Discussão trouxe à tona o debate sobre a soberania nacional, que diversos participantes consideram ameaçada
O acordo anunciado recentemente entre a Embraer e a americana Boeing foi amplamente criticado durante comissão geral no plenário da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (1º). Com o intuito de “formar opinião” sobre a situação, o deputado Flavinho (PSC-SP), que propôs o debate, declarou que “hoje, com tudo o que ouvi, penso que [o acordo anunciado] não seria bom para os trabalhadores e nem para o Brasil”.
O deputado é eleito pela cidade de São José dos Campos (SP) – sede da Embraer – e trouxe diversos interessados na transação, mas condenou a ausência de representantes do governo, do presidente da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva, e de deputados, o que evidencia a forma como o governo vem tratando a questão.
A ideia do acordo é criar uma empresa Joint venture (cujas operações são mantidas em comum) na qual a norte-americana Boeing ficaria com o controle de 80%, pagando a bagatela de US$ 3,8 bilhões. Pelos termos anunciados, a Embraer manteria o controle das áreas militar e de aviação executiva.
Para o presidente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), Murilo Pinheiro, este é “um mau negócio para o País”. Os engenheiros apontam que “ao custo irrisório de US$ 3,8 bilhões – valor que se aproxima do desenvolvimento de um único produto da fabricante nacional –, a companhia americana terá em suas mãos o conhecimento, tecnologia, operação e administração do segmento que sustenta a Embraer”.
FABRICANTE DE PEÇAS
Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Herbert Claros, sob o comando da Boeing, a Embraer pode ser rebaixada a uma mera fabricante de peças. “A principal ameaça não é a concorrência, mas a entrega da Embraer”, alertou Herbert. “Em nenhum momento a Boeing garantiu que haverá investimentos no Brasil. Sem a garantia de um novo projeto de avião a ser desenvolvido no país, em cinco ou dez anos poderemos testemunhar o fim da Embraer”.
O sindicalista denunciou que as demissões já começaram no setor, sem que nada tenha sido efetivamente assinado: “antes mesmo do negócio ser firmado, os sindicatos já registraram 300 demissões”.
SOBERANIA NACIONAL
A discussão trouxe à tona o debate sobre a soberania nacional, que diversos participantes consideram ameaçada com as prospectivas da venda. A vice-presidente em São José dos Campos do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), Rozana Nogueira, denuncia que “o que está sendo feito é uma excrescência, um absurdo. São 4.200 engenheiros na Embraer. Se isso se concretizar, a empresa se tornará uma mera montadora de avião (…) À sua criação, há quase 50 anos, não se pensou somente em uma empresa de avião, mas no desenvolvimento tecnológico nacional. O contrário do que está sendo feito agora”.
Para Claros, separar a área de aviação comercial das áreas de defesa e de aviação executiva, em vez de criar uma salvaguarda nacional, poderá decretar o fim da empresa. “Se deixar o setor de defesa nas mãos da Boeing é visto como um risco à segurança nacional, também é uma ameaça à soberania deixar a Embraer dividida e sem caixa para fazer investimentos nos sistemas de defesa do País”, alertou.
Vale ressaltar que há um dispositivo oriundo da privatização da empresa em 1994, chamado “golden share” – é uma forma de, ainda que tenha a minoria das ações com direito a voto, o governo mantenha algum controle tendo direito a veto. À época, foi propagandeado como o que salvaria a Embraer (que nesses anos todos foi profundamente dependente de investimentos públicos para continuar se desenvolvendo), mas a recente situação mostra que não significa muita coisa – especialmente com Temer à frente do Planalto.
Em recente publicação feita pela FNE, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marco Aurélio Cabral Pinto enfatizou que “não é questão de preço, garantias ou taxas. A Boeing se confunde com o Departamento de Estado norte-americano. É uma gigante em setor que se beneficia do aumento da instabilidade política no mundo. O governo brasileiro pode e deve contrapor rol variado e extenso de exigências. Estas devem permitir o desenvolvimento de uma indústria aeroespacial no Brasil integrada, exportadora e com crescente autonomia tecnológica. A questão dos empregos depende disso”.
PATRIMÔNIO PÚBLICO
Por isso, o professor Marco Aurélio completa: “trata-se de patrimônio público. Com esse governo que melancolicamente se despede, ilegítimo e impopular, na medida em que os candidatos a Presidente se posicionem sobre o assunto, no transcorrer de tempo até a eleição, torna-se progressivamente mais difícil para o núcleo político sobrevivente defender decisão sobre a golden share ainda neste ano.”
ANA CLÁUDIA