Para o cientista político, Bolsonaro fez apenas recuo tático, a fim de “desorganizar os adversários” e “dar uma resposta a setores da economia, à população e ao presidente da Câmara, o único que pode dar andamento ao impeachment”
Em entrevista concedida, no sábado (11), ao jornal O Estado de S. Paulo, o cientista político e professor da USP (Universidade de São Paulo) André Singer, disse que é preciso criar uma frente ampla pelo impedimento de Bolsonaro. Todavia, segundo ele, “falta é tempo para que amadureça e resulte em um grande movimento popular a favor do impeachment e da democracia”.
Nem a sinalização de recuo do presidente, na última quinta-feira (9), deve bastar para conter esse processo.
Segundo Singer, que foi porta-voz da Presidência da República no governo Lula de 2003 a 2007, a situação atual pode ganhar contornos de movimento unificado similar às Diretas Já, que atraiu forças antagônicas em torno da defesa de eleições nos anos 1980.
Singer cunhou nova definição para nomear a marcha do governo Bolsonaro corrosiva à democracia: “autocratismo de viés fascista”.
RECUO TÁTICO
Na compreensão de Singer, a “nota publicada pelo presidente faz parte de uma estratégia adotada desde o começo do mandato de ora avançar, ora recuar.”
“Ele tem uma capacidade que não se previa de jogar em diversas dimensões: na institucional, na mobilização de massa, que demonstrou na [última] terça-feira [7], e com alianças partidárias com uma liberdade inesperada”, acrescentou.
Ao afirmar que a divulgação da nota redigida pelo ex-presidente Michel Temer não foi recuo, ele explicou, segundo a compreensão dele, que a iniciativa teve dois objetivos: primeiro, “causar confusão, desorganizar adversários e a sociedade, que estão entendendo que este processo precisa ser parado”, e segundo, “dar uma resposta a setores da economia, à população e ao presidente da Câmara, o único que pode dar andamento ao impeachment”.
IMPACTO DO 7 DE SETEMBRO
Para o professor e cientista político, os movimentos que redundaram nas manifestações de 7 de setembro fizeram aumentar “o número de forças políticas que percebem que o único recurso disponível na Constituição para parar este processo autoritário é o impeachment”.
“Crime de responsabilidade está nítido que foi cometido. No entanto, depende também do presidente da Câmara [Arthur Lira (PP-AL)] e de votos no Congresso. Neste momento nenhuma das duas condições são satisfeitas. Até aqui a Câmara mostra conivência implícita com o que está ocorrendo”, afirmou.
12 DE SETEMBRO SEM O PT
Sobre as manifestações convocadas, inicialmente pelo MBL (Movimento Brasil Livre), depois ampliadas para o centro, centro-esquerda e esquerda, mas neste primeiro momento sem a participação do PT, Singer entende que a “frente democrática é possível, necessária e tendo a achar que vai acabar ocorrendo. Já está em curso.”
“Um exemplo é o fato de que, depois de longo tempo, Fernando Henrique Cardoso se encontrou com Lula e declarou voto nele se houver disputa com Bolsonaro. No entanto, a manifestação deste domingo talvez não conte com todas as forças possíveis dada a maneira como foi convocada, em certo momento sob o lema ‘nem Bolsonaro nem Lula’”.
“Os dirigentes devem perceber que é preciso compromisso com aquilo que unifica as forças: a defesa da democracia, que no caso específico é o impeachment, eleições com urna eletrônica e respeito ao resultado. Guardadas as bandeiras que unificam, as demais devem ser livres. Só assim poderá haver uma frente ampla em que as pessoas sabem porque estão unificadas e o que as dividirá no momento seguinte, que é o eleitoral.”
DOIS LIVROS IMPORTANTES
Singer é autor de dois importantes livros para entender os governos Lula e Dilma. O primeiro, Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador, retrata os dois mandatos do ex-presidente Lula de forma crítica e profunda, em que o autor que cunhou o termo “lulismo” chama à atenção para o fato de o PT ter sido um “partido reformista forte” até a eleição de Lula, em outubro de 2002. E a partir daí e ao longo dos dois mandatos (2003-2006) e (2007-2010) ter se transformado num “partido reformista fraco”.
Em “Os sentidos”, Singer explica o realinhamento eleitoral que decorreu do “lulismo”, em que parcelas expressivas do eleitorado pobre, que ele chama de “subproletariado”, adere ao chamado “petismo”, sobretudo no segundo mandato de Lula.
No segundo, O lulismo em crise – um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016), Singer aborda as razões do declínio da ex-presidente Dilma Rousseff, que segundo ele, se deu por erros crassos cometidos no primeiro mandato, que fez com que até apoiadores a abandonassem no segundo, interrompido por impeachment em 17 de abril, quando o plenário da Câmara autorizou a abertura do processo de impedimento por 367 votos a favor, 137 votos contra e 7 abstenções.