O ex-deputado, coronel da reserva da PM e ex-amigo de Bolsonaro afirma que não entende “essa falta de sensibilidade do presidente com relação à morte das pessoas”
O ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), que fez parte do círculo de políticos mais próximos a Jair Bolsonaro por 40 anos, cortou relações com o presidente após sua esposa, Mirta, 56 anos, falecer devido a complicações causadas pela Covid-19.
Fraga é coronel da reserva da PM do Distrito Federal e expoente da bancada da bala enquanto esteve na Câmara.
A morte da esposa afastou Fraga do bolsonarismo e fez a família repensar a postura do chefe do Executivo diante das mortes causadas pela doença.
“Lá em casa todo mundo era ‘Bolsonaro doente’”, relatou o ex-policial militar em uma entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”.
Além de se ressentir com Bolsonaro pela morte da esposa, ele afirma que não entende “essa falta de sensibilidade do presidente com relação à morte das pessoas”.
Fraga diz que bloqueou Bolsonaro no Whatsapp.
Na entrevista, contou que ele e a esposa pegaram Covid juntos, e foram internados também juntos. No entanto, os casos tiveram evoluções diferentes.
“Ela teve pneumonia viral. Ficou 73 dias internada e veio a óbito em virtude do pulmão não ter se recuperado. O sentimento mais comum de todos nós que passamos uma situação dessa é que gostaríamos de ter tido a vacina o mais rápido possível. E a gente sabe que a vacina foi politizada. Esse foi o grande problema. Enquanto se disputava politicamente quem era o pai da criança, a população ficou sem vacina. Com isso, evidentemente, muitas pessoas vieram a óbito porque não tiveram a oportunidade de se vacinar”, disse.
Segundo o ex-parlamentar, mesmo enxergando a necessidade da vacina, Bolsonaro não quis dar o braço a torcer. “Bolsonaro quando percebeu que havia a necessidade da vacina não quis dar o braço a torcer. Porque o mérito ficaria para o Doria (governador de São Paulo). Isso fez com que as coisas se complicassem mais”, observou.
Ao ser questionado sobre sua posição quanto à pandemia antes de ser infectado, comentou que sempre achou a vacina algo importante. “Eu disse algumas vezes que a economia se recuperava. As vidas não. Isso fez com que, em diversas situações, eu fosse me decepcionando com algumas posturas”.
Fraga contou que não se afastou de Bolsonaro assim que a esposa adoeceu. Os dois chegaram a trocar mensagens sobre a saúde dela. “Conversamos algumas vezes, principalmente nas madrugadas. Ele acorda cedo mesmo. Eu expliquei para ele a situação da minha esposa e a minha situação”, explicou.
Bolsonaro não chegou a ir no enterro da mulher do amigo. Fraga comentou que, se ele tivesse ido, teria dado problema. “Até porque se ele fosse, ia dar problema. Muita gente na família ficou com raiva dele”, afirmou.
“Em hipótese alguma eu posso culpar o presidente pela morte da minha mulher. Nunca insinuei isso, mas achei por bem me afastar, não romper. Sempre fui amigo do Jair Messias Bolsonaro. Nunca fui amigo do presidente”, avaliou.
O ex-deputado lembrou a morte do senador Major Olimpio, em março deste ano, para comentar a postura de Bolsonaro diante das mortes pela covid.
“Tudo começou com a morte do (senador) Major Olimpio (em decorrência da Covid-19). Os filhos até se solidarizaram. Mas ele foi incapaz de dizer uma palavra. Ali ele já mostrou insensibilidade. Deus foi tão bondoso com ele (Bolsonaro) que ele não teve nenhuma perda. Os que tiveram têm uma visão diferenciada dessa questão”, recordou.
Fraga também fez críticas ao governo e avalia que o impeachment é possível caso haja “algum tipo de esgarçamento na relação entre o Centrão e Bolsonaro”.
Ele diz que Bolsonaro deveria ter usado as manifestações de 7 de setembro para passar uma imagem positiva. “Não gostei do discurso do presidente. Exagerou na dose. Pronunciou coisas que era impossível de realizar. Pedir para Fux [presidente do (STF) Supremo Tribunal Federal] tirar Alexandre de Moraes… Isso não existe”, apontou.
O ex-parlamentar afirmou ainda que “não existe a menor chance de as polícias se insurgirem”, algo que foi preocupação nas vésperas do Dia da Independência.
Fraga também critica os auxiliares de Bolsonaro.
“Bolsonaro escolheu muito mal seus conselheiros. Tem um general aí que está mais para puxassaco do que para ser conselheiro de governo. O presidente precisa se cercar de pessoas que falem: “isso vai dar errado”, comentou.
“Eu acho que ele [Bolsoanro] não gosta de ser contrariado, e aí é que vem o problema. Ninguém é dono da verdade. E todo mundo sabe que esse (general Luiz Eduardo) Ramos só diz “não, senhor” e “sim, senhor”. Gastou bilhões para consolidar uma base e não conseguiu (foi Ramos quem criou o orçamento secreto, pelo qual Bolsonaro trocou emendas por apoio). O presidente precisa se cercar de pessoas com visão de política, que não pensem pequeno”, declarou.
A amizade entre os dois começou em 1980, ano em que ambos frequentaram a Escola de Educação Física do Exército, no Rio. Após a saída da escola, os dois se tornaram deputados e sentavam lado a lado. Já quando o colega se tornou chefe do executivo, Fraga o encontrava com frequência no Palácio da Alvorada.