Os principais desafios para a China no plano imediato são o tema do Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, em que o pesquisador e escritor Elias Jabbour observa que está “cada vez pior” a forma com que o Ocidente busca apresentar a China: “terrível, ameaçadora”.
Exemplos disso, a recente declaração do presidente norte-americano Biden de que iria “apoiar Taiwan” em caso de uma “invasão chinesa” e o tratamento dado pelo Ocidente à política de Covid Zero.
O outro lado da questão – destacou o pesquisador – é que a China vai se convertendo “em um grande desafio aos Estados Unidos, aliás, desafio entre aspas, a China não é uma potência antissistêmica, vamos dizer assim, ela é anti-hegemônica”.
Jabbour assinala que os Estados Unidos vão “elevar a pressão sobre a China ao máximo possível”, pressão que vem desde 2014 quando Washington coloca em prática a guerra de quinta geração – qualquer país que não é alinhado aos Estados Unidos está sob essa guerra de quinta geração.
Ao desafio apresentado pelo imperialismo, soma-se o da luta de classes interna, ele destaca, se referindo aos bilionários chineses das Big Techs, que não estão nem um pouco satisfeitos com Xi Jinping e que querem que a China faça uma abertura financeira irrestrita e o fim do socialismo, isso articulado com setores externos.
O que ficou muito claro no lockdown de Xangai. É ano de Congresso do Partido Comunista, e em Xangai é onde se concentra a resistência a Xi Jinping, às questões políticas, econômicas e sociais. É um ano de muita tensão pré-congresso do Partido Comunista, inclusive é sinal de que se trata de um partido arejado, onde as ideias circulam livremente.
Para Jabbour, à medida que a pressão imperialista aumenta isso vai ter reflexo dentro do país, e o presidente Xi vem preparando o terreno para esse enfrentamento, que passou para outro patamar com a guerra tecnológica.
Trump iniciou uma guerra comercial tecnológica. Não era comercial, porque os EUA não têm problema em ter déficit de balança de pagamento já que eles emitem o dólar. O problema era tecnológico: a China estava alcançando uma linha vermelha no que concerne a novas e novíssimas tecnologias e, em se tratando de TI, de 5G, para os americanos estava se tornando ainda mais inaceitável.
Desde então os americanos lançam uma tentativa de cancelar a China no mercado mundial de semicondutores. Fora isso, tem o fato da China estar duas gerações atrasada na fabricação de semicondutores. Ou seja, os chips de 7 e 9 nanômetros só Taiwan tem a capacidade de produzir. Aí está o desafio geopolítico colocado.
Os americanos têm insuflado Taiwan, que é parte da China, a declarar independência, têm armado Taiwan até os dentes. Se um dia a China partir para uma solução militar, só vai tomar o que é dela. Os liberais não têm nenhuma afeição à história chinesa, nem sabem o que acontece naquela região. O foco dos EUA é separar Taiwan da China, é destruir a TSMC, que á indústria de Taiwan que produz semicondutores.
Evidentemente o caso da Ucrânia expressa uma rebelião da Rússia quanto à ordem mundial estabelecida, a ordem liberal que se aprofunda a partir de 1991, e a China está do lado da Rússia e fez declarações de amizade sem limites. O que significa que a China também é parte dessa rebelião contra essa ordem internacional unipolar, sublinha Jabbour.
A Rússia faz o desafio militar e a China trabalha muito no campo tecnológico e comercial. Então o objetivo dos americanos é acabar com essa fábrica da TSMC para que a China não tenha esse tipo de tecnologia, enquanto a China acelera internamente a sua capacidade de produção de chips.
Assim que se inicia essa guerra comercial, a China se concentra completamente na criação de capacidade de produção desses semicondutores, com a contratação de engenheiros japoneses e taiwaneses, 2 mil start-ups chinesas de semicondutores são abertas, e a tendência hoje é que a China possa alcançar os Estados Unidos na produção de semicondutores.
Se isso acontecer, o mundo poderia ficar à beira de uma guerra, porque os americanos não conhecem outra linguagem: a China estaria alcançando fronteiras do conhecimento inadmissíveis para os americanos.
A China aumentaria a sua produtividade do trabalho e estaríamos diante de um quadro totalmente novo, que é um quadro que se acelera nos últimos anos. Tem o desafio da transformação do BRICS, com a entrada da Argentina, e na extensão disso pode vir Turquia, a Indonésia, um bloco muito mais poderoso que o G7. Para Jabbour, a recente cúpula do G7 parecia “um convescote do século XIX”. O novo hoje, ele acrescentou, é o discurso do Putin em São Petersburgo, de altíssimo nível, e que a China ratificou.
Ele também contrasta essa trajetória da China, com a da Alemanha e a do Japão, dois países que em algum momento já tiveram grande destaque econômico no século XX, inclusive ameaçando até certo ponto a supremacia econômica norte-americana.
No caso agora da guerra na Ucrânia, “existem analistas norte-americanos, com os quais eu tendo a concordar, que dizem o seguinte: a guerra não é contra a Ucrânia, ou contra a própria Rússia, ‘a guerra é contra a Alemanha’”, ressalta Jabbour. Com essa guerra, os Estados Unidos está “destruindo a capacidade de competição da indústria alemã”. Já o Japão foi devidamente enquadrado pelos Estados Unidos nos chamados Acordos de Plaza, mudou sua política cambial e depois o Japão nunca mais se encontrou.
A China não entra em nenhuma dessas categorias, até porque, ao fazer em 1949 uma revolução popular, ela “consegue independência para montar seus próprios esquemas de inserção geopolítica no mundo”.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.