A entrevista concedida pelo governador do Maranhão Flávio Dino (PCdo-B) ao Estadão, hoje (18), revela uma rara clareza e profundidade de análise do quadro político brasileiro sob Bolsonaro.
Não é à toa que Dino, mesmo em um Estado dominado por oligarquias políticas há décadas, conseguiu a proeza de unir amplos setores da sociedade maranhense em torno de um projeto de recuperação econômica e social do Estado por dois mandatos consecutivos.
O último fato – que demonstrou essa capacidade de articulação política, se deu com o deslocamento de seu vice-governador, Carlos Brandão, para o PSDB, partido que o vice passará a dirigir no Maranhão.
Ao analisar os diversos cenários das eleições presidenciais de 2022, Flávio Dino defendeu que “o centro democrático precisa estar junto para vencer a eleição. Se não der no primeiro turno, que seja no segundo”.
Segundo o governador, João Dória (PSDB), Eduardo Leite (PSDB), Luciano Huck (sem partido) e Luiz Henrique Mandetta (DEM) são alguns dos nomes que representam o centro político e que podem estar junto com a esquerda no caso de embate com Bolsonaro no segundo turno. Só assim, de acordo com ele, será possível bater o atual presidente.
Para ele, é “imperioso, a esquerda fazer um movimento na direção dessas forças”, ressaltando que não considera Lula “um obstáculo” para atingir esse objetivo, até porque algo parecido aconteceu no passado, quando o empresário José de Alencar ocupou a vice-presidência da República, havendo uma disposição do ex-presidente de “construir um projeto de nação que olhe para o futuro mais do que para o passado”.
Sobre a importância das forças de centro, foi taxativo: “não acho ruim o centro ter um candidato; pelo contrário, até estimulo. Ter um centro forte é positivo para o Brasil. Ruim é Bolsonaro se reeleger.”
Mas nada melhor do que a reprodução literal do que ele mesmo disse sobre as diversas questões que envolvem o quadro político nacional para a confirmação dessa clareza muito rara nos dias de hoje, mas absolutamente indispensável à definição dos caminhos para a superação da tragédia bolsonarista em curso no país.
MARCO CAMPANELLA
FRENTE AMPLA
“Reafirmo que esse movimento de ampliação, no sentido de falarmos para além da esquerda, é imperativo. Para vencer Bolsonaro é preciso que nós façamos isso. E não vejo o Lula como obstáculo. Em primeiro lugar, porque ele já fez isso em 2002, quando se elegeu presidente com o José Alencar de vice, um empresário liberal que representava um sindicato patronal. E, segundo, porque já mostrou estar disposto a construir um projeto de nação que olhe para o futuro mais do que para o passado. O Brasil de 2022 não é igual ao Brasil de 2002, e espero que possamos estar juntos com o centro democrático para vencer a eleição. Se não der no primeiro turno, que seja no segundo.”
“Nesta eleição, é o bolsonarismo que deve ser batido. Nós temos de nos unir por esse objetivo e acredito que, aos poucos, estamos cicatrizando as feridas de 2018”
“Já houve essa união antes (entre a esquerda e a direita). Em 1989, Mário Covas (ex-governador tucano) apoiou Lula contra Collor. Depois disso veio a polarização entre PT e PSDB, e essa aliança não foi mais possível. Já em 2018, ela deveria ter ocorrido em torno do nome de Fernando Haddad. Não ocorreu, e temos hoje a tragédia que é o governo Bolsonaro. Agora, nesta eleição, é o bolsonarismo que deve ser batido. Nós temos de nos unir por esse objetivo e acredito que, aos poucos, estamos cicatrizando as feridas de 2018.”
“Todos os dias temos visto sinais (de que isso pode acontecer). Veja o caso aqui do meu vice-governador, Carlos Brandão. Tinha sido obrigado a sair do PSDB por me apoiar e foi convidado agora a voltar e a comandar o partido no Maranhão. Essas alianças já ocorreram nas eleições municipais do ano passado. No Pará, por exemplo, Helder Barbalho (MDB) apoia o governo do PSOL em Belém. Em Fortaleza, Tasso Jereissati (PSDB) apoiou Sarto Nogueira (PDT). No Rio, todos votamos contra a reeleição de Marcelo Crivella (Republicanos). As coisas estão andando.”
“Quando me refiro a “nós” quero me referir a esse campo político social ao qual pertenço, que é menos partidário e mais progressista. Defendo lulismo, mas defendo o trabalhismo, todos juntos e com o centro liberal no segundo turno. Se eles passarem, nós apoiamos; se nós passarmos, eles vêm conosco. Não há outra maneira.”
“No fundo, eles (Bolsonaro, etc.) sabem que perdem para o campo democrático unido; Bolsonaro sabe disso”
LULA COMO ADVERSÁRIO IDEAL PARA BOLSONARO
“Isso é um subterfúgio dos bolsonaristas, uma crença que tentam passar para frente. Ou, por acaso, alguém pode pensar que o Lula ou outro candidato do nosso campo possa ser um adversário fácil? No fundo, eles sabem que perdem para o campo democrático unido; Bolsonaro sabe disso. Vem dando sinais cada vez mais claros de que sabe também que a pandemia e a alta na inflação de preços estão corroendo sua popularidade. O povo não acompanha se as ações da Bolsa subiram ou se o câmbio variou. Mas sabe que os preços dos alimentos estão cada vez mais altos, assim como o litro da gasolina. Aí, o que faz Bolsonaro? Joga a culpa em seus ministros ou nos governadores. Nunca assume qualquer responsabilidade”.
ALTERNATIVAS DO CENTRO POLÍTICO
“Acho que esse centro liberal tem um ou dois nomes. É da natureza das coisas haver um candidato nesse campo. Temos muitas diferenças programáticas, o campo deles e o nosso. O papel do Estado, por exemplo, é um deles. Mas, de fato, dialogo muito com muitos partidos. Falo com Luciano Huck, com Rodrigo Maia (DEM-RJ). Agora tenho falado bastante com o governador João Doria por causa da pandemia, e também com Eduardo Leite. Procuro sempre colocar que não podemos excluir pensamentos, mas extrair os melhores. Huck é um homem da mídia, não é um homem da política. Felipe Neto, a mesma coisa. Mas ambos são contrários ao Bolsonaro. Isso não é bom? Claro que é. Se estão dispostos a debater, melhor ainda.”
“Sabe, não acho ruim o centro ter um candidato; pelo contrário, até estimulo. Ter um centro forte é positivo para o Brasil. Ruim é Bolsonaro se reeleger”
OS ERROS E ACERTOS DE MORO
“Não tem ambiente para Moro na política. Ele é uma unanimidade negativa, não conheço mais de dez políticos que o apoiem para ser candidato. Nem sei se ele teria uma legenda para se lançar. Isso é o resultado do conjunto da obra. Ele teve acertos, reconheço, mas muitos erros. Não conheço todos os casos julgados por ele, mas, em relação a Lula, a parcialidade é muito clara. Acredito que o nome a ser apoiado pelo centro deva ficar entre Doria, Huck, Leite ou Mandetta. Sabe, não acho ruim o centro ter um candidato; pelo contrário, até estimulo. Ter um centro forte é positivo para o Brasil. Ruim é Bolsonaro se reeleger”.
CIRO GOMES
“Sob o aspecto programático, certamente ele é mais próximo da esquerda. A visão dele de Brasil o coloca no nosso campo. Eu insisto que é errado excluir o PDT e uma liderança como Ciro Gomes desse processo. Até porque não o vejo como o candidato desse centro, como o candidato da Faria Lima. O ideal seria buscarmos uma aliança já no primeiro turno. Ciro já foi ministro de Lula, eu não fui. Não é possível que desse casamento só sobraram mágoas, tem que ter algum vestígio de amor ali.”
“Ciro já foi ministro de Lula, eu não fui. Não é possível que desse casamento só sobraram mágoas, tem que ter algum vestígio de amor ali”
O PAPEL DO CENTRÃO
“Acho que não dá para dizer que o Centrão vai com Bolsonaro, não. Esse grupo é pendular. O Centrão já esteve com o Lula, com o Michel Temer, com o Bolsonaro. Oscila de um lado para o outro. Para mim, essa turma vai se dividir, só atua em bloco no aspecto legislativo, não eleitoral.”
“Nesse dois primeiros anos de governo Bolsonaro, o que garantiu o mínimo de organização no País foi uma aliança entre os governadores, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal”
A IMPORTÂNCIA DA UNIÃO DOS GOVERNADORES
“Nesse dois primeiros anos de governo Bolsonaro, o que garantiu o mínimo de organização no País foi uma aliança entre os governadores, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Houve, de fato, uma forte atuação dos governadores, que encontrou guarda no Supremo. Foram várias as decisões que nos permitiram agir, especialmente na pandemia. O Congresso, sob Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, também foi muito importante ao assegurar o auxílio emergencial de R$ 600, por exemplo. Agora, muitas coisas são de competência da União. Somos uma federação, não uma confederação, é bom que se diga isso. Os governadores fazem muito, mas não podem fazer tudo”.