
• Incentivo à economia solidária, ao associativismo, ao cooperativismo, aos arranjos produtivos locais e projetos de desenvolvimento territorial urbano e rural;
• Garantia do acesso aos direitos humanos, ao trabalho e a uma vida decente. Combate ao racismo, ao sexismo e ao patriarcado, criando medidas afirmativas e mecanismos institucionais para que pessoas e grupos discriminados possam superar a pobreza e ter acesso a trabalho e existência dignos;
• Revisão da política de paridade de preços internacionais dos combustíveis por intermédio da retomada da produção nacional de derivados de petróleo, fortalecendo a Petrobras como uma empresa de energia indutora do crescimento e desenvolvimento nacional;
• Retomada do controle estatal da Eletrobrás e da priorização da expansão de energias renováveis, mantendo o setor público no controle da matriz energética do país;
• Desenvolvimento de uma política ambiental comprometida com a sociobiodiversidade, a defesa do meio ambiente e a solução das questões climáticas, garantindo a os direitos dos povos originários definidos constitucionalmente e o reconhecimento de seus conhecimentos, aderente às medidas de proteção das riquezas naturais do país. Apresentação de plano de transição justa para uma economia verde, baseado na biotecnologia, indústria 4.0, internet das coisas, promovendo mudanças no atual padrão de mobilidade urbana, e buscando a recuperação de áreas degradadas e do complexo industrial da saúde;
• Forte aumento do investimento em ciência, tecnologia e inovação mirando os patamares observados nos países desenvolvidos;
• Garantia de um olhar estratégico para o desenvolvimento regional, em especial para a Amazônia e o Nordeste, com caráter de inclusão e redução das desigualdades, mas também de integração dentro de um projeto nacional de desenvolvimento, a partir dos próprios potenciais regionais. Fundamental aqui também retomar as negociações com Estados e Municípios, no que tange à dívida pública, buscando tornar mais justa e sustentável a situação financeira dos níveis subnacionais;
• Retomar e fortalecer a integração regional por intermédio do Mercosul e a expansão do processo na América do Sul e no conjunto da América Latina e Caribe;
• Revisão da política externa de forma a recuperar o protagonismo do País nos organismos e fóruns internacionais e na cooperação sul-sul, especialmente com os países da América Latina, da África, da Ásia, assim como resgatar e fortalecer os laços com os BRICS.
Nós, economistas, que subscrevemos este manifesto, temos clareza de que o retorno do Brasil a uma trajetória de progresso civilizatório passa, necessariamente, pela eleição da chapa Lula-Alckmin no primeiro turno das eleições gerais. Também é fundamental votarmos para governadores, senadores e deputados federais e estaduais que se oponham firmemente ao governo de Jair Bolsonaro e estejam alinhados com a defesa permanente da democracia, do Estado de Direito e da Constituição Federal de 1988.
República Federativa do Brasil, 13 de junho de 2022
Veja aqui a íntegra do manifesto com a lista de apoiadores