MEC e fundo de recursos da pasta viraram ‘caixa de pandora’. Quanto mais mexe, mais problemas aparecem. Discurso bolsonarista de honestidade e austeridade virou fumaça
Análise realizada por equipe do Congresso identificou que em 2020 e 2021 os Estados da Paraíba e do Piauí foram os mais favorecidos, proporcionalmente, considerando o número de municípios, com recursos do programa “Caminhos da Escola”, que destina dinheiro para compra de veículos escolares por meio do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Desde junho de 2020, o órgão está sob comando de Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete do senador licenciado, ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e tem como diretor responsável pelo programa Garigham Amarante, ex-assessor do deputado Wellington Roberto (PL-PB), que é um dos expoentes na Câmara do chamado “Centrão”.
Segundo o relatório divulgado por parlamentares, Paraíba e Piauí foram os dois Estados com maior número de municípios beneficiados, com respectivamente, 63 e 51 cidades. No total, a Paraíba recebeu R$ 15,1 milhões em repasses, e o Piauí recebeu R$ 12,1 milhões.
À medida que os dados do fundo vão sendo mexidos, as irregularidades vão surgindo e explicitando que o discurso de honestidade e austeridade do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) sempre foi da boca para fora. As eleições de outubro se aproximam e a aura de honestidade do Executivo sob o comando de Bolsonaro vai virando um fumação.
CONCENTRAÇÃO DE PRIVILÉGIOS
De acordo com a análise, ao todo, 8,6% dos 5.570 municípios do País foram beneficiados. Nos Estados do Piauí e da Paraíba, o índice foi, respectivamente, de 22,8% e 28,3%.
O recorte leva em consideração o repasse de R$ 155 milhões oriundos do PAR (Programa de Ações Articuladas), que podem ser distribuídos seguindo critérios políticos.
A análise foi feita pelo gabinete compartilhado dos deputados Tabata Amaral (PSB-SP) e Felipe Rigoni (União Brasil-ES), e do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). O fundo passou a ser alvo de suspeitas após a revelação da atuação de pastores evangélicos como lobistas no MEC (Ministério da Educação).
Segundo relato de prefeitos em audiência pública realizada no início do mês, na Comissão de Educação do Senado, os pastores evangélicos Arilton Moura e Gilmar Santos ofereciam favorecimento na obtenção de verbas em troca de propina que variavam de R$ 15 mil a R$ 40 mil e até em bíblias ou barras de ouro.
Mesmo sem cargo, os ditos religiosos tinham livre acesso à pasta e organizavam encontros entre dirigentes do órgão e chefes do Executivo municipal, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo. A Polícia Federal investiga o caso, que motivou a demissão do então ministro Milton Ribeiro no mês passado.
PREFEITURAS DO PP
Além do favorecimento à Paraíba e ao Piauí na compra de ônibus escolares, apontado no relatório dos parlamentares, reportagem de O Globo revelou que dos R$ 4,1 milhões destinados pelo FNDE para a aquisição de caminhões, R$ 3,1 milhões (75%) beneficiaram 14 cidades comandadas por prefeitos do PP, o mesmo partido de Ciro Nogueira, sendo que nove dessas ficam no Piauí.
“Um teste de significância estatística indicou que Paraíba, Piauí e Mato Grosso são Estados favorecidos pelas transferências do FNDE aos municípios. Ressaltamos que Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), é presidente do FNDE desde 1º de junho de 2020; e que Garigham Amarante, ex-assessor de Wellington Roberto (PL-PB), é diretor da Dirae (Diretoria de Ações Educacionais), órgão do FNDE responsável pelo ‘Caminho da Escola’”, explicita o documento dos parlamentares.
“A transferência dessa verba aos municípios apresentou forte relação com o Estado do município, um critério não mencionado de maneira explícita na resolução que trata do atendimento de entes federados via o PAR”, completa o documento dos parlamentares.
EXPLICAÇÕES SOBRE O TEMA
O deputado Felipe Rigoni afirma que os parlamentares devem encaminhar a nota ao MEC para solicitar explicações sobre o tema. De acordo com ele, há indícios de direcionamento de recursos pelo FNDE.
“Chama atenção a queda de recursos no programa e essa concentração para Paraíba e Piauí, não necessariamente os locais que mais precisam. A utilização dos recursos tem que ser algo baseado em critério de necessidade, não parece que isso foi feito. Claro que esses Estados também precisam, mas não necessariamente são os que precisam mais. Há, no mínimo, uma desorganização e, muito provavelmente, um favorecimento político de bases eleitorais”, disse Rigoni.
Rigoni destaca ainda a importância de os recursos destinados à compra de veículos escolares serem feitas de maneira correta:
“O transporte escolar é uma das principais vias de acesso à educação. Não adianta ter uma escola boa, cheia de material, se os meninos não conseguem chegar nela [nessa]. Sem estabelecimento de critérios para transferência de recurso vira simplesmente um repasse de dinheiro e não uma política pública”.
M. V.