A participação do governo Bolsonaro na Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP26) foi um vexame diante da destruição ao meio ambiente que vem promovendo no Brasil e ficou distante dos debates sobre soluções para o clima. O evento aconteceu em Glasgow, na Escócia.
Bolsonaro nem foi à conferência e preferiu fazer turismo na Itália.
O Brasil ficou dividido em dois pavilhões, separados por dois corredores de distância, e sem eventos conjuntos do governo federal com a sociedade civil organizada. Foi a primeira vez que isso aconteceu.
Nos eventos oficiais os discursos utilizaram à exaustão o termo “Brasil real”, como ocorreu nos pronunciamentos do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Era para tentar descredibilizar aqueles que denunciam o descaso do governo Bolsonaro para a preservação ambiental.
Perguntas do público não foram aceitas e uma coletiva de imprensa foi realizada em uma sala restrita para até dez pessoas.
Segundo a comunicação do governo para os jornalistas na COP, esse procedimento ocorreu para evitar tumultos e manifestações. Não foi divulgada a agenda completa do ministro pela assessoria e a página do ministério na internet citava apenas que ele participava da COP26, sem detalhar as reuniões.
Outro grupo de brasileiros, organizados na delegação Brazil HUB, mostrou ao mundo que o governo de Jair Bolsonaro é o maior inimigo do meio ambiente no Brasil, mas que o negacionismo está sendo combatido no país.
A delegação “oficial” foi composta por ministros do governo, secretários dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, com patrocínio das confederações nacionais da Indústria (CNI) e da Agricultura (CNA). Esse grupo tentou convencer o mundo de que o Brasil está avançando na preservação ambiental.
O ministro do Meio Ambiente escondeu em seu discurso o aumento recorde das queimadas e do desmatamento na Amazônia e no Pantanal durante o governo Bolsonaro. No discurso de Leite, o governo tem feito o possível para preservar o meio ambiente.
No entanto, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou o dado de que o desmatamento na Amazônia em outubro cresceu 5% em relação a 2020 e atingiu 877 km². É o maior número desde 2016.
Joaquim Leite preferiu não comentar sobre o crescimento do desmatamento sob sua gestão e disse que não está acompanhando os dados que são divulgados.
A dois corredores de distância, o Brazil Climate HUB promoveu encontros e debates entre ativistas, cientistas e parlamentares de oposição.
A deputada federal Tábata Amaral (PSB-SP), que participou da COP26, afirmou que “o mais importante é mostrar ao mundo que o negacionismo não é unanimidade no Brasil e que outras pessoas não estão paradas”.
24 governadores se organizaram no grupo Governadores pelo Clima para conseguir negociar, por fora do governo Bolsonaro, investimentos para seus Estados e fazer acordos climáticos. Foi lançado o consórcio Brasil Verde, que permite negociações sem o governo federal.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que o grupo não pretende “substituir o governo federal”, mas “se não há dedicação da União, federal, então as partes estão se juntando”.
Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, falou que “nós compensamos em parte a ausência do governo nesse tema. Nossa movimentação aqui também levou o governo a ver esse ambiente político em torno e assumir compromissos importantes”.
Kiran Aziz, diretora do maior fundo de pensão da Noruega, o KLP, disse que o governo Bolsonaro apresentou “cortina de fumaça em vez de medidas genuínas”.
“Como um investidor global, temos que ser honestos e abertos: o chefe do país está repelindo o investimento estrangeiro através do seu caminho na direção de destruição de suas florestas”, afirmou.
Na abertura da COP26, o governo Bolsonaro anunciou uma nova meta de redução de emissão de carbono, na tentativa de enganar o mundo. A meta passou de reduzir de 43% para 50% até 2030. Anunciou, também, a meta de zerar o desmatamento ilegal até o fim da década.
Os anúncios não convenceram ninguém, dado o histórico do governo Bolsonaro.
O ex-diretor do Inpe, Ricardo Galvão, pontuou que Bolsonaro “não tem credibilidade para que elas sejam amplamente aceitas pela sociedade mundial”.
“A pergunta é se ‘isso é crível?’ Eu tenho dúvidas. Porque o governo não tem uma credibilidade aceita internacionalmente, atualmente”.
Ricardo Galvão foi demitido em 2019, depois que o Inpe divulgou dados que mostravam o avanço do desmatamento no Brasil, sob o governo Bolsonaro.
A ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apontou que a promessa do governo na COP26 é falsa porque desmontou a estrutura de fiscalização do meio ambiente e sobre isso Bolsonaro nada falou.
Marina criticou que a promessa “não é acompanhada da recomposição do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama, do ICMBio, do Instituto de Pesquisas Espaciais, a recomposição dos quadros técnicos para poder atuar com todo suporte à frente do maior vetor de emissão que é o desmatamento e a queimada”.
“Reduzir desmatamento é fundamental, diversificar matriz energética para uma matriz energética limpa e segura, reforçar as equipes, retomar novas bases de plano de prevenção e controle do desmatamento, que a gente sabe que funciona, e fazer todos esses detalhamentos em parceria com a comunidade científica e com a sociedade civil, que têm um conhecimento muito grande”, afirmou a ex-senadora.
“O governo faz esse anúncio, mas na verdade já conhecemos como funciona o governo Bolsonaro. O governo Bolsonaro faz anúncios para que possa ganhar tempo”, avaliou.
Em discurso gravado no canal do Ministério do Meio Ambiente, repassado na Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima, a COP26, Bolsonaro afirma: “No combate à mudança do clima, [o Brasil] sempre faz parte da solução, não do problema”.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), rebateu em entrevista coletiva aos jornalistas brasileiros na COP26, em Glasgow.
“O Brasil na verdade é parte do problema, não da solução”, destacou. “A falta de uma política clara de descarbonização da nossa economia, a falta de protocolos claros na proteção da Amazônia, dos nossos mananciais, e dos compromissos que o Brasil desobedeceu desde a COP de Paris. Parte do problema é o governo federal”, completou.