Falta de imunizantes já ameaça vacinação nas capitais
Nas últimas semanas, o total de doses e os critérios usados para distribuir as vacinas são alvos de críticas de Estados. Enquanto a vacinação avança em ritmo considerado lento pelos especialistas, unidades da federação questionam a quantidade de doses enviadas pelo Ministério da Saúde e pedem novos imunizantes para o povo brasileiro.
De acordo com o Ministério da Saúde, a distribuição das doses seguem os seguintes critérios técnicos: “riscos de agravamento e óbito pela Covid-19, visando a redução da morbimortalidade causada pelo coronavírus, bem como a manutenção do funcionamento da força de trabalho dos serviços de saúde e a manutenção do funcionamento dos serviços essenciais”. Porém, os critérios adotados se tornam ineficazes diante da necessidade de doses nos estados.
A inação do governo federal se escancara na desorganização do Ministério da Saúde em realizar a campanha nacional de vacinação contra a covid-19. A ineficiência é tamanha que não é possível realizar a conta da proporção de vacinas em relação ao público-alvo da campanha em cada estado, porque o Ministério não sabe informar a quantidade de pessoas que devem ser vacinadas em cada unidade da federação com as doses de imunizante que já foram enviadas.
Conforme dados do levantamento do consórcio de veículos de imprensa atualizados nesta quinta-feira, o que é possível identificar é apenas dose por habitante.
O Governo do Pará é o que recebeu, em proporção ao total da população, a menor quantidade de vacinas contra Covid-19 no país, mesmo passando por uma grave crise com a segunda onda da doença e pessoas morrendo por falta de oxigênio nos hospitais. Segundo o governador do Pará, Helder Barbalho (PMDB), um ofício foi enviado ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, solicitando informações sobre os critérios utilizados na divisão dos lotes de vacinas.
No Espírito Santo, o secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes, disse, ainda no fim de janeiro, que houve “frustração” na disponibilização das vacinas pelo Ministério da Saúde ao estado e que, diante da demora, o Estado iria buscar a compra das doses diretamente com a indústria.
“Todo atraso na disponibilidade de doses para a população brasileira poderá comprometer resultados observados para o primeiro semestre ainda deste ano. No primeiro cenário, com disponibilidade de vacinação da Fiocruz e Butantan, já tivemos frustração, e temos que estar preparados. O Espírito Santo já negocia com a indústria a aquisição de vacinas para complementar o plano de vacinação”, afirmou Nésio.
O secretário de Saúde de Santa Catarina, André Motta Ribeiro, declarou durante sessão especial da Assembleia Legislativa (Alesc) que estava em Brasília para “cobrar do ministério algumas discrepâncias de quantitativo de doses”.
“A velocidade da vacinação é dependente do fornecimento de vacinas, estou em busca de respostas, tenho agenda com o Ministério da Saúde para discutir o quantitativo para o estado, novas remessas, temos de acelerar, senão levaremos alguns meses para cumprir as fases iniciais”, reconheceu Ribeiro, que lamentou não ter “respostas sobre vacinas que estão para chegar”.
CAPITAIS
Além da dificuldade enfrentada pelos estados, 7 capitais já estão com a campanha de vacinação ameaçada de paralisação pela falta de doses. Vale destacar que a imunização no país começou tardiamente e segue lenta e demorada. Dados desta sexta-feira apontam que imunizamos somente 4,7 milhões de pessoas, pouco mais de 2% do total de brasileiros.
No Rio de Janeiro, cidade com mais mortes (quase 20 mil desde o início da pandemia), a Prefeitura alertou em nota que só tem doses suficientes para vacinar “até sábado”.
“Esperamos a chegada de novas doses na próxima semana. Caso contrário, a vacinação será interrompida”, afirmou.
Em outras duas cidades, São Gonçalo e Niterói, a vacinação já está suspensa há vários dias.
Em Salvador (BA) a vacinação dos profissionais da saúde foi interrompida e atrasou o início da vacinação de pessoas com entre 80 e 84 anos, que deveria começar nesta semana.
No estado de São Paulo, o mais rico e populoso em um país com 212 milhões de habitantes, as autoridades sanitárias também tiveram que adiar o início da vacinação para essa faixa etária até 1º de março. “As datas foram definidas de acordo com o número de vacinas disponíveis. E não são suficientes”, disse Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde de São Paulo.
Florianópolis (SC) tem 1.600 doses disponíveis, que devem ser suficientes apenas para a imunização dos próximos 3 ou 4 dias.
A prefeitura de Curitiba (PR) diz que as doses disponíveis durarão até a próxima 4ª feira.
As autoridades de Cuiabá (MT) também avaliam que a campanha durará mais 5 dias se não receber mais doses.
Em Aracaju (SE), a previsão é de que, a partir da semana que vem, somente aqueles que precisam receber a 2ª dose sejam vacinados porque o estoque para as primeiras aplicações deve terminar neste fim de semana.
Em Natal (RN), o estoque disponível é de 15.000 vacinas, e 13.300 unidades estão separadas para a 2ª dose. Portanto, somente 1.700 doses podem ser aplicadas em quem ainda não recebeu nenhuma.
No país, só há produto disponível para começar a imunizar mais 2 milhões de pessoas, e a situação não deve mudar até o fim deste mês.
De acordo com dados reportados pelas secretarias estaduais de Saúde, ainda há 6,53 milhões de doses prontas para uso, mas 70% delas precisam ser aplicadas em quem já tomou a primeira dose para garantir a imunização.
O ritmo de vacinação poderia ser retomado e ampliado em 25 de fevereiro, uma vez que o Instituto Butantan coloque mais 8,6 milhões de doses previstas da vacina CoronaVac no sistema.
O Butantan dispõe de 27,1 milhões de doses de vacinas contra Covid-19 em solo brasileiro: 9,8 milhões foram entregues ao Ministério da Saúde e 17,3 milhões em fase de produção.
Segundo o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, a partir do dia 23 de fevereiro, o Instituto Butantan começará a disponibilizar, diariamente, 600 mil doses por dia da CoronaVac para o Programa Nacional de Imunizações, mas ressalta que por mais que o Butantan trabalhe na velocidade máxima, não conseguirá suprir sozinho a necessidade dos brasileiros.
“Serão necessárias outras vacinas e a grande dúvida é qual vai ser a contribuição da Fiocruz nesse processo. Essa é a dúvida, qual o quantitativo que teremos além dessas 100 milhões de doses do Butantan. Essa afirmação do ministro precisa ser respaldada em fatos que até o momento ainda não existem”, explicou disse Dimas Covas.
Somente no último sábado, a Fiocruz recebeu o primeiro lote do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) da vacina AstraZeneca/Universidade de Oxford. Os 900 litros do material, que é a matéria-prima do imunizante, foram importados da China e resultarão na produção de 2,8 milhões de doses. Apenas nesta sexta-feira, a instituição envasará os primeiros frascos na sua sede em Manguinhos, Zona Norte do Rio. A meta é produzir 100 milhões de doses até o fim do primeiro semestre deste ano.
A produção da Fiocruz, que distribuirá o imunizante de Oxford, só deve ficar pronta em meados de março.
Até agora, apenas 0,05% da população brasileira de 212 milhões de habitantes recebeu a vacinação completa em duas doses. Uma parcela de 2,11% recebeu a primeira dose e aguarda a próxima, segundo os números levantados pelo consórcio de veículos de mídia.
Apenas com doses da CoronaVac e poucas da vacina de Oxford sendo aplicada nosbrasileiros fica impossível garantir a imunização necessária para frear a transmissão do vírus no Brasil e salvar o máximo de vidas possível.
DESRESPEITO
Depois de ter atrasado o início da produção na Fiocruz, não ter acertado a compra de doses com antecedência e ainda dificultando a chegada de outras vacinas no país, o ministro da Saúde foi chamado para uma audiência no Senado, ontem, cobrando explicações.
Em tom, que só pode ser deboche, visto todo o quadro apresentado acima, Pazuello disse que irá vacinar toda população brasileira até dezembro. Só não explicou como, se até o momento vacinamos 250 mil por dia, apenas.
“Nós vamos vacinar o País em 2021: 50% até julho e 50% até dezembro. Da população vacinável. Esse é o nosso desafio, é o que nós estamos buscando e vamos fazer”, disse o chefe da pasta, mas sem explicar quem faz parte da tal “população vacinável”.
O modo como o governo enfrenta a pandemia foi alvo de críticas de vários parlamentares na audiência temática. Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o governo foi “negacionista”.
“Vossa excelência diz que, nos últimos 90 dias, os números inacreditáveis da segunda onda pegaram todos de surpresa… Como surpresa, ministro? Cientistas, médicos, especialistas, todos nós, noite e dia, convivendo com essa escalada de mortes em todos os estados do Brasil”, abriu as críticas apontado essa contradição do ministro.
NOVAS VACINAS
Em meio ao caos para obtenção de doses de imunizante contra Covid-19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda usa de dois pesos e duas medidas para aprovação de novas vacinas no país. A agência resiste em aprovar a Sputnik V, da Russia e libera vacinas do consórcio Covax.
O diretor da Anvisa, Antônio Barra Torres, indicado ao cargo por Bolsonaro, continua reclamando da aprovação, pelo Senado, da Medida Provisória (MP) que reduz de 10 para 5 dias o prazo para aprovação de vacinas que já tenham sido aprovadas em algumas agências internacionais. A MP incluiu a agência sanitária da Rússia, mas foi retirada posteriormente por integrantes do governo Bolsonaro.
O pretexto da direção da Anvisa para combater a MP é que o órgão estaria sendo pressionado por “lobistas” que “mobilizaram o Congresso Nacional” para a aprovação da lei, como se o país não estivesse com pressa e não estivéssemos no meio de uma pandemia que provoca uma tragédia sem paralelo nos últimos cem anos, matando mais de mil pessoas por dia.
Barra Torres quer que Planalto vete a decisão do Senado em prol das vacinas. Segundo ele, a soberania do país estaria sendo afetada com essa decisão da Câmara Alta.
A afirmação é demagógica e completamente contraditória à decisão, anunciada pelo próprio órgão, no dia anterior, de que não haverá mais a necessidade de registro e autorização de uso emergencial para as vacinas que forem distribuídas no Brasil dentro do consórcio Covax Facility, iniciativa da OMS (Organização Mundial de Saúde), que visa aumentar o acesso global a imunizantes contra a Covid-19.
Nem avaliação de segurança dessas vacinas será feita pela Anvisa, o que é correto, pois se trata de uma emergência. Mas, então, por que não se usa o mesmo critério para a vacina Sputnik V?
A Sputnik já foi aprovada na Rússia e está sendo usada em vários países, sem nenhum relato de complicações.
A pressão para que a Anvisa pare de atrapalhar o combate à pandemia não é de hoje. Desde o início da pandemia, a postura da agência tem sido resistente com as vacinas. Tanto que o Instituto Butantan quanto a Fiocruz tiveram que pressionar para que a aprovação fosse agilizada.
Agora, é a vez da empresa privada nacional, União Química, produtora da vacina Sputnik V, em parceria com o Instituto Gamaleia da Rússia, vencer as resistências do governo e do órgão para conseguir mais agilidade no processo de aprovação de sua vacina.