Lei criada por Bolsonaro permite que os atiradores comprem até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, como fuzis. Grande parte delas é transferida para a criminalidade, aponta pesquisa do Instituto Sou da Paz
O Instituto “Sou da Paz” mergulhou no universo das armas desviadas e apreendidas no estado de São Paulo por um período de dez anos e concluiu que um grande número de armas legais são transferidas por dia para o mundo do crime. Os achados do estudo “Desvio fatal: Vazamento de armas do mercado legal para o ilegal no estado de São Paulo” refutaram crença de que armas do crime vêm majoritariamente de fora do país.
ARMAS LEGAIS SÃO TRANSFERIDAS DIARIAMENTE PARA O CRIME
Foram analisadas 23.709 ocorrências registradas entre os anos de 2011 e 2020. Neste período, houve uma média de 6,49 ocorrências de desvios por dia, sendo que cada ocorrência pode estar vinculada a uma ou mais armas, elevando a média para 9 armas desviadas por dia em 10 anos. A pesquisa aponta que, além dos traficantes e falsários que pululam neste meio, o crime e as milícias estão sendo abastecidas, na maioria das vezes, com armas compradas legalmente.
Segundo o estudo, os locais com maior número de armas desviadas por vez são repartições públicas (fóruns e delegacias), empresas de segurança privada, bancos e residências de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Esta última categoria foi recentemente beneficiada por iniciativa de Bolsonaro que fez mudanças na legislação e aumentou o tipo e a quantidade de armas que as pessoas podem ter em casa.
A pesquisa identificou um grupo relevante de armas presente nos dois bancos (de desviadas e apreendidas pela polícia). Com este grupo de armas, foi analisado o tempo médio que cada arma fica no crime e a distância que percorre entre a última posse legal e o uso criminal. Um ponto preocupante, evidenciado por esta análise, é que a arma tão logo deixa a posse legal já começa a ser empregada na atividade criminal, às vezes no mesmo dia.
Em até um ano, ao menos 54% das armas foram recuperadas. Ainda entre as recuperadas, 45% das apreensões se deram na mesma cidade do desvio, contrariando a crença de que as armas vêm de fora ou circulam grandes distâncias.
REVÓLVER 38 É O MAIS REQUISITADO POR MILÍCIAS E QUADRILHAS
Os dados comprovaram a ligação entre as armas legais e as ilegais. “Vejamos o exemplo do revólver calibre .38 que há décadas lidera as apreensões do crime. Dezenas de fabricantes produzem esta arma, mas a proporção e ordem das marcas que aparecem entre as desviadas e apreendidas se repetem quase que de forma espelhada. Esses dados derrubam o mito de que a arma do mercado legal não interfere no mercado do crime”, afirma Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.
Outra importante conclusão da pesquisa foi que a maior parte das armas levadas de proprietários legais acontece em contexto de furto (60%), sem uso de violência e muitas vezes sem a presença da vítima, e em segundo lugar roubo (38%). Os meses de dezembro e janeiro, épocas de férias e festividades, momentos onde há mais imóveis vazios e os períodos noturnos são os que concentram mais ocorrências. Somados, estes dados sugerem que os criminosos são atraídos pelas armas que tem grande valor de mercado e preferem atacar locais vazios.
ALTO VALOR NO MERCADO ILEGAL
“Portanto, a arma de fogo que tem alto valor no mercado ilegal acaba funcionando mais como um imã para o criminoso do que como um elemento para afastar o crime, o que refuta a crença de que a arma protege a residência”, comenta Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz e um dos responsáveis pela pesquisa.
“O que a gente descobriu nessa análise é que essa arma que é desviada muitas vezes não demora 24 horas para começar a ter uso criminal”, afirma Bruno Langeani, diretor do instituto. No topo das cinco armas mais apreendidas está o revólver calibre .38, com 42% dos registros. Depois vem a pistola .40, o revólver .32, a pistola .380 e o revólver .22″, acrescentou.
A cruzada de Bolsonaro pelas armas e a anulação das normas de controle de uso, agravaram a situação e fizeram explodir o comércio ilegal de armas no Brasil. No atual governo aumentou de forma expressiva a quantidade de armas legais no país. A lei criada por Bolsonaro permite que os atiradores comprem até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, como fuzis. O número de novas armas de fogo cadastradas pela PF desde que Bolsonaro assumiu foi o mais alto dos últimos 13 anos e de licenças para uso de armas cresceu 325% em três anos, diz o levantamento. Ou seja, Bolsonaro ajudou a abastecer de armas o mundo do crime.
COM BOLSONARO, CADA UM PODE COMPRAR ATÉ 60 ARMAS
Segundo o instituto, as leis e decretos criados pelo governo estão alimentando o crime organizado. “As flexibilizações e perdas de controle no mercado legal interferem diretamente no abastecimento de armas do crime. Portanto, a ampliação do mercado legal e a permissão de que cidadãos comuns tenham acesso a armas mais potentes tem o poder de gerar o mesmo efeito no mercado criminal”, comenta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz.
Além de interromper e reverter a série de flexibilizações de compra de armas realizadas pelo Governo Federal nos últimos anos, o Instituto recomenda que é importante intensificar a fiscalização nos grupos que, mesmo com menos ocorrências, respondem por um maior número de armas desviadas. “É preciso políticas que em primeiro lugar analisem de forma criteriosa quem pode acessar armas de fogo, e, em segundo lugar, atuar na prevenção de desvios, o que ajudará a diminuir a disponibilidade de armas legais no mercado ilegal”, diz Carolina.