Roberto Dias, diretor de logística, pediu a propina na véspera. Reunião no dia seguinte foi marcada em tempo recorde. Representante da Davati Medical Supply foi cobrado por telefone se pagaria ou não a propina. Como recusou, nunca mais foi procurado
No dia 26 de fevereiro, um dia após o encontro do diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, com o empresário, representante da Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, onde, segundo o empresário, o diretor pediu propina para a venda de 200 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, foi marcada uma reunião com o empresário dentro do ministério da Saúde com a presença do secretário executivo, Élcio Franco.
Em contraste com a demora para resolver os vários entraves criados pelo governo para adquirir as demais vacinas, como as do Butantan e as da Pfizer, por exemplo, uma reunião à jato foi montada, num intervalo recorde de apenas quatro horas, para ocorrer, no dia seguinte, na sala do diretor de logística do ministério da Saúde. E-mails obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo revelam que o departamento de saúde enviou mensagem às 10h50 a manhã do dia seguinte ao encontro do shopping, marcando a reunião com o empresário para o mesmo dia às 15h.
Ironicamente, nesta mesma época, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, criticava publicamente a “grande ansiedade” com que diversos setores da sociedade cobravam do governo a aquisição de mais vacinas contra a Covid-19. Ele pedia calma e paciência a uns, enquanto o seu diretor de logística, Roberto Dias, agia rapidamente, e na surdina, na cobrança de gordas propinas para fechar contratos de aquisição de imunizantes.
Agora, com as evidências que estão vindo a público, fica claro que a cobrança de propinas não se resumia apenas àquela feita ao empresário da Davati Medical Supply. Nesta mesma época, já estavam em andamento os acertos com a empresa Precisa, para a compra superfaturada da Covaxin, que se tornaram públicas com a denúncia feita pelo servidor Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal. O servidor foi fundamental para impedir a concretização do roubo.
O tamanho do escândalo envolvendo o governo Bolsonaro na aquisição de vacinas ficou ainda mais evidente com o relato detalhado feito pelo empresário Luiz Paulo Dominguetti Pereira do que ocorreu nesta reunião que foi agendada por Dias para o dia seguinte ao jantar. A reunião acabou não ocorrendo. Vejam os motivos que levaram à sua suspensão.
Segundo o empresário, Dias saiu da sala e de fora lhe telefonou, perguntando se “teria acerto”, o que foi rejeitado.
Dominguetti Pereira então relatou os fatos ocorridos dentro do ministério, onde haveria a reunião com a presença de Élcio Franco. “Ele, (Dias) me disse: ‘Fica numa sala aí’. E me colocou numa sala do lado ali. Ele me falou que tinha uma reunião. Eu recebi uma ligação perguntando se ia ter o acerto. Aí eu falei que não, que não tinha como”.
“Isso dentro do ministério”, destacou o empresário. “Aí me chamaram, disseram que iam entrar em contato com a Davati para tentar fazer a vacina e depois, nunca mais. Aí depois, nós tentamos por outras vias, tentamos conversar com o Élcio Franco, explicamos para ele a situação. Também, não adiantou nada. Ninguém queria vacina”, acrescentou Luiz Paulo Dominguetti Pereira.
A cobrança da propina, que poderia chegar a R$ 1 bilhão, caso fosse fechada a compra de 200 milhões de doses, aconteceu durante o jantar no restaurante em Brasília, no dia 25 de fevereiro. “Não estavam só eu, estavam Dias e mais dois, um militar do Exército e um empresário lá de Brasília”, afirmou.
O empresário se referia ao coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco, que se apresenta em seu perfil no Linkedin como se apresenta como Diretor Substituto Departamento de Logística do Ministério da Saúde. Três dias antes do encontro, o coronel da reserva Marcelo Blanco abriu a Valorem Consultoria, cuja atividade econômica declarada é representar agentes do comércio de medicamentos.
Segundo o empresário, Dias disse que, “para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo”, sem explicar a quem se referia. “Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele.”
Na noite de terça-feira, 29 de junho, quatro meses após esses episódios, o Planalto decidiu exonerar Roberto Dias, que foi indicado para o cargo pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O governo sequer tentou negar. Em depoimento à CPI da Pandemia, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou ter ouvido do próprio presidente Jair Bolsonaro que as irregularidades na compra de outra vacina, a Covaxin, pelo Ministério da Saúde seriam “rolo” de Barros.