Bolsonaro cada dia mais se isola nesse debate que promoveu na sociedade. Hoje, talvez apenas os bolsonaristas acreditam nas mentiras do presidente sobre as urnas eletrônicas
Em conversa, na última quarta-feira (17), com as jornalistas Ana Maria Campos e Denise Rothenburg, do Correio Braziliense, o ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Mário Velloso, garantiu que as urnas eletrônicas são auditáveis.
Velloso é o “pai” do voto eletrônico. Ele idealizou e colocou em prática o sistema que substituiu o voto impresso, em 1996.
“A urna é auditável. Ela pode ser auditada antes, durante e depois [das votações]”, afirmou Velloso, que presidiu o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na época em que implementou o voto eletrônico.
Depois de toda a quizumba que Jair Bolsonaro (PL) criou em torno desse tema, a constatação que se pode chegar agora, é que ele perdeu também nisso. É quase certo que hoje, depois de todos os esclarecimentos fornecidos pelo TSE, que apenas os seguidores do chefe do Executivo acreditam nas falácias difundidas por ele.
MAIS ESCLARECIMENTOS
O ministro aposentado explicou como é feita a auditoria, o que coloca em xeque as alegações feitas pelo presidente de que o voto impresso não é auditável.
Segundo Velloso, o processo para auditar os votos é trabalhoso, uma vez que as urnas eletrônicas não estão ligadas à rede de internet, mas que é absolutamente possível. “Até com um celular é possível fazer a auditoria”, afirmou.
“Tudo depende do software do código fonte, elaborado pelos técnicos do TSE. Ele é elaborado 1 ano antes e fica à disposição do Ministério Público, da OAB, dos partidos políticos, dos pretensos candidatos e dos cidadãos. Pode ir lá, o código vai estar à disposição para conferência”, explicou.
“Cerca de 1 mês antes das eleições é feita uma cerimônia e ele (código fonte) é assinado pelos representantes dessas entidades digitalmente e, no dia das eleições, o presidente da mesa (mesário), que é o cidadão, imprime a ‘zerézima’, que é um boletim que demonstra que a urna tem zero votos”, explicou.
Todo esse procedimento, que pode ser acompanhamento pela sociedade, é feito antes das eleições.
Depois das eleições, Velloso detalha que é impresso o boletim de urna, que é a apuração da urna logo após o encerramento do dia das votações. Esse boletim é impresso em 5 vias, que são entregues aos partidos e outra via é fixada na porta dos locais onde se realizou a votação. Além disso, Velloso garantiu que, se alguém, um cidadão ou um candidato quiser — outra via — “ele pode obter o pendrive”.
URNAS SÃO IMUNES A HACKERS
De acordo com o ex-ministro, as urnas eletrônicas são invioláveis pelo fato de não estarem ligadas às redes, essas são imunes a ataques de hackers. “Hacker não entra. Olha, só entra na urna com martelo, com ela quebrada, porque ela não está na rede”, assegurou.
Velloso ainda contou às jornalistas Denise Rothenburg e Ana Maria Campos, que comandaram o quinto episódio do Podcast do Correio, que a ideia de ter comprovante impresso do voto, assim como defende Bolsonaro, já foi implementada, mas não teve condições de permanecer.
XEQUE-MATE
“As primeiras urnas tinham a ‘urninha’ para o voto impresso, mas não deu certo. Essas impressoras não têm a mesma técnica que os computadores, estão sujeitas a problemas com umidade, calor, frio. Então imagine, essas impressoras seriam acopladas à urna, em lugares como Amazônia ou no Nordeste. Então a partir de 1998 já não existiu mais, porque não deu certo”, esclareceu.
O comprovante impresso do voto também esbarra no Código Eleitoral, que estabelece que o voto é “obrigatório e secreto”. “Você não pode quebrar o sigilo do voto, que é constitucional, que é garantia de independência do eleitor”, reforçou Velloso.
DEBATE TÉCNICO E POLÍTICO
Bolsonaro entrou nesse debate — sem futuro para ele — por ignorância política e técnica. Provavelmente por má-fé. Nos dois argumentos acima, isso fica comprovado.
Tecnicamente falando, o que ele demandava ao TSE, o voto impresso, já havido sido implementado, mas tecnicamente mostrou-se inviável.
No plano político, Bolsonaro demanda o que foi abolido com o incremento da urna eletrônica — a violação do voto secreto.
QUASE 3 DÉCADAS
As eleições brasileiras com urnas eletrônicas irão completar 30 anos. Tudo começou nas eleições municipais de 1996, quando eleitores de 57 cidades tiveram o primeiro contato com a urna eletrônica. Os votos de mais de 32 milhões de brasileiros — um terço do eleitorado da época — foram coletados por cerca de 70 mil urnas eletrônicas.
Dois anos depois, nas eleições gerais de 1998, dois fatos históricos ocorreram. Foi primeira vez em que um presidente da República foi reeleito após a redemocratização do País. E foi também quando o TSE estreou, para todo o Brasil, o moderno sistema de votação no pleito para a Presidência da República — a urna eletrônica —, até então desconhecida em todo o mundo, instrumento responsável por acabar com as fraudes nas eleições.
Na época, a disputa ficou entre Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que venceu o pleito em primeiro turno, na disputa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como ocorrera 4 anos antes.
M. V.