A quebra do sigilo telefônico da diretora da Precisa Medicamentos, Emanuela Batista de Souza Medrades, mostra que ela ligou ao Departamento de Logística do Ministério da Saúde para um capitão da Marinha que trabalha no Ministério da Defesa, antes das tratativas oficiais e antes do escândalo vir a público, como também ao senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), ardoroso defensor, na CPI da Covid, do tratamento precoce apregoado por Bolsonaro.
A Precisa Medicamentos foi a empresa que atuou como atravessadora na venda de 20 milhões de doses de Covaxin para o governo brasileiro. Nessa compra, a Precisa falsificou documentos e tentou, com ajuda de membros do governo Bolsonaro, pedir pagamento adiantado de US$ 45 milhões.
Segundo o Ministério da Saúde, a negociação com a Precisa Medicamentos começou em uma reunião realizada no dia 20 de novembro.
Entretanto, a quebra de sigilo de Emanuela, determinada pela CPI da Pandemia, mostra que ela ligou para o número fixo do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, que era comandado por Roberto Dias, no dia 4 de novembro.
Roberto Dias foi quem pressionou o servidor concursado Luis Ricardo Miranda, da divisão de importações do Departamento de Logística, a assinar uma invoice (nota fiscal internacional) que pedia pagamento adiantado para uma empresa que não era sequer citada no contrato e que é sediada em um paraíso fiscal.
Luis Ricardo Miranda suspeitou, pelo comportamento de seus superiores e pelas irregularidades na invoice, que estava diante de um caso de corrupção e levou a denúncia até Jair Bolsonaro. Bolsonaro preferiu acobertar seus aliados.
No relatório de quebra de sigilo telefônico, obtido pela Folha de S.Paulo, constam ainda quatro ligações para o senador Luiz Carlos Heinze, que defende o governo Bolsonaro e o uso de cloroquina na CPI da Pandemia, e oito para o capitão da Marinha, Leonardo José Trindade de Gusmão, que é gerente no Ministério da Defesa.
Emanuela Medrades fez quatro ligações para Luiz Carlos Heinze no dia 18 de abril, cinco dias depois da criação da CPI da Pandemia.
Heinze era suplente da CPI, mas com a ida de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil, ele assume uma cadeira na Comissão. Durante as reuniões, suas falas são sempre no sentido de negar que existam irregularidades nos contratos do governo Bolsonaro e que os cientistas estão errados ao falar que a cloroquina não funciona no tratamento de Covid-19.
Quando das ligações entre Emanuela e Heinze, o escândalo da compra da Covaxin ainda não era público. O caso só passou a ser discutido na CPI da Pandemia em junho, quando o servidor Luis Ricardo Miranda relatou ter sofrido pressão de seus superiores e sua denúncia ter sido ignorada por Bolsonaro.
Procurado pela Folha, Heinze disse que não se lembra da ligação com a diretora da Precisa Medicamentos.
Emanuela também realizou oito ligações, entre os dias 22 e 23 de junho de 2020, para conversar com o capitão da Marinha Leonardo Gusmão, que é gerente do Departamento de Promoção Comercial do Ministério da Defesa.
O Ministério da Defesa não quis comentar o assunto.
A empresa irmã da Precisa Medicamentos, a Global Medical Supply, deu um golpe de R$ 20 milhões no Ministério da Saúde, porque não entregou os preservativos para os quais recebeu o pagamento adiantado.
Na época, o ministro da Saúde era Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados.