A Justiça de São Paulo aceitou a denúncia do Ministério Público contra os seguranças Valdir Bispo dos Santos e Davi de Oliveira Fernandes, que torturaram um adolescente de 17 anos em uma unidade do supermercado Ricoy, na Vila Joaniza, na Zona Sul de São Paulo.
Eles vão responder por tortura, cárcere privado e divulgação de imagem de adolescente, já que eles filmaram o episódio e divulgaram o vídeo em redes sociais.
O jovem foi despido, amordaçado e filmado pelos próprios agressores. Para a polícia, David agrediu o jovem enquanto Valdir realizava a gravação.
A tortura é um crime hediondo e ocorre quando alguém é submetido, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental. A pena é de dois a oito anos de reclusão. A pena para divulgação de vídeo, foto ou nudez é de reclusão de um a cinco anos, enquanto o cárcere privado pode render de um a três anos de prisão. Se eles forem condenados por todos os crimes, as penas somadas podem variar de quatro a 16 anos de prisão.
No dia 4 de setembro, o delegado Pedro Luis de Souza, titular do 80º Distrito Policial de São Paulo, pediu a prisão temporária, por pelo menos 30 dias, dos dois seguranças. No mesmo dia, a juíza Tatiana Saes Valverde Ormeleze, do Departamento de Inquéritos Policiais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), aceitou o pedido e decretou o recolhimento dos envolvidos.
Segundo o jovem torturado, a agressão aconteceu em agosto. O vídeo mostra ainda o jovem nu, com as mãos amarradas e a boca amordaçada, sendo chicoteado pelos seguranças em uma sala do supermercado Ricoy. Um dos seguranças confessou que gravou o vídeo.
A Promotoria de Direitos Humanos investiga duas ocorrências nas lojas do Ricoy. Uma no último dia 1º de julho, na unidade da Avenida Yervant Kissajikian, contra uma pessoa que também teria sido torturada e amarrada a um corrimão por tentar furtar alguns gêneros alimentícios e de higiene pessoal. O inquérito fala de um possível terceiro episódio de tortura psicológica contra uma criança, que vai igualmente ser apurado.
PF diz que empresa de seguranças não tem alvará
A empresa KRP Valente Zeladoria Patrimonial, que emprega os dois seguranças, não possui autorização para atuar com vigilância na área da segurança privada.
Segundo a PF, os dois seguranças não são vigilantes e não possuem “a necessária formação para exercícios das atividades de segurança privada”.
“Cumpre observar que a atividade de segurança privada é regulada e que seu exercício depende de prévia autorização e da observância dos regramentos específicos ao tema”, aponta o documento, assinado pela delegada da PF Bruna Rodrigues Menk no último dia 12 de setembro. O processo corre em segredo de Justiça para proteger a vítima, que é menor de idade. A reportagem apurou que, apesar de estar impedida de exercer função de vigilância, a empresa poderia atuar em serviços de portaria e de limpeza.
Por meio de nota, a empresa informou que “o contrato de prestação de serviços junto ao tomador Ricoy era de zeladoria patrimonial (controle de acesso) e não de segurança patrimonial; pelo exposto, se alguém exorbitou a função de prestação de serviços, por ordem ou deliberação de responsáveis na loja, não poderemos ser responsabilizados nesse sentido”.
Segundo o ofício divulgado pelo portal UOL, a delegada afirma que “seria de grande auxílio” o envio das informações colhidas pela Polícia Civil à PF, exemplificando que a polícia paulista poderia compartilhar o contrato de prestação de serviços da KRP com o supermercado, “bem como, se existir, outros contatos da empresa clandestina, ou ainda eventuais postos de serviços, bem como a cópia do apuratório”.
O documento da PF foi elaborado após pedido da Polícia Civil no dia 9 de setembro. Assinado pelo delegado Pedro Luis de Souza, titular do 80º DP (Distrito Policial), na Vila Joaniza, o requerimento questiona se a KRP possui a “devida autorização de funcionamento para exercer a atividade de segurança privada, conforme preconiza a legislação que rege a matéria”. O ofício expedido pelo delegado também questiona se os seguranças teriam habilitação necessária para exercer a profissão de vigilante.
PROTEÇÃO
Desde a sexta-feira (6), o jovem torturado foi incluído no serviço de acolhimento da Prefeitura de São Paulo. “Nos próximos dias o jovem deve ser incluído no PPCAAM- Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados. A inclusão dele no Programa já foi solicitada pelo Conselho Tutelar. A Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro também acompanha o caso.”, diz o advogado Ariel de Castro Alvez, que faz parte do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).
“Familiares do jovem reclamaram de ameaças e de que foram procurados por pessoas desconhecidas. O menino estava morando com um irmão dele, que foi favorável ao acolhimento dele num abrigo”, relata o advogado.
Um dia antes de ser incluído no serviço de acolhimento da cidade, o adolescente foi atendido por 4 conselheiros do Conselho Tutelar da Cidade Ademar. Um relatório sobre a situação do estudante foi encaminhado para a Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro, que também acompanha o caso. “O pai do jovem faleceu no início desse ano e a mãe, conforme os familiares, sofre de alcoolismo e não foi localizada pelo Conselho Tutelar”, diz o conselheiro do Condepe.