Indígenas do Vale do Javari foram às ruas em Atalaia do Norte (AM), nesta segunda-feira (13), para pedir justiça pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista inglês Dom Phillips, desaparecidos há oito dias, após uma incursão pelo rio nas proximidades da terra indígena, a segunda maior do Brasil. A manifestação cobra maior atuação e fiscalização do governo nas terras indígenas.
Na manhã desta segunda, a família de Dom Phillips afirmou que dois corpos foram encontrados no Vale do Javari. A informação foi repassada para eles por funcionários da embaixada brasileira na Inglaterra, que detalharam a situação em que os corpos foram encontrados. Ao longo do dia, a Polícia Federal negou a informação repassada à família de Dom e afirmou que as buscas pelos desaparecidos continuam.
Os manifestantes percorreram as principais ruas do município com flechas e cartazes. Participaram do protesto lideranças de todas as etnias que vivem na região, exceto grupos isolados. “Bruno lutou pelo Vale do Javari, agora o Vale do Javari luta por Bruno e Dom”, dizia uma faixa estendida pelos indígenas.
Entre as etnias que vivem no Vale do Javari estão os povos Mayoruna/Matsés, Matis, Marubo, Kulina Pano, Kanamari e dois pequenos grupos: um de indígenas Korubo e outro de Tsohom Dyapá.
Eles também se manifestaram contra os projetos de lei 191, que autoriza atividades de mineração e a construção de hidrelétricas em terras indígenas, e 490, referente a alterações na possibilidade de demarcação dos territórios indígenas, o chamado Marco Temporal. Ao fim do ato, os indígenas entraram no prédio da Funai como forma de protesto. Ainda, as lideranças de comunidades discursaram na praça principal da cidade.
OMISSÃO
“Nosso manifesto fala da omissão do Estado, que deixou de assumir sua responsabilidade por meio da Funai e coloca a vida dos povos indígenas em situação de vulnerabilidade”, defendeu a liderança Manoel Churimpa, do povo Marubo, e membro da organização União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja)
O representante defende que a falta de atuação das autoridades competentes seria responsável pelo aumento da violência e do número de invasões, ameaçando a vida dos povos isolados.
As faixas carregadas pelas ruas de Atalaia traziam frases contra o governo Bolsonaro, com questionamentos sobre o paradeiro de Pereira e Phillips e em defesa do território indígena. Quando questionado sobre o desaparecimento do indigenista e do jornalista, Bolsonaro chamou de “aventura” o trabalho feito pelos dois.
O indigenista é servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) e atuava, pela Univaja, em defesa da terra indígena. Uma das suspeitas da PF é de que o desaparecimento esteja relacionado à atuação de pescadores ilegais na região.
O único suspeito preso, Amarildo Oliveira, o ‘Pelado’, é um morador da comunidade São Gabriel. O local onde foram encontrados os pertences do indigenista e do jornalista fica próximo à comunidade, onde vivem pescadores e pequenos agricultores.
“Bruno lutou pelo Vale do Javari. Agora o Vale do Javari luta por Bruno, Dom e Maxciel”, dizia uma das principais faixas da manifestação. Maxciel dos Santos era funcionário da Funai e foi executado na região em 2019. A suspeita é de que a morte teve relação com a atuação do funcionário contra invasões à terra indígena.
“Querem acabar com nossos pirarucus e tracajás, e Bruno nos defendia”, disse a cacique Sandra Mayouruna, em sua língua, no palco na praça, ponto final da manifestação. “Bolsonaro tem raiva dos povos indígenas, e ele deveria ser presidente de todos os brasileiros.”
BOLSONARO NÃO PRESTA
O cacique Binan Wasá afirmou que o território indígena é ameaçado por invasores, especialmente pescadores e caçadores. “Acabaram com a região ao redor, e querem acabar com nosso território.”
Ele criticou o presidente: “Bolsonaro acredita em Deus, em Bíblia. Mas Deus não pensa em mal. Um Deus bom construiu os recursos naturais. Se ele crê, deveria estar cuidando”.
A liderança Koká Matis disse que o protesto é “em homenagem a um grande guerreiro”, um “defensor da terra indígena Vale do Javari”, numa referência a Pereira. “Somos guerreiros e vamos continuar lutando para defender nosso território”.
“Bolsonaro não presta! mas se Deus quiser, ele será derrotado nas eleições de outubro”, disse Kura Kanamari, líder do povo Kanamari do território indígena do Vale do Javari. “Não queremos guerra com ninguém. Tudo o que queremos é nossa paz e que nossas terras sejam respeitadas porque nosso supermercado está nos rios, na terra e nas florestas. Se tudo isso for destruído, nossos parentes isolados passarão fome”, disse Kanamari aos manifestantes que se reuniram na praça principal de Atalaia.