O governo Bolsonaro irá incinerar 3,7 milhões de itens, entre vacinas, testes de diagnóstico e medicamentos que deixou vencer sem distribuir aos postos e unidades de Saúde do país. Os itens são avaliados em R$ 243 milhões expiraram.
Os itens serão encaminhados para o cemitério de insumos do SUS, no centro de distribuição logística do Ministério da Saúde, em Guarulhos, São Paulo.
Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, entre os insumos que serão incinerados estão 820 mil canetas de insulina, avaliadas em R$ 10 milhões, e que seriam suficientes para atender 235 mil pacientes diabéticos durante um mês. Durante o governo Bolsonaro, também foram perdidas frascos de 12 milhões de doses de vacinas contra gripe, BGC, hepatite B, e de outras doenças.
Também estão guardados pelo Ministério da Saúde aproximadamente R$ 345 mil em itens de programas de DST/Aids, como testes de diagnósticos; R$ 620 mil em insumos de prevenção da malária; e 24 mil frascos-ampola de metotrexato, usado para tratamentos contra câncer, que inclusive foram cobrados por atraso na entrega para o governo da Bahia em agosto.
No meio da pandemia da Covid-19, o governo Bolsonaro também perdeu cerca de 2 milhões de exames RT-PCR para diagnóstico da doença, avaliados em mais de R$ 77 milhões. A fabricante dos testes fez uma doação de exames da Covid novos à Saúde para repor o estoque vencido, mas o intervalo e a burocracia até a chegada do produto fizeram cair a entrega dos exames ao SUS.
De acordo com a reportagem da Folha, os postos de saúde brasileiros registram falta de alguns dos itens, que seriam utilizados para o atendimento de pacientes do SUS com hepatite, câncer, Alzheimer, Parkinson, esquizofrenia, tuberculose, problemas renais, transplantados e outras doenças, inclusive raras.
No almoxarifado do Ministério há um frasco-ampola do medicamento nusinersera, que custa cerca de R$ 160 mil, e 908 frascos de eculizumab, avaliados em R$ 11,8 milhões. Os dois são os medicamentos usados nos tratamentos mais caros que existem.
Também estão no estoque:
- R$ 49,59 milhões em vacinas;
- R$ 32,99 milhões em medicamentos comprados por ordem judicial;
- R$ 17,72 milhões de medicamentos excepcionais;
O deputado Luis Miranda (DEM-DF), que também teve acesso aos dados, fez questionamentos ao Ministério da Saúde sobre o volume de material desperdiçado. Para o deputado, que denunciou suspeitas de irregularidades na compra da vacina Covaxin à CPI da Covid, os medicamentos vencidos são ainda mais preocupantes.
“A conduta é um escárnio com a saúde do Brasil. Medicamentos e recursos públicos, que poderiam salvar vidas, estão apodrecendo. Qual a razão para a compra desses medicamentos não utilizados? Qual o motivo de mantê-los armazenados depois de vencidos? Enriquecer empresas?”, disse. Para o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, o estoque é desproporcional. “A situação é gravíssima e precisa ser apurada. Pode derivar não só de má gestão, mas ser ato de improbidade.”
Representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Wagner Gastão afirma que o volume de insumos vencidos é sinal de “degradação e desmonte” do ministério. “É uma máquina complexa, mas a história do ministério não é essa. Sempre há produtos vencidos, mas tem de ser algo residual, senão é indicador grave de ineficiência”, afirma Gastão.
O ministério ainda guarda 2,2 milhões de exames sem validade para o diagnóstico de dengue, zika e chikungunya, todos vendidos pelo laboratório público Bahiafarma. Estes lotes custaram cerca de R$ 60 milhões e foram interditados em 2019 por ordem da Anvisa. A Saúde não informou se pediu ressarcimento ou reposição destes exames.
Com isso, ao todo, os testes de diagnóstico sem validade respondem por cerca de 60% (R$ 140 milhões) do valor dos insumos vencidos.
O diretor do Departamento de Logística (Dlog) da Saúde, general da reserva Ridauto Fernandes, afirmou que a perda de validade de produtos “é sempre indesejável”, mas ocorre “em quase todos os ramos da atividade humana”. Ele afirmou que “não pode comentar” sobre o estoque.
“Em supermercados, todos os dias, há descarte de material por essa razão”, disse o general. “Nos esforçamos para que isso não ocorra”, completou.
Área que atua na ponta da linha da gestão dos insumos, o Dlog ficou sob comando de Roberto Dias, durante a maior parte do governo Bolsonaro. Ele só foi exonerado em 29 de junho, após o cabo Luiz Paulo Dominghetti afirmar que recebeu de Dias cobrança de propina para destravar a venda de vacinas.
Em alguns casos, como de falha do produto ou quando ele é fornecido com validade curta, o governo consegue repor parte do estoque vencido por acordos contratuais com as fabricantes, mas a operação pode atrasar os tratamentos.
Mas há situações de prejuízo total aos cofres públicos e aos pacientes, como no caso das canetas de insulina. Apesar da alta demanda, a Saúde não entregou e vai incinerar cerca de 20% da compra de estreia deste produto no SUS, feita em 2018.