Ativistas culturais defendem instalação da estátua da escritora no centro do bairro: “merece estar na sala de visitas!”
Em agosto de 2021, a Prefeitura de São Paulo anunciou que a cidade ganharia cinco estátuas em homenagem a personalidades negras que nasceram ou fizeram história na capital. Serão cinco estátuas espalhadas por praças e parques pela cidade, sendo uma delas a da escritora Carolina Maria de Jesus, que deverá ser instalada no bairro de Parelheiros, no extremo sul da capital paulista.
Também serão homenageados: o músico Geraldo Filme, na Praça David Raw, na Barra Funda; o atleta olímpico Adhemar Ferreira da Silva, no Canteiro central da Avenida Braz Leme, na Casa Verde; a da sambista Deolinda Madre (madrinha Eunice), na Praça da Liberdade, na Liberdade; e o cantor Itamar Assumpção, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros.
A localização de uma dessas obras gerou um descontentamento com a população local. Em um manifesto, moradores de Parelheiros, familiares de Carolina e ativistas culturais defendem que a estátua fique na Praça Júlio César de Campos, na região central do bairro e local das principais atividades festivas do distrito.
Carolina Maria de Jesus é uma das escritoras mais lidas do país. Lançado em 1960, seu primeiro livro, “Quarto de Despejo”, foi um sucesso. A escritora vendeu cerca de 3 milhões de livros em 16 idiomas. Ela viajou pelo país e atraiu multidões.
A escritora saiu de Sacramento, no interior de Minas Gerais, para tentar a vida em São Paulo, e viveu por muitos anos em Parelheiros. Carolina sobreviveu como catadora de papéis e trabalhou também como doméstica. Nas casas de patrão, fazia suas leituras e nos papéis do lixo escrevia seus diários, onde registrava seu cotidiano e da comunidade que vivia.
LOCAL DIGNO
Segundo o manifesto dos moradores de Parelheiros, “foi uma surpresa a escolha da estátua no Parque Linear no bairro, já que não ocorreu uma tratativa com os moradores da escolha do local”. Segundo a gestão municipal, um chamado “núcleo periférico” foi consultado para a determinação do local. No entanto, os moradores afirmam desconhecer o grupo citado.
“Estamos negativamente surpresos com a escolha do local pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, onde ficou decidida a instalação da escultura no Parque Linear Parelheiros com o aval do ‘núcleo periférico’ dentro da Secretaria. Acontece que desconhecemos esse núcleo, nenhum coletivo ou movimento cultural do território faz parte desse núcleo, e se não fosse a nossa mobilização pessoal não seríamos ao menos comunicados sobre a celebração de inauguração, uma vez que nem mesmo o Subprefeito do distrito estava ciente sobre o evento”, diz.
Para os coletivos, a escultura de Carolina Maria de Jesus rememora e afirma patrimônio e identidade negra no distrito que é situado no extremo Sul de São Paulo. No local, não há esculturas e monumentos referenciados ao bairro e ao país, diante da historiografia local, que é notória, o que minimiza a importância e a luta do bairro.
Eles relembram ainda que em São Paulo, segundo um estudo do Instituto Pólis, apenas 3% de esculturas e monumentos são dedicados a homenagear a cultura ou personalidades negras e, dentre elas, somente uma, representa a mulher negra, a “Mãe Preta” (ama de leite) no Centro de São Paulo. Essa será a primeira estátua de Carolina Maria de Jesus no país e no mundo, não há registros de qualquer representação da escritora em algum local.
MUDANÇA CONTRA O APAGAMENTO
Para Keila Pereira, uma das representantes do manifesto o Parque Linear, não é um local movimentado e nem de grande visibilidade, o que dificultaria inclusive a preservação da obra perante atos de depredação.
“Essa questão do apagamento da história é crucial, do simbolismo que isso traz. A Carolina escreveu sobre a fome e mais uma vez a gente vai botar fogo aí pra debaixo do tapete, onde vamos fingir que não existe, vamos deixar lá num parque escondido, onde as pessoas não vão ver, não vão saber quem é, por fim, não vão se interessar. Esses são os principais pontos assim que a gente tem colocado e reivindicado para a mudança de local”, disse.
“Em tempos de abandono e fome, a imagem e obra de Carolina produz representatividade e evidencia as principais necessidades do povo. Além disso, memória, identidade e patrimônio caminham juntos, estamos neste momento fazendo história, isto significa que, o processo de curadoria da instalação da escultura é um registro do Brasil que temos e da salvaguarda da Literatura brasileira. Não podemos permitir que o primeiro monumento em homenagem à Carolina NO MUNDO, não esteja em sua devida visibilidade”, continua um trecho do manifesto.
“Entendemos que mais uma vez Carolina estaria sendo instalada no “quarto de despejo”, e mesmo diante do descontentamento dos familiares ao serem informados sobre o local, não aceitamos nenhum motivo para que a escultura não seja instalada na Praça Júlio César de Campos, local onde está a Paróquia de Santa Cruz e o monumento de marco do centenário da Paróquia; que fica na região central de Parelheiros, importante ponto turístico e histórico dentro do Polo de Ecoturismo de SP e que por muito tempo foi o palco de festas tradicionais da região (como por exemplo, a Festa de Santa Cruz e de aniversário do bairro)”, ressaltam os moradores na nota.
“Carolina vive, e sua luta persiste, e aqui estamos apenas como pessoas que reivindicam o local, a data e a festa que ela merece ter”, concluí.
Veja o manifesto na íntegra:
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeFEdEyrAzB9QnuGF4ghSCboGuXqcl269tTHLpfkkb4gm5Ctw/viewform