Medida autoriza o BC a comprar – com dinheiro público – as carteiras bichadas dos bancos
Os senadores da República não estão dispostos a aprovar o artigo 115 – § 9º da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 10, de 2020, enviada pelo governo ao Congresso Nacional e aprovada em tempo recorde na Câmara Federal. O artigo, segundo alguns senadores, abriria as portas para que o Banco Central, a pretexto de combater a crise, acabe beneficiando os bancos com a compra descontrolada de seus títulos.
Por esse motivo a votação da “PEC da Guerra” no Senado foi adiada.
Com exceção de Jair Bolsonaro, que insiste em defender a volta imediata ao trabalho, independente de quantos brasileiros vão morrer por conta dessa estupidez, os parlamentares de quase todos os partidos políticos defendem que o governo aumente os gastos públicos para garantir a sobrevivência das pessoas durante a quarentena e o distanciamento social.
A polêmica com o governo é sobre o ritmo lento de liberação quando é para atender o povo e a extrema agilidade quando o objetivo é “dar liquidez ao sistema financeiro”.
Três semanas se passaram até que os primeiros R$ 600 aprovados pelo Congresso começassem a pingar nas contas dos trabalhadores informais e autônomos. Se dependesse do governo, esse valor seria de apenas R$ 200. Mas, para os bancos, já no dia 23 de março, Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, anunciaram um conjunto de seis medidas com uma “ajuda” suculenta ao setor. O chamado “pacote de liquidez”. Essas medidas juntas, segundo alardeou o próprio governo, disponibilizaria R$ 1,2 trilhão (16,7% do PIB) para “garantir a saúde financeira dos bancos”.
Só uma dessas medidas anunciadas pelo governo, a autorização para que o Banco Central empreste dinheiro aos bancos tomando Letras Financeiras (LF) como garantia, o governo libera cerca de R$ 670 bilhões para as instituições financeiras.
Os deputados e senadores querem que o dinheiro vá para salvar vidas, para garantir a renda da população mais pobre, para os informais que precisam fazer a quarentena, e para as empresas produtivas que não demitirem. Assim o país poderá construir mais leitos de UTI e mais vidas serão salvas. Com os recursos liberados, as pessoas poderão se proteger em casa e a roda da economia poderá seguir girando. Só assim o país conseguirá enfrentar a crise.
Mas, o que vemos é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto e Paulo Guedes, defendendo a abertura dos cofres públicos sim, mas para abastecer rápida e prioritariamente os bancos.
Todos os segmentos sociais querem que o país use os recursos públicos para salvar vidas e para impedir a catástrofe econômica. Economistas de todas as tendências econômicas estão defendendo o aumento dos gastos públicos. Seja através da Conta Única do Tesouro – que tem em caixa 1,35 trilhão de reais – seja emitindo dinheiro, ou mesmo aumentando a dívida pública junto ao BC. Tudo é válido para garantir a vida, a renda, os salários, o funcionamento das empresas e o atendimento de todas as necessidades mais urgentes do sistema de saúde para o enfrentamento da pandemia.
Entre os que defendem essa saída – da emissão de moeda – estão economistas como Raul Veloso, Bresser Pereira, os keynesianos, os neoliberais, os economistas de esquerda, e, mais recentemente, até o ex-presidente do Banco Central do governo Lula, Henrique Meirelles, advogou a medida.
Roberto Campos Neto, presidente do BC, reclamou dizendo que é contra qualquer ampliação da base monetária. Ele criticou a defesa que Henrique Meirelles, atual Secretário da Fazenda do governo Doria, fez, na quarta-feira (08), em entrevista à BBC, da emissão de moeda pelo Banco Central para fazer frente aos gastos emergenciais. Segundo Meirelles, essa medida, neste momento, é a melhor porque não é inflacionária e nem aumenta o endividamento público junto ao mercado financeiro.
O presidente do BC usou a velha cantilena de seu avô [Roberto Campos], de que não pode haver ampliação da base monetária porque isso seria inflacionário. Só uma mente geneticamente doentia como a sua pode alardear ameaça de inflação numa economia que está estagnada e caminha para a recessão, como a brasileira. A emissão de moeda numa economia em recessão, que tem grande capacidade ociosa, estimula a ocupação dessa capacidade ociosa e não causa inflação.
Roberto Campos, assim como Paulo Guedes, tiveram que parar de falar em ajustes. Eles não conseguem mais ser contra aumentar os gastos públicos. Eles defendem que o estado gaste sim, e gaste muito dinheiro, mas não com o povo ou com as empresas produtivas do país, mas sim com os bancos. O objetivo central dessa gente é usar os recursos do Tesouro para capitalizar os bancos.
O “plano” dos picaretas é dar base constitucional para a ampliação ainda maior da injeção de recursos públicos no mercado financeiro. Esse objetivo seria alcançado através da compra de títulos privados no mercado secundário. E é exatamente isso o que eles embutiram no polêmico artigo 115 § 9º da PEC 10/2020.
Confira o que diz o Artigo 115 §º 9º da PEC 10/2020: “O Banco Central do Brasil, limitado ao enfrentamento da referida calamidade, e com vigência e efeitos restritos ao período de duração desta, fica autorizado a comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional, e direito creditório e títulos privados de créditos em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos”.
O que são os mercados secundários? Quem nos explica são os economistas Eduardo Moreira e Maria Lucia Fatorelli, no artigo “Bancos aproveitam crise e tentam introduzir armadilha na Constituição”, publicado nesta quinta-feira (09) no jornal Monitor Mercantil. “Mercado secundário é mercado de balcão! Negociação por telefone! Nenhuma regulação! Nenhuma supervisão! Sem referências de preços dos ativos (como acontece, por exemplo, numa bolsa de valores onde existe transparência e consolidação das melhores ofertas de compra e de venda). Em momentos de crise, esta falta de referência fica ainda mais grave”, dizem os dois economistas.
“Cabe observar”, prosseguem os economistas, “que o artigo 164 da Constituição já autoriza o BC comprar e vender títulos do Tesouro Nacional. A novidade aqui é a atuação do Banco Central em mercados secundários, inclusive internacionais que operam em dólar”. “Na prática, o Banco Central junta-se aos especuladores utilizando dinheiro público para isso. O que pode custar bilhões aos cofres públicos que se reverterão em lucros para os bancos”, advertem Maria Lúcia e Eduardo Moreira.
Em reunião com senadores para defender sua proposta, Campos Neto acabou abrindo o jogo sobre quais são as suas reais intenções. Ele disse que essa medida é necessária porque o governo tem que dar as garantias ao sistema financeiro. “Esta ferramenta para o BC representa uma garantia de que o crédito chegará ao tomador final”. “Diante da crise”, disse ele, “a experiência internacional indica que governo e bancos centrais precisam tomar parte do risco do mercado de crédito”.
O governo tem que dar garantias para os negócios arriscados dos bancos, ou seja, se ganhar, quem ganha são os bancos, que aliás vêm obtendo lucro recordes nos últimos anos, mas, se perderem, que perde é o Tesouro Nacional. Simples assim.
Ou seja, como dizem os economistas contrários a essa medida pró-bancos, o que Campos Neto defende é que o Banco Central possa usar recursos públicos, do Tesouro Nacional, para comprar títulos privados de difícil recebimento, os populares “títulos podres”.
Depois de venderem seus títulos podres e encherem seus cofres com dinheiro púbico, eles não emprestarão para as empresas produtivas em dificuldades ou aos cidadãos que precisarão como nunca de crédito. Isso, aliás, já está acontecendo.
As elevações das taxas de juros, denunciadas recentemente por empresários que solicitaram crédito, mostram bem como se comportam os bancos durante a crise.
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) Marcelo de Souza e Silva, afirmou que a entidade já realizou uma sondagem junto aos associados para checar se eles realmente estão sendo beneficiados com as linhas de crédito que foram anunciadas pelo governo. “E, até agora, não”, pontuou.
“Está na hora de as nossas instituições do sistema financeiro, que no Brasil lucram como em nenhum outro lugar do mundo, darem uma real contribuição ao país neste momento de crise”, cobrou o empresário.
SÉRGIO CRUZ