O economista critica o artigo de Fernando Haddad que procurou minimizar o papel da adesão de seu partido (PT) ao “tripé macroeconômico” e às políticas de ajustes neoliberais no aprofundamento da desindustrialização e da desnacionalização das empresas brasileiras.
O professor Nilson Araújo de Souza, autor, entre outros, dos livros “Economia Brasileira Contemporânea”, “Teoria Marxista das Crises” e “Ascensão e Queda do Império Americano”, afirmou na quinta-feira (09), em entrevista ao HP, que a indústria brasileira vem sendo destruída desde a implantação das políticas neoliberais do final da década de 1980. Ele destacou que “dentre as medidas impostas ao país, e que agravaram o desmonte industrial, está a chamada abertura econômica (com base na redução das tarifas de importação e na valorização da própria moeda)”.
Numa crítica direta a Fernando Haddad, que recentemente, em artigo na Folha, defendeu que não está havendo uma desindustrialização provocada pelas políticas neoliberais, mas sim um processo natural de substituição da indústria pelo setor de serviços, Nilson avaliou que o ex-prefeito “pretende com essa colocação esconder a responsabilidade dos governos de seu partido, o PT, no processo de desnacionalização e desindustrialização do país”. Nilson rebateu também a afirmação de que o empresariado brasileiro teria sofrido uma forte influência do fascismo no início da industrialização.
O economista levanta dados que mostram que o processo de desnacionalização das empresas e a desindustrialização do país foram acelerados nas administrações do PT. “Segundo a KPMG, enquanto, durante o governo Lula, houve, em média, por ano, 488 fusões e aquisições, sendo que 259 referentes a aquisições de empresas brasileiras por empresas estrangeiras, nos últimos cinco anos do governo Fernando Henrique, haviam ocorrido 316 por ano, sendo 187 adquiridas por grupos estrangeiros”, disse ele.
“Durante o governo Dilma, a pupila de Lula, que havia feito história defendendo o nacional-desenvolvimentismo, quando esteve no PDT sob a liderança de Brizola, acelerou bastante o processo de desnacionalização, desindustrialização e reprimarização da economia brasileira”, acrescentou Nilson Araújo.
“Reforçando esse fato, enquanto no governo FHC o investimento direto estrangeiro no Brasil – outra forma de designar a compra de empresas brasileiras por empresas estrangeiras – foi de US$ 22,4 bilhões por ano, no primeiro mandato de Dilma esse montante se elevou para US$ 63,9 bilhões, quase o triplo”, observou o economista. Confira abaixo a entrevista completa.
S.C.
Hora do Povo – O que você acha da afirmação de Fernando Haddad de que os primórdios da nossa industrialização e o nacional desenvolvimentismo daquela época teriam sido influenciados pelo fascismo?
Nilson Araújo – A matéria do prof. Haddad, para dizer o mínimo, comete uma certa irresponsabilidade, ao afirmar: “O guru dos industriais à época era um fascista romeno, Mihail Manoilescu”. Com isso, pretendia desqualificar o papel da burguesia industrial brasileira e, de rebarba, de Getúlio Vargas no processo de industrialização do país. O livro desse autor, que influenciou não apenas Roberto Simonsen (o industrial brasileiro mais progressista e que liderou o empresariado industrial nascente no projeto nacional-desenvolvimentista implementado por Getúlio Vargas), mas também Raul Prebisch (apesar deste não assumir abertamente essa influência) e, mais tarde, também Celso Furtado (este o assumiu), “Teoria do Protecionismo”, foi publicado em 1929 na Romênia (e no mesmo ano em francês).
O fato de uma década depois, ao final da década de 1930, ter manifestado simpatia pelo fascismo não nega o conteúdo e a importância dessa sua contribuição. Teve uma influência importante na América Latina e no Brasil particularmente porque, ao contestar a teoria das vantagens comparativas e, por conseguinte, do livre comércio dos clássicos da Economia Política (como David Ricardo), recolocou a questão já levantada pelo Marquês de Pombal (ao analisar a calamitosa situação de Portugal após o acordo de livre comércio com a Inglaterra), Alexander Hamilton e Friedrich List de que o livre comércio favorece as nações industriais em detrimento das nações produtores de produtos primários (por ele chamadas de “nações proletárias”), devendo estas, portanto, para se desenvolverem, realizar a industrialização e, para isso, praticar o protecionismo e a ação do Estado na economia, como fizeram o Brasil da era Vargas, a Argentina da era Peron e o México de Cardenas, e já haviam feito os EUA de Hamilton e a Alemanha de List.
HP – Na opinião de Haddad não está havendo desindustrialização no Brasil. Seria apenas uma tendência natural de crescimento relativo dos serviços. “É preciso cautela quanto aos números, contudo. A participação da produção industrial mundial no PIB mundial vem perdendo importância, sobretudo em relação ao setor de serviços, que ganha terreno. Nada a ver, portanto, com desindustrialização”, disse ele. O que você acha dessa avaliação?
NA – Haddad, ao que parece, pretende com essa colocação esconder a responsabilidade dos governos de seu partido, o PT, no processo de desnacionalização e desindustrialização do país. Para isso, embaralha a situação dos países desenvolvidos com a dos países da periferia dependente. É fato que, nos primeiros, como resultado do desenvolvimento, aumenta cada vez mais o peso dos serviços (particularmente os intensivos em tecnologia) e diminui, não necessariamente em termos absolutos, mas em termos relativos o peso da indústria. No caso dos países da periferia dependente, incluindo aí o Brasil, houve, a partir da implementação das políticas neoliberais, no final da década de 1980, que adotaram, dentre outras medidas, a chamada abertura econômica (com base na redução das tarifas de importação e na valorização da própria moeda), um processo de verdadeira dizimação da indústria nacional, e não ser substituída pelos serviços.
Tem sido impossível, para a indústria nacional, competir com a importação subsidiada de produtos manufaturados. Em grande medida, sucumbiu. Muitas das que não fecharam as portas foram absorvidas por grupos estrangeiros. Isso é inegável: a participação da indústria de transformação no PIB, que chegou perto de 30% em meados da década de 1980, hoje mal chega a 11%. E vários setores importantes desapareceram ou foram sucateados. A indústria de máquinas e equipamentos, que chegou a estar no estado da arte nas décadas de 1980 e 1990, vem sendo sucateada.
E os governos do PT contribuíram seriamente para esse resultado nefasto. Lula, quando na oposição, fortaleceu-se politicamente fazendo campanha contra essa política praticada por Fernando Henrique, mas, no fundamental, manteve esse caminho, ou melhor, descaminho, ao chegar ao governo em 2003. A economia continuou sendo desnacionalizada. Seu governo não realizou privatizações, mas o capital privado continuou sendo transferido ao capital estrangeiro, e em proporções maiores do que no governo FHC. Segundo a KPMG, enquanto, durante o governo Lula, houve, em média, por ano, 488 fusões e aquisições, sendo que 259 referentes a aquisições de empresas brasileiras por empresas estrangeiras, nos últimos cinco anos do governo Fernando Henrique, haviam ocorrido 316 por ano, sendo 187 adquiridas por grupos estrangeiros. O mesmo pode ser demonstrado pelos dados de investimento direto estrangeiro, outra forma de designar a compra de empresas brasileiras por empresas estrangeiras: segundo o Banco Central, ingressaram no Brasil, sob essa rubrica, no período Lula, U$ 26,9 bilhões, em média, por ano, ao passo que, no governo FHC, essa cifra foi de U$ 22,4 bilhões.
Além disso, ao manter o “tripé macroeconômico”, prosseguiu a política de valorização da moeda, ao lado das tarifas baixas de importação, e por isso o mercado interno seguiu sendo desnacionalizado. Com isso, prosseguiu o processo de desindustrialização e reprimarização da economia: a participação da indústria de transformação no PIB, que começara a cair na segunda metade dos anos 1980 e manteve essa tendência durante o governo FHC, teve uma ligeira melhora durante os dois primeiros anos do governo Lula para depois manter a tendência de queda: passou de 16,91% em 2003 para 14,96% em 2010. A indústria local fechava as portas porque não conseguia concorrer com produtos importados subsidiados por tarifas baixas e pela moeda valorizada.
Durante o governo Dilma, a pupila de Lula, que havia feito história defendendo o nacional-desenvolvimentismo, quando esteve no PDT sob a liderança de Brizola, acelerou bastante o processo de desnacionalização, desindustrialização e reprimarização da economia brasileira. A participação da indústria de transformação no PIB baixou de 14,96% em 2010 para 11,40% em 2015. Mais empresas privadas brasileiras foram desnacionalizadas por ano do que no governo Fernando Henrique: enquanto neste último haviam ocorrido 316 fusões e aquisições por ano, sendo 187 correspondentes a aquisições de empresas nacionais por grupos estrangeiros, no governo Dilma ocorreram 793, sendo 342 de empresas brasileiras por capitais estrangeiros. Reforçando esse fato, enquanto no governo FHC o investimento direto estrangeiro no Brasil foi de US$ 22,4 bilhões por ano, no primeiro mandato de Dilma esse montante se elevou para US$ 63,9 bilhões, quase o triplo.
HP – O que você acha da ideia de Haddad de que os estudos de FHC da década de 1960 estavam certos e seriam atuais no sentido de que a burguesia industrial prefere se associar ao imperialismo a seguir um caminho independente?
NA – Não é à toa que Haddad, depois de tentar desqualificar o empresariado brasileiro dizendo que este tinha um guru econômico fascista, conclui seu artigo citando Fernando Henrique: “1) os órgãos de classe dos industriais ‘só cuidam dos interesses particulares dos dirigentes quando falam em nome da classe’; 2) aos industriais, individualmente, ‘a ação política possível consiste na participação pessoal no jogo patrimonialista’.”. FHC usou essa impressão sobre o empresariado brasileiro – a de que é patrimonialista e seus órgãos de classe só cuidam de seus interesses particulares – para, no livro com Faletto (“Dependência e desenvolvimento na América Latina”), escrito pouco tempo depois, propugnar que a dependência, ou seja, o domínio crescente da economia pelo capital estrangeiro, promove o desenvolvimento.
Essa posição desconsidera o fato de que Roberto Simonsen, como fundador e presidente por muitos anos da Confederação Nacional da Indústria, teve importante papel na industrialização brasileira e que esta, deflagrada pelo governo Vargas, foi a responsável pelo período de maior desenvolvimento econômico do país, ou seja, de 1930 a 1980, quando o PIB brasileiro experimentou a maior taxa de crescimento no mundo na época. Teria Haddad aderido à tese de FHC de que é o capital estrangeiro que gera desenvolvimento? Ou apenas estaria querendo justificar a prática desnacionalizante de Lula e Dilma?
HP – Você pode comentar a indagação feita por Haddad se “existe uma burguesia industrial brasileira?
NA – Pois é, se depender de Haddad, do seu guru Lula e de seu partido, o PT, e considerando o que fizeram quando estavam no governo (veja resposta à pergunta 2), a burguesia industrial brasileira deve desaparecer, e não para ser substituída pelos trabalhadores, mas pelo capital estrangeiro. Lembram-se do social-desenvolvimentismo de Guido Mantega? O oposto do nacional-desenvolvimentismo da era Vargas. Este se baseava no tripé controle nacional sobre a economia nacional, alavancagem da economia pelo Estado e fortalecimento do mercado interno alavancado pelo salário e os direitos trabalhistas. Foi implementado pelo governo Vargas, que era a síntese, em nível do Estado, de uma aliança implícita entre a burguesia industrial nascente e os trabalhadores (a burguesia contou com apoio do Estado para montar a indústria e os trabalhadores conquistaram os direitos trabalhistas).
Foi um momento decisivo da Revolução Brasileira, cujas bases foram assentadas pelo movimento e o programa de cinco pontos de Tiradentes: independência, república, abolição, industrialização e instrução pública. Juscelino Kubitscheck arranhou bastante esse projeto ao abrir a economia para o ingresso indiscriminado do capital estrangeiro, mas o programa foi retomado com a Reformas de Base de João Goulart, que completaria o processo de construção da nação brasileira. Essas ideias eram tão fortes que, mesmo a ditadura que foi implementada para deter esse processo, teve que manter boa parte dele, particularmente na vigência do II PND de Geisel. Até então, a burguesia industrial cumpriu um papel importante, primeiro nos governos de Vargas e Jango em aliança com os trabalhadores e depois durante a ditadura em aliança subordinada com o capital estrangeiro.
Mas, se a aliança com os trabalhadores possibilitou o mais amplo processo de expansão econômica da história do país (de 1930 a 1980), a aliança com o capital estrangeiro (a partir da emergência da ditadura) foi fatal para ela. Mergulhou o país, a partir de 1981, na crise mais profunda, mais ampla e mais prolongada da história do país, ameaçando, pela desindustrialização em curso, sua própria sobrevivência enquanto classe para ser substituída pelas transnacionais estrangeiras. Em lugar de nos render e, inclusive, até bancar esse processo, como faz o PT na prática e no discurso, devemos entender que aumenta nossa responsabilidade, a responsabilidade das forças revolucionárias e progressistas, em completar a construção da nação brasileira, como pré-requisito para transformações mais profundas em nosso país.
Essa responsabilidade aumenta depois que o PT ajudou a eclodir o ovo da serpente e dele nasceu esse governo proto-fascista, obscurantista, entreguista e anti-trabalho. Para a tarefa de completar a obra de nossos ancestrais de construção da nação brasileira, é imprescindível unir os vários setores do povo, com destaque para os trabalhadores, com os setores remanescentes da burguesia industrial. Ela pode não ter consciência disso, mas sua situação atual, de submissão ao capital estrangeiro e ao seu programa de abocanhar o conjunto da economia nacional, prejudica mais seus interesses do que uma aliança com o povo. De qualquer forma, a tarefa de construção da nação brasileira é uma exigência do desenvolvimento nacional que deve ser encaminhada independente da participação da burguesia. Os principais interessados nessa tarefa são os trabalhadores.
O BC pertence à família Rothschild ?
Não. Mas agora ele está sendo dirigido por servidores dessa família e de outras