“O respeito a decisões judiciais é pressuposto do Estado Democrático de Direito”, alertou Fux. “Se houver descumprimento será crime de responsabilidade”, dizem juristas
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, rebateu na terça-feira (8), a provocação do líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), que, um dia antes apregoou o desrespeito à Constituição, dizendo que “chegará o momento em que as determinações do STF deixarão de ser cumpridas”.
“O respeito a decisões judiciais é pressuposto do Estado Democrático de Direito”, alertou Fux, em sua resposta ao parlamentar. A ameaça de Barros segue o mesmo script dos desatinos de Bolsonaro. Por diversas vezes o capitão cloroquina, em sua cruzada a favor da expansão do coronavírus, ameaçou o STF por conta das decisões da Corte em defesa das medidas sanitárias de combate a pandemia.
No último dia 5 de junho, já sob pressão da CPI da Pandemia, Bolsonaro voltou a ameaçar se sobrepor à Suprema Corte por meio de um decreto que poderia barrar medidas restritivas severas para a contenção da covid-19 nos estados. O STF já decidiu mais de uma vez que estados e municípios têm competência para definir ações para enfrentar a pandemia no âmbito local.
O líder do governo Bolsonaro atacou os ministros do STF porque a Suprema Corte obrigou o governo a respeitar a Constituição e realizar o censo demográfico em 2022. Ele já havia sido adiado em 2020 por conta da pandemia e depois foi cancelado em 2021 por corte de verbas por parte do governo.
“O Judiciário vai ter que se acomodar nesse avançar nas prerrogativas do Executivo e Legislativo. Vai chegar uma hora em que vamos dizer (para o Judiciário) que simplesmente não vamos cumprir mais. Vocês cuidam dos seus que eu cuido do nosso, não dá mais para simplesmente cumprir as decisões porque elas não têm nenhum fundamento, nenhum sentido, nenhum senso prático”, disse o deputado bolsonarista.
Barros é o mesmo que há alguns dias, em completo descompasso com a realidade, disse que a situação do Brasil na pandemia é ótima e confortável. “Então, a nossa situação não é tão crítica assim. Comparada a outros países, é uma situação é até confortável”, avaliou o deputado. Ao contrário do que o bolsonarista diz, o Brasil está vivendo uma tragédia sanitária. Aproxima-se dos 500 mil mortos por Covid-19, é o segundo país do mundo em número absoluto de mortes e, por conta da sabotagem de Bolsonaro às vacinas, só imunizou efetivamente 11% de sua população até agora.
Para especialistas, um descumprimento deliberado, no âmbito do governo federal, pode ser enquadrado como crime de responsabilidade, o que ensejaria um processo de impeachment. “Caso haja um descumprimento expresso por parte do presidente ou ministro de Estado, qualquer cidadão pode peticionar junto à Câmara para a abertura de processo por crime de responsabilidade”, disse Vladimir Feijó, professor de Direito Constitucional da Faculdade Arnaldo.
Paulo Henrique Blair Oliveira, professor de Direito Constitucional da UnB, ressalta que o Judiciário também pode intervir no órgão para obrigar o cumprimento. “Quando se diz que é para ter o censo e a autoridade, em tese, se recusa, você tem a possibilidade de intervenção federal sobre o órgão que o realiza. Existem consequências também penais. Existe o crime de desobediência. Em tese, uma pessoa que se recusa, sem justo motivo, a descumprir ordem judicial, é sujeita a inquérito”, disse.
Para o procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, a ameaça de Ricardo Barros é preocupante. E ainda mais grave por ser feito no contexto de crítica ao censo, pesquisa que pode melhorar a compreensão e a oferta de serviços públicos. “Ele fala de uma sociedade em que não se cumpre decisão da Justiça. Isso é um princípio fulcral da nossa Constituição, o da separação dos Poderes. Tem que ser cumprida. É um pacto social que foi estabelecido há séculos. Essa pregação significa o desmantelamento da essência do contrato social, nos conduz à selvageria”, frisou.