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Após 17 anos de acobertamento, o inquérito que investiga o assassinato do técnico em refrigeração, Anderson Rosa de Souza, será reaberto. Flávio e Carlos homenagearam Adriano na época do crime. Jair Bolsonaro discursou na Câmara em sua defesa e Queiroz ganhou um cargo no gabinete de Flávio
Após 17 anos de acobertamento, o inquérito que investiga o assassinato do técnico em refrigeração, Anderson Rosa de Souza, cometido por Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega, será reaberto.
O Ministério Público do Rio (MP-RJ) verificou uma série de falhas na investigação durante quase duas décadas: ausência de exame nos fuzis usados na operação, de perícia de resíduos nas mãos do cadáver e de depoimentos de familiares da vítima, entre outros. As únicas providências tomadas foram três depoimentos de Queiroz e de Adriano. Agora, o MP quer a retomadas das investigações.
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Fabrício Queiroz era homem de total confiança de Jair Bolsonaro e de seu filho, Flávio, deputado estadual pelo Rio de Janeiro e atualmente senador pelo mesmo estado. No final de 2018, ele foi flagrado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) movimentando quantias milionárias do esquema de lavagem de dinheiro montado dentro do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro. Na data de hoje ele se encontra em prisão domiciliar, junto com a mulher, Márcia Oliveira, por ameaçar testemunhas e destruir provas dos crimes investigados pelo Ministério Público do Rio.
Queiroz chegou ao gabinete de Flávio em 2007 pelas mãos de seu pai, Jair Bolsonaro. Os dois se conheceram quando Queiroz era recruta na Brigada de Infantaria Paraquedista, em 1984. Depois, Queiroz, já em 2003, foi servir junto com Adriano da Nóbrega no 18º Batalhão da Polícia Militar, situado na região de Jacarepaguá. Morador da Taquara, bairro localizado naquela região, a um passo da comunidade do Rio das Pedras, Queiroz passou a conviver com o poder crescente da milícia que dominava a área.
É desta época, 12 de agosto de 2003, o discurso do então deputado Jair Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados dando os parabéns a grupos de extermínio que operavam na Bahia, afetuosamente chamados por ele de companheiros.
“Quero dizer aos companheiros da Bahia – há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio – que enquanto o país não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio… Na Bahia, pelas informações que tenho – lógico que são grupos ilegais -, a marginalidade tem decrescido. Meus parabéns”!
Exatamente neste ano, no dia 15 de maio, o então sargento Fabrício Queiroz e o tenente Adriano da Nóbrega, que serviam no 18º Batalhão da PM de Jacarepaguá, executam o estudante e técnico em refrigeração, Anderson Rosa de Souza, de 29 anos, durante uma abordagem na favela Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio. O caso, como de praxe, foi registrado como “homicídio proveniente de auto de resistência”. A alegação é que houve revide a tiros quando os dois PMs entraram na Cidade de Deus. Anderson não tinha nenhum registro policial pregresso. O relato da esposa da vitima é completamente diferente do laudo. “Levaram-no a um canto e o mataram com três tiros”. A perícia mostrou que Anderson foi baleado na parte de trás da cabeça, no peito e nas costas.
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O promotor Cláudio Calo Sousa, que assumiu a 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial em março, determinou uma série de diligências para a retomada do caso, no último dia 3. Ele levanta questões sobre a investigação, a começar pelas armas dos PMs e a munição disparada por elas não terem sido periciadas. O comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar, em Jacarepaguá, à época encaminhou o inquérito para arquivamento na justiça militar mas o enviou à Polícia Civil porque alimentava sérias suspeitas de execução.
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Faltam três anos para a prescrição do crime.
O comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar, em Jacarepaguá, à época encaminhou o inquérito para arquivamento na justiça militar mas o enviou à Polícia Civil porque alimentava sérias suspeitas de execução
O novo prazo para conclusão das investigações é de 90 dias. Em documento enviado para a 32ª DP, o promotor escreveu que “causa perplexidade o porquê tais fuzis não foram efetivamente periciados” e também “estranheza” a falta de juntada dos folhas de antecedentes criminais (FAC) dos policiais. Quando o inquérito foi instaurado, um ano após a morte, apenas a FAC de Anderson Rosa de Souza foi anexada aos autos. O estudante não tinha qualquer anotação criminal.
O corregedor da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Marcus Vinícius dos Santos Amaral, solicitou informações a três batalhões da corporação sobre “autos de resistência” que teriam sido cometidos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, e Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de comandar uma milícia na Zona Oeste do Rio e morto em fevereiro deste ano na Bahia. A solicitação ocorre 17 anos depois da dupla participar da abordagem que terminou com a morte de Anderson na Zona Oeste do Rio. Além das informações da PM, o MP requereu a perícia das armas usadas e a realização de depoimentos de policiais que trabalharam com Queiroz e Adriano na época.
Neste mesmo ano de 2003, Flávio Bolsonaro propõe a primeira homenagem ao pistoleiro Adriano da Nóbrega. E sete dias após a homenagem de Flávio, seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), também apresentou, na Câmara Municipal do Rio, moções em nome dele e de outros oito policiais acusados de uma série de crimes que vão de homicídio doloso à corrupção. As homenagens aos oito policiais foram concedidas por Carlos Bolsonaro no dia 11 de novembro de 2003, cerca de duas semanas antes da prisão dos policiais.
“Em janeiro de 2004, Adriano foi preso preventivamente, acusado pelo homicídio do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24, que havia denunciado a ação dos milicianos. O então policial chegou a ser condenado no Tribunal do Júri em outubro de 2005, mas conseguiu recurso para ter um novo julgamento, foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte por falta de testemunhas. Nesse meio-tempo, em junho de 2005, Flávio Bolsonaro considerou Adriano merecedor de mais uma homenagem. Desta vez com Medalha Tiradentes, a maior honraria do Estado do Rio.
Entre as razões para a homenagem de Flávio, está o fato deste PM ter êxito ao prender 12 “marginais” no morro da Coroa, no centro, além de apreender diversos armamentos e 90 trouxinhas de maconha.”
Nesta mesma época, alguns dias depois da homenagem de Flávio, Jair Bolsonaro discursa na Câmara Federal em defesa de Adriano. O então tenente Adriano estava preso por conta da morte de Leandro e recebeu a homenagem dentro do Batalhão Especial Prisional no dia 9 de setembro.
Assista ao vídeo da defesa de Adriano, feita por Jair Bolsonaro
No pronunciamento, Bolsonaro pede ajuda da então deputada federal Denise Frossard, ex-juíza criminal, para reverter a condenação de Adriano. O presidente criticou um coronel da PM, responsável por uma sindicância contra o miliciano, que depôs como testemunha de acusação, sem considerar, nas palavras de Bolsonaro, “o fato de ele ter sido um brilhante oficial”.
“Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente, acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”, afirmou, segundo os arquivos taquigráficos da Câmara dos Deputados.
Em outro trecho de sua fala, Jair Bolsonaro define Adriano como “coitado” e “um jovem de vinte e poucos anos” e defendeu a absolvição do policial no caso.
“Então, Sr. Presidente, não sei como podemos colaborar. O advogado vai recorrer da sentença, mas os outros coronéis mais modernos não podem depor, senão vão para a geladeira, vão ser perseguidos. E o tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado. Mas não foi ele quem matou, Deputada Denise Frossard! Quem matou foi o sargento, que confessou e, mesmo assim, foi absolvido no tribunal do júri. A decisão, portanto, tem de ser revista”.
No discurso, Bolsonaro criticou a então governadora do Rio, Rosinha Garotinho, e o ex-governador Anthony Garotinho, que ordenou a prisão de Adriano e de outros policiais envolvidos no caso. Segundo o presidente, o governo do estado queria agradar entidades de defesa dos direitos humanos.
“É importante saber a quem interessa a condenação pura e simples de militares da Polícia do Rio de Janeiro, sejam eles culpados ou não. Interessa ao casal Garotinho, porque a Anistia Internacional cobra a punição de policiais em nosso País, insistentemente. É preciso ter um número xis ou certo percentual de policiais presos. O Rio é o Estado que mais prende percentualmente policiais militares e, ao mesmo tempo, o que mais se posiciona ao lado dos direitos humanos”, afirmou.
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