Em busca de um bode expiatório, presidente bilionário isola ainda mais os EUA
O governo Trump enviou uma carta às Nações Unidas na terça-feira retirando os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS). A notificação foi entregue ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, de acordo com o Washington Post e o New York Times. A saída fica concretizada um ano após a notificação.
A retirada ocorre a quatro meses das eleições, e num quadro em que, como disse o principal infectologista dos EUA, o Dr. Anthony Fauci, “ainda está com os joelhos na primeira onda” da infecção, com alta de casos em 40 Estados, 3 milhões de infectados e 133 mil mortos.
Recordista mundial do coronavírus, sob a incúria e obscurantismo de Trump, os EUA, com 5% da população mundial, têm 25% do total de casos e de mortes.
Pelo Twitter, o pré-candidato democrata à presidência, Joe Biden, se comprometeu a levar os EUA de volta à OMS “no meu primeiro dia como presidente”.
O senador democrata Robert Menendez confirmou a notificação. “O Congresso recebeu notificação que POTUS [sigla para Presidente dos EUA] oficialmente retirou os EUA da @OMS no meio de uma pandemia”.
“Chamar a resposta de Trump a Covid de caótica & incoerente não faz justiça a ela. Isto não protegerá vidas ou os interesses dos americanos – isso deixa os americanos doentes e a América sozinha”, concluiu Menendez na postagem.
Conforme o Post, não está claro se o presidente pode tirar os EUA da OMS e retirar o financiamento à revelia do Congresso. Parlamentares democratas afirmaram que tal medida seria ilegal e prometeram barrá-la, quando Trump pela primeira vez ameaçou deixar a OMS.
Sob os termos de resolução do Congresso dos EUA de 1948, Washington deve notificar com um ano de antecedência por escrito e pagar seus débitos à agência a fim de sair.
Também dentro dos EUA foram muito negativas as repercussões do novo rompante de Trump, que põe os Estados Unidos em confronto com seus aliados tradicionais e isola ainda mais o país.
“Nós temos um monte de aliados para melhorar a OMS, mas não teremos nenhum aliado ao abandonar a OMS”, afirmou Jimmy Kolker, um ex-embaixador dos EUA que serviu como secretário assistente para assuntos globais do Departamento de Saúde norte-americano até 2017.
Chamando o governo Trump a recuperar “o bom senso”, Kolker reiterou que “há todo incentivo em ficar e fazer a OMS mais efetiva”. O que seria “perdido se nos retirarmos, mesmo que seja por um período de tempo”.
A presidente da Fundação das Nações Unidas, Elizabeth Cousens, disse através de uma declaração que o movimento do governo de “formalmente se retirar da OMS em meio à maior crise de saúde pública que os americanos e o mundo enfrentaram em um século é míope, desnecessária e inequivocamente perigosa”.
“DECISÃO RUINOSA”
Lawrence Gostin, o diretor do Centro da OMS de Colaboração sobre Direito de Saúde Nacional e Global, considerou o ato de Trump entre “as mais ruinosas decisões presidenciais na história recente”.
“Isso fará os americanos menos seguros durante uma crise de saúde global sem precedentes”, acrescentou. E irá – enfatizou – significativamente “enfraquecer a influência dos EUA na reforma da OMS e na diplomacia internacional da saúde”. “Esta ação desastrosa é profundamente prejudicial aos interesses nacionais dos EUA”.
O diretor do Instituto Global de Saúde de Harvard, Dr. Ashish Jha, disse que o movimento de retirada da OMS “prejudicará tanto a saúde pública global quanto a saúde do povo Americano”.
VICIADO EM RETIRADAS
O movimento faz parte do que um porta-voz da chancelaria chinesa chamou certa vez de “vício do governo Trump” de se retirar de tratados e instituições internacionais.
No caso, uma referência à saída dos EUA do Acordo do Clima de Paris, do Acordo a Seis Partes com o Irã, o Tratado de Proibição das Armas Nucleares Intermediárias (INF), o Tratado de Céus Abertos e a paralisação da Organização Mundial do Comércio. Lista à qual se soma agora a OMS.
A decisão de retirada da OMS vem depois de meses de críticas e ameaças de parte de Trump, que é notório por ter minimizado a pandemia, que chegou a comparar a uma “gripe comum” que “vai desaparecer com o calor da primavera” e para a qual recomendou hidroxycloroquina como remédio.
Também estimulou turbas a “libertarem” os Estados em que havia medidas de distanciamento social, no auge da pandemia na região do nordeste. Fugiu de ter qualquer política centralizada de combate ao coronavírus, jogando o problema para governadores e prefeitos. Sempre se recusou a usar máscara social.
NÃO OUVIU OS INFECTOLOGISTAS
Nos dias iniciais do surto, Trump saudou tanto a China quanto a OMS por seu manejo da crise. Em fevereiro, enquanto a China travava uma “guerra popular científica” contra a pandemia, Trump só queria saber de festejar a derrota do impeachment no Congresso e a alta recorde de Wall Street, com tudo marchando como ele queria para a reeleição. Não ouvia os infectologistas.
Trump só se mexeu quando a pilha de corpos nos necrotérios ambulantes nas portas dos hospitais de Nova Iorque levaram Wall Street ao chão.
Conforme os EUA viraram o epicentro do coronavírus, e o tamanho do desastre evidenciou toda a inépcia de Trump, o presidente bilionário passou a fazer OMS seu bode expiatório predileto – além, claro, da China.