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Tribunal discutia suspensão de uma lei do Estado que liberava a extração de minérios em “reservas legais”. “Precisamos acabar com essa ‘esquizofrenia’ (de) que a mineração acaba com o meio ambiente”, defendeu o desembargador
O desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Orlando de Almeida Perri, sócio majoritário de uma mineradora que tem negócios com um garimpeiro investigado pela Polícia Federal por uso de mercúrio ilegal para extração de ouro, atuou no julgamento de uma ação que avalia a constitucionalidade de garimpo em áreas de reserva legal.
A reportagem do portal “Repórter Brasil” publicada na sexta-feira (22), informa que Perri discursou em favor do setor da mineração no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Ministério Público Estadual (MPE) contra a lei complementar nº 717/2022, em sessão realizada em fevereiro de 2022. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma apuração preliminar para avaliar possível violação de deveres.
Durante a audiência, Perri defendeu que “precisamos acabar com essa ‘esquizofrenia’ (de) que a mineração acaba com o meio ambiente”. No julgamento em si, o Tribunal votava sobre a suspensão provisória de uma lei do estado que liberava a extração de minérios em “reservas legais” (áreas de propriedade privadas com vegetação nativa preservada), mediante a compensação do impacto ambiental por meios de outros terrenos.
A MVP Participações, da qual o desembargador é sócio, tem dois pedidos de pesquisa de ouro aprovados pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e sociedade com outras quatro mineradoras. Segundo a ANM, a área visada pela mineradora em Poconé foi negociada por meio de um contrato de “cessão parcial” com Valdinei Mauro de Souza, o Nei Garimpeiro.
Nei é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de obter R$ 33 milhões com ouro produzido com mercúrio ilegal. A denúncia surgiu a partir de investigações da Polícia Federal (PF) na Operação Hermes, que corre sob sigilo.
Ele também já foi multado pelo Ibama por danos ambientais em Poconé e no Pará. Uma das empresas de Nei, a Fomentas, foi alvo do Ministério Público do Trabalho (MPT) por suspeita de coação para que funcionários a votassem em Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2022, candidato que recebeu do garimpo doação de R$ 100 mil.
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) permite que juízes sejam sócios ou quotistas de empresas. Porém, o Código de Ética da Magistratura, do CNJ, diz que “o magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência”, no seu artigo 38.
À Repórter Brasil, o desembargador disse que desconhecia qualquer resolução do Conselho que vedasse a participação majoritária de juízes em empresas. Apesar da lei estadual permitir que áreas da reserva legal de propriedades rurais particulares sejam exploradas economicamente, para o MP ela representa um “claro estímulo às fraudes”. E com potencial de agravar o desmatamento no estado.
Apesar de a liminar derrubando a legislação ter sido aprovada pelo TJ-MT, o julgamento do mérito da ação movida pelo MP ainda não foi realizado e não tem data para ocorrer. Na audiência, Perri foi o primeiro a falar e pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar o assunto – o que impediria a votação da liminar naquela sessão.
Após fazer uma defesa enfática da mineração, o magistrado se alterou em função do posicionamento contrário dos colegas. Disse que “não viu notícia no jornal” de que empresários da mineração estariam destruindo o meio ambiente no estado. Declarou ainda que a mineração em Poconé ocorre há 30 anos e que todos os lados precisam ser ouvidos no debate. “Não apenas os ambientalistas”, disse.
Constrangido, acabou votando com a maioria, o que permitiu a análise da liminar, que acabou aprovada de forma unânime. “Eu não tenho problema em acompanhar a desembargadora [na concessão da liminar], desde que retomemos esse debate sem paixões”, afirmou Perri.
Por sua vez, a relatora Nilza de Carvalho sustentou que “eu vou olhar para essa questão como sempre fiz, com muito cuidado, não com paixão ou esquizofrenia”.
Sobre a empresa, Perri sustenta ter “integralizado” o capital social da MVP Participações com uma sala comercial, avaliada em cerca de R$ 200 mil. “Se eu tivesse colocado outra pessoa na integralização de uma propriedade minha, estaria usando alguém como laranja”, explica.
“Eu tenho apenas uma empresa com possibilidade de ser uma mineradora. Quando eu questionei o voto da relatora, não fiz por interesse na mineração. Não faria isso nunca”, afirmou Perri, numa tentativa de tapar o sol com uma peneira.
O desembargador afirmou ainda que poderia transferir suas cotas na mineradora para a filha ou para a esposa — acreditando, supostamente, que a manobra resolveria os questionamentos. “Para mim, os 85% de participação não são posição de controle”, acrescentou.
A Repórter Brasil apurou que Perri tem 85% do capital social da MVP. Sua esposa detém 12,5% e o restante cabe ao sobrinho, Willian Marcel Grunemberg, responsável pela administração da companhia.
Apesar de Perri não constar no quadro social da MVP como diretor, ele não poderia atuar como juiz por ser sócio majoritário da empresa, analisa o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gustavo Sampaio Ferreira. “Quando um magistrado tem 85% de uma sociedade, ele está impedido de exercer a magistratura, porque tem o controle da sociedade. Se o sobrinho gerencia a empresa, isso não o isenta da vedação”, disse à reportagem.
A participação dele no julgamento de fevereiro de 2022 no TJ-MT caracteriza “conflito de interesses”, e não deveria ter ocorrido, afirma Sampaio. “É gravíssimo”. “Se o magistrado tem envolvimento com um setor privado, ele não pode sob pretexto algum julgar matérias no tribunal de interesse desse setor. É gravíssimo”, avalia.