A cervejaria Heineken desistiu de instalar sua nova fábrica próxima ao sítio arqueológico, em Pedro Leopoldo, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A obra havia sido embargada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por colocar em risco um dos principais sítios arqueológicos do continente: a região do complexo de grutas e cavernas onde foi encontrado o fóssil humano mais antigo das Américas, a Luzia.
O diretor de assuntos corporativos do grupo no Brasil, Mauro Homem, anunciou na terça-feira (13) que a empresa não vai instalar a fábrica na cidade, mas vai manter o negócio no estado de Minas Gerais. No início de 2022, uma nova área para a construção da cervejaria será anunciada.
O ICMBio embargou a área onde a Heineken, segunda maior cervejaria do país, anunciou que instalaria uma fábrica, em Pedro Leopoldo. A decisão do órgão levou em conta o risco de soterramento do complexo de grutas e cavernas, onde já ocorreram descobertas pertinentes para a ciência.
Segundo o órgão, a caverna Lapa Vermelha IV, onde foi encontrado o crânio de Luzia, seria afetada pela fábrica, que obteve licença ambiental do governo de Zema. Além disso, o plano da Heineken previa bombear 150 metros cúbicos de água por hora de dois poços na região, o que causaria forte impacto nos lençóis freáticos e nas cavernas do Fedo, Cipó e Nei, segundo o ICMBio.
“Os impactos [à Área de Proteção Ambiental Carste Lagoa Santa, vizinho à construção da fábrica] são desconhecidos e imprevisíveis”, afirmam os fiscais do ICMBio, pois os estudos apresentados pela Heineken e aprovados pelo governo mineiro são falhos.
A caverna Lapa Vermelha IV, onde foi encontrado o crânio de Luzia, pode ser “fatalmente afetada” com a futura fábrica, continuam os fiscais. O órgão classifica a concessão da licença ambiental do governo mineiro como “uma grave falha”.
Mauro Homem disse que houve uma “divergência de interpretações” entre as partes interessadas e que “a Heineken se pauta em decisões que respeitam os interessados”. “Para nós não faria sentido em manter um projeto importante como esse sem o entendimento de todos”, disse.
O diretor afirma que a empresa vai permanecer no estado e que já estão acontecendo estudos com a assessoria da Agência de Promoção de Investimentos e Comércio Exterior de Minas Gerais (INDI) para a escolha de um local que tenha capacidades hídrica e logística para facilitar o escoamento para a região sudeste – e propiciar menores impactos ambientais locais.
PROCESSO
Anunciada a construção da unidade da cervejaria em dezembro de 2020, com investimentos declarados em R$ 1,8 bilhão e promessa de gerar mais de 350 empregos, a empresa teve o licenciamento ambiental para a construção da obra em Pedro Leopoldo, dentro de uma unidade de conservação ambiental, APA Carste Santa Luzia, em agosto de 2021.
Ainda na fase inicial da obra, o ICMBio apontou que os estudos realizados pela empresa de consultoria e aprovados pela Semad eram inconsistentes e deveriam ser readequados. A obra foi embargada e a empresa pagou uma multa de R$ 84 mil.
Diante disso, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou um Inquérito Civil Público para apurar os possíveis impactos do empreendimento ao patrimônio cultural.
O diretor de assuntos corporativos do grupo Heineken no Brasil, Mauro Homem, conta que com a saída da empresa de Pedro Leopoldo, a Heineken vai formalizar um termo de cooperação junto ao MPMG no valor de R$ 300 mil e os recursos serão direcionados para as partes envolvidas nas questões ambientais do município.
“Não temos o termo de cooperação 100% consolidado, mas o MP deverá destinar o aporte financeiro para o ICMBio, para a prefeitura da cidade e para ONGs que cuidam do meio ambiente no município”.
Ambientalistas, espeleologistas e arqueólogos questionaram o trabalho feito pela Pöyry Tecnologia, multinacional finlandesa de consultoria e serviços de engenharia contratada pela Heineken. Os estudiosos dizem que o grupo europeu desconsiderou o plano de manejo da região carste.
Por isso e por outras discordâncias, o ICMBio e o MPMG exigiram a apresentação de estudos complementares sobre os impactos potenciais na arqueologia e no meio ambiente, além das medidas para mitigá-los.
O especialista em espeleologia, do Observatório Espeleológico, Fred Lott, aponta que as medidas mitigadoras apresentadas pela empresa dão a entender que o projeto não envolveu pessoas especializadas em relevos carste e que Minas Gerais é o estado que tem os melhores especialistas em estudos nessa área. “Tiveram vários desajustes no estudo que foi apresentado para o licenciamento”.