Corte nas verbas do estudo mostra o descaso do governo com os rumos do combate à pandemia no Brasil
O Ministério da Saúde não renovou o financiamento para o custeio do estudo epidemiológico da Covid-19 coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A pesquisa é considerada essencial para a tomada de decisões por parte do Poder Público.
A Epicovid-19 realiza o levantamento do percentual de pessoas com anticorpos para o coronavírus em todo o Brasil e avalia a velocidade de expansão da doença no país. O investimento, para as três primeiras fases da pesquisa, foi de R$ 12 milhões. Mas, segundo o reitor da UFPel, Pedro Hallal, o governo não pretende renovar o custeio pois “não gostaram dos resultados”.
“A gente sabia que não iam financiar mais. Na coletiva da divulgação, o secretário falou na possibilidade, mas a gente notava que não iam renovar. Não gostaram dos resultados. Nossa interpretação isenta incomodou”, disse Pedro Hallal.
A pesquisa feita pela UFPel foi realizada em três fases. Em cada etapa, foram entrevistados moradores de 133 municípios espalhados por todos os estados do Brasil. As cidades escolhidas são as maiores de cada uma das regiões intermediárias do país, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Foram entrevistadas quase 90 mil pessoas.
Conforme Pedro Hallal, o contrato inicial previa as três primeiras fases, que foram concluídas no início deste mês. Depois disso, a pasta não demonstrou interesse em avançar para novas etapas do estudo.
“Completamos as três fases, o projeto foi concluído. O que o Ministério poderia fazer, que seria razoável, era continuar e fazer mais fases da pesquisa. Infelizmente, parece que o Ministério não está interessado, porque não nos procurou mais. Embora a gente tenha manifestado o quanto era importante seguir em mais fases da pesquisa”, explica Hallal.
A terceira fase da pesquisa mostrou que, em dois meses, aumentou a prevalência do coronavírus em um grupo de cidades analisadas: de 1,9% (fase 1 da pesquisa entre 14 a 21 de maio) para 3,8% (fase 3, que ocorreu de 21 a 24 de junho). No mesmo período, o distanciamento social caiu de 23,1% para 18,9%.
“Os resultados, inclusive, foram bastante elogiados pelo Secretário-Executivo do Ministério [Elcio Franco]. Os artigos estão sendo publicados em uns dos melhores periódicos científicos do mundo, estão em avaliação e serão publicados. Não existe nenhuma razão científica que justifique a não continuação do financiamento. Agora, se existe alguma outra razão, nós desconhecemos”, aponta o reitor.
FINANCIAMENTO
A UFPel, agora, busca novas formas de financiamento para dar sequência às próximas fases da Epicovid. Conforme Hallal, já existem negociações com instituições de pesquisa e iniciativa privada, para evitar que o estudo seja afetado.
Ainda não há uma previsão para a retomada das próximas etapas, já que os pesquisadores aguardam pelas negociações.
“É uma coisa muito triste para o Brasil, tu ter o maior estudo epidemiológico do mundo sobre coronavírus e o estudo parar no meio por falta de financiamento. Acho que é um pouco do retrato de como o país trata a ciência e tecnologia”, afirma Hallal.
O reitor acredita que a pesquisa deveria acontecer durante todo o decorrer da pandemia. “Não faz sentido tu parar a pesquisa no meio da pandemia, como se fosse um filme que ficou incompleto, então, exatamente por isso, vamos buscar apoio em outras instituições de pesquisa, junto à iniciativa privada, porque a Epicovid não pode parar. A população brasileira precisa desses dados, vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para manter a pesquisa acontecendo”.