A Justiça Federal em Roraima determinou que o governo federal retome ações para a expulsão de milhares de garimpeiros que estão na Terra Indígena (TI) Yanomami, a maior do Brasil. A decisão também obriga o governo federal a retomar atendimento de saúde aos indígenas e a instalar posto de fiscalização para evitar o retorno de criminosos.
A decisão, proferida na segunda-feira, volta a obrigar a União, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a se articularem para atuação no combate a crimes ambientais na TY. Nesse propósito, deve ser criada uma equipe interinstitucional composta por forças de comando e controle suficientes para atuar na região. Essa equipe deve permanecer no local até que todos os invasores deixem a região.
A medida foi resultado de ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) que solicitava a retomada das operações policiais para retirada de invasores que promovem o garimpo ilegal na terra indígena. O pedido apontava que os órgãos do governo federal vinham desrespeitando decisões judiciais anteriores que impuseram a retirada de todos os garimpeiros da TIY. A medida prevê ainda multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento.
Na ação, o MPF solicitava que o Ministério da Saúde retomasse os atendimentos na região de Homoxi. A comunidade ficou conhecida nacionalmente depois que imagens mostraram o posto de saúde com ameaças na sua estrutura devido a uma cratera de garimpo que se abriu ao lado da construção, após os garimpeiros terem tomado a pista de pouso utilizada pela Secretaria de Saúde Indígena para atendimento.
O órgão também pleiteava a reativação do posto de fiscalização da Funai na Serra das Surucucus, região habitada por mais de seis mil indígenas de recente contato. Nas décadas de 70 e 80 essa área sofreu intensa ocupação garimpeira estimulada por uma campanha voltada a difundir o garimpo e transformar a região em uma nova Serra Pelada, no Pará. Atualmente Surucucu é alvo de uma nova invasão e intensa invasão do garimpo em terras amazônicas.
Em julho de 2020, o Ministério Público Federal obteve uma liminar que determinou que a União providenciasse a retirada dos garimpeiros da região como forma de combater a pandemia do novo coronavírus entre os indígenas.
Na oportunidade, o desembargador Jirair Aram Meguerian, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), deu um prazo de 15 dias para que o governo federal elaborasse um plano emergencial que incluísse a expulsão dos garimpeiros.
Já no ano passado, o vice-presidente Hamilton Mourão se reuniu com o líder indígena Dário Yanomami, filho de Davi Kopenawa, em Brasília e prometeu a desintrusão dos 20 mil garimpeiros que operam ilegalmente na região, o que tampouco ocorreu.
A partir de diligências em regiões da TI Yanomami o Ministério Público pôde demonstrar o avanço do garimpo em diversas áreas dessa Terra. No leito do rio Uraricoera foram identificados os maiores acampamentos e as mais complexas estruturas de apoio ao garimpo, com diversos canteiros, acampamentos e corrutelas (pequenas vilas à margem de estradas). Inclusive a existência de garimpo a apenas 300 metros da pequena comunidade de Aracaçá, onde foram colhidos relatos de aliciamento de indígenas para o trabalho de mineração ilegal e de exploração sexual de mulheres por garimpeiros.
O poder público também fica obrigado a destruir ou inutilizar todos os produtos, subprodutos e instrumentos de garimpo. Na ação, o MPF fundamentava que o Ibama e a Funai não vinham cumprindo esse dever, e os equipamentos acabavam sendo descobertos em novas atividades de apoio ao garimpo criminoso.
De acordo com a decisão, proferida pelo Juiz federal Felipe Bouzada Flores Viana, corre-se o risco de genocídio indígena caso nada seja feito. “Ora, a população de garimpeiros não indígenas quase perpassa a de indígenas; nada sendo feito atualmente, e ante a corriqueira notícia da fartura de ouro na região, não é pequeno o risco de que se veja criada outra ‘Serra Pelada’ no local, agora com características ainda mais funestas”.
A Justiça estabeleceu ainda que a Força Nacional permaneça na região para garantir a reabertura da Unidade Básica de Saúde de Homoxi e do posto de fiscalização de Surucucus. Segundo o MPF, a reabertura da nova base de proteção é essencial para tentar impedir o não retorno de garimpeiros ilegais à região.
A decisão foi resultado de grande mobilização dos povos indígenas, liderados por Davi Kopenawa Yanomami e da Hutukara Associação Yanomami (HAY), além de organizações da sociedade civil, que desde 2019 denunciam a omissão do governo de Jair Bolsonaro na retirada e estímulo à garimpagem ilegal na região.
Na terça-feira (24) a Polícia Federal (PF) deflagrou a operação Nicodemos, com o objetivo de investigar a atuação de um proprietário de terras onde funcionaria um dos principais portos clandestinos que suportam a exploração ilegal de minério na Terra Indígena Yanomami.
A operação resultou na prisão de um suspeito, no município de Alto Alegre (RR), em uma fazenda que fica às margens do Rio Mucajaí. No local, funcionaria o único porto de acesso a garimpos na região do baixo rio Mucajaí, na TY.
O proprietário, suspeito de envolvimento com a atividade de garimpagem ilegal, foi preso em flagrante com munições e uma pequena quantidade de ouro.
No último dia 19, a PF deflagrou também a segunda fase da operação URIHI WAPOPË, para desarticular uma organização criminosa que atuava na extração de minério em garimpos ilegais na Terra Indígena Yanomami e sua posterior comercialização.
As investigações da operação apontam que o grupo criminoso ligado a uma empresa de táxi aéreo e a outra empresa de poços artesianos possuem por volta de 20 helicópteros, usados no transporte do minério extraído ilegalmente.
A população Yanomami no Brasil é estimada em mais de 26,7 mil indígenas, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Além dos problemas oriundos da atividade garimpeira na região, como a contaminação dos rios e peixes, violência e exploração sexual de mulheres, a população enfrenta ainda uma alta transmissão de malária.
A única maneira de conter a pandemia é criar barreiras sanitárias no entorno do território, que fica na divisa entre os estados de Roraima e Amazonas, e também alcança a fronteira com a Venezuela.